terça-feira, julho 19

SOB O SIGNO DO D.E.S.

1. Em sentido contrário à popular e entusiástica adesão às Festas do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada algumas vozes dissonantes têm pregado do seu púlpito uma indignação amuada que tem merecido a esperada sinecura do pedestal mediático. Nesse coro de catedráticos do Espírito Santo, e de sacerdotes de conveniência do momento, esquecem os seus autores a origem popular que estas festas possuem e a importância que ocupam na alma Açoriana. Recordando a instrutiva coluna de Ana Isabel Sousa no Açoriano Oriental, «se a festa do Espírito Santo tem tradições em todas as ilhas açorianas, mais tradições ainda possui em Ponta Delgada», logo, à respectiva Câmara Municipal restava a obrigação de ser intérprete de uma vontade comunitária que estava latente na população do concelho desde que, há cerca de duas décadas, haviam cessado as Festas do Divino em Ponta Delgada.

Não deixa assim de causar assomo e perplexidade o remoque que o êxito desta iniciativa causou junto do agora vigário geral da Diocese de Angra do Heroísmo, e até na candidatura do Partido Socialista à Câmara de Ponta Delgada. O «show off» desta inusitada aliança, alimentada pelo estímulo de fazerem notícia, nem que seja em um quarto de página, aposta na falácia da instrumentalização da fé em Ponta Delgada e da suposta usurpação de um culto popular desgarrado dos poderes eclesiástico e político. Que dizer então da grande coroação que ocorre na Sé de Angra do Heroísmo no último Domingo das seculares Sanjoaninas? Ou da coroação do próprio Presidente da Câmara Municipal da Horta numa tradição que se repete anualmente sob o signo do Império da Irmandade da Beneficência, vulgo, dos Nobres, e que é uma das mais antigas dos Açores desde 1672 ? Como encaixar nesta argumentação moralizadora dos costumes a mega Sopa do Divino Espírito Santo em honra do Presidente da República, que teve lugar no ano passado em Angra do Heroísmo e à conta do Dia de Portugal? Como é possível, com honestidade, esquecer o patrocínio do Presidente do Governo Regional às grandiosas festas do Divino com que Carlos César ofertou os Marienses por ocasião do Dia dos Açores?

2. Recentemente o líder da candidatura Socialista à Câmara Municipal de Ponta Delgada, em tom impressivo, acusou a actual Presidente da Autarquia de ter «inventado» uma festa, executando um golpe de «expropriação religiosa», e tudo isto numa suposta urdidura conspirativa «envolvida na insólita missão de tutelar politicamente as festas do Espírito Santo» ! Com este estilo só se pode concluir que o candidato do PS assumiu o compromisso eleitoral de acabar com as festas do Divino Espírito Santo em Ponta Delgada!

Porém, à margem desta promessa eleitoral, é lamentável que o candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal faça tábua rasa de uma tradição popular que sempre tem contado com o apoio de muitos açorianos num amplo consenso comunitário que agrega uma mole humana de voluntários unidos sob a bandeira unicolor do Divino Espírito Santo.

Estes e outros actos de indignação pontual e postiça deixam dolosamente na sombra outros actos, esses sim de verdadeira instrumentalização política e religiosa, como por exemplo, a simbólica assinatura de protocolos de cooperação entre a Igreja e o Governo Regional em pleno altar das Igrejas ou as oferendas de coroas do Espírito Santo por ocasião de inaugurações e fora do contexto popular e religioso!

3. Indiferente ao poder dos homens, e ao sabor das modas, os Impérios do Espírito Santo, instituídos em Alenquer pela Rainha Santa Isabel e repetidos mundo fora pelos Portugueses embarcados para os Açores, mas também para o Brasil, Havaí, e até Goa, irão perpetuar-se em demanda da idade do Espírito Santo. Entre nós e desde a primeira Irmandade em Ponta Delgada, que remonta ao Império da Misericórdia de 1665, a tradição irá continuar atavicamente a passar de geração em geração pois, apesar da dispersão do Culto pelo Mundo, é aqui nos Açores que o Espírito Santo é mais querido. Sob o estandarte da confraternização universal, que é o ânimo do Espírito Santo, espero sinceramente que um dia se esqueçam estas divergências de ocasião e que nas próximas festas do Divino Espírito Santo não seja impensável comermos todos à mesma mesa partilhando a mesma refeição! Esta é uma utopia divina na qual vale a pena acreditar.

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JNAS, na Edição de terça-feira 19 de Julho do Jornal dos Açores

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