...
Eugène Delacroix, La Liberté guidant le peuple, 1830
Louvre
...
A mitomania jacobina e as falácias de semi-letrados têm gravado em caracteres escarlates, forjados sob o signo do império da guilhotina, páginas infindáveis onde, ao jeito das epopeias revolucionárias, fica a ideia impressionista de que a Revolução Francesa é o altar onde todos os amantes da Liberdade-Igualdade-Fraternidade devem prestar culto.
O jacobinismo dominante instituiu como dia Nacional de França o 14 de Julho em memória daquele remoto dia do ano de 1789, em que uma turba de sediciosos tomou a Bastilha. Daí em diante há quem engula a seco, sem qualquer espírito crítico, a pastilha de que a Revolução Francesa foi um passeio de beneméritos idealistas rumo à Liberdade dos Povos...(o que se quis logo impor pela força Imperial do Bonapartismo !).
No rol de mitos com que se forja a história de acordo com as conveniências jacobinas está o assalto à Bastilha. Ao longo dos séculos sedimentou-se a falácia de que a Bastilha era o poço para onde eram atirados os indigentes de Paris. Daí à imagem plástica de um povo amotinado, consciente da sua condição de vanguarda da história, marchando radiosamente sobre a Bastilha para libertar os seus irmãos, foi um passo.Mas, a verdade histórica é mais comezinha e reporta-se a um ajuntamento de menos de um milhar de sediciosos que, na madrugada de 14 de Julho de 1789, após tomar de assalto o «Hôtel des Invalides» ficou a braços com armas e peças de artilharia inúteis... considerando a mingua dos depósitos de pólvora dos «Invalides». Daí à Bastilha, e ao seu depósito de pólvora, foi mais um passo.
A crueza deste utilitarismo é contrária à mistificação de uma mole humana marchando garbosamente sob o ânimo filantrópico de libertar os irmãos encarcerados e oprimidos na Bastilha. Efectivamente, a 14 de Julho de 1789, a Bastilha albergava apenas 7 prisioneiros : 4 falsários, 2 sociopatas e 1 sádico ! Logo, como se vê, nenhum destes espécimens estaria detido por delito de opinião ou motivos políticos. Estes e outros detidos da Bastilha ( bem com de «La Force» e «Vincennes» ) eram vítimas do infame sistema das «lettres de cachet» que permitiam a detenção, por tempo indeterminado e sem julgamento, de criminosos comuns (algo que há muito os Ingleses haviam abolido com o Habeas Corpus !)
As sete almas penadas que estavam enclausuradas na Bastilha pouco diferiam dos hóspedes habituais da referida fortaleza. Na verdade, desde 1715 que a Bastilha, apesar de estar longe do fausto de Versalhes, era ainda assim uma prisão de luxo...«a place of genteel confinement for the well-to-do» (na expressão Ariel Durant). Uma prisão destinada a aristocratas, intelectuais e eclesiásticos que recorrentemente assinavam o livro de «hóspedes» devido aos seus vícios privados incompatíveis com as públicas virtudes. Todavia, por força do seu estatuto esta tipologia de detidos tinha direito a criadagem que os acompanhava, bem como ao conforto de mobiliário à altura dos pergaminhos dos seus costumes, biblioteca e refeições fornecidas do exterior ! Um dos últimos e mais célebres prisioneiros da Bastilha foi o Marquês de Sade, aferrolhado não pelos seus escritos licenciosos, mas sim por ter envenenado uma compincha das suas aventuras. Esta celebridade da Bastilha foi libertada poucos dias antes do 14 de Julho, e antes morrer num manicómio, teve tempo para expressar revolucionariamente a sua libido.
Seja como for a horda revolucionária investiu sobre a Bastilha e apesar dos pedidos de clemência e rendição do Governador da Fortaleza, Marquis de Launay, este foi literalmente desmanchado por um cozinheiro e teve a sua cabeça num espeto para gáudio da populaça...escusado será dizer que tiveram o mesmo destino os seus súbditos.
Esse memorável dia 14 de Julho de 1789 marca o início de um novo calendário : o da Revolução Francesa. Nesse dia de 1789, enquanto as cabeças da guarnição da Bastilha eram passeadas pelas ruas de Paris, o Rei Luís XVI regressava a Versalhes após um extenuante dia de caça. À falta de um blog o Rei escreveu com o seu punho real a seguinte entrada no seu diário : «Juillet
14:Rien». Mais tarde o Duque de La Rochefoucauld-Liancourt, vindo de Paris, noticiou ao Rei a tomada da Bastilha. «Porquê» exclamou incrédulo o monarca acrescentando : «Isto é um motim?». Respondeu o Duque entre rendas e salamaleques : «Não Majestade ! É uma Revolução»...lá ele sabia porquê.
(Fontes : «Rousseau and Revolution», Will and Ariel Durant Ed. 1967 Simon & Shuster e «L´Ancien Régime et la Révolution», Jean François Chiappe, Ed. 1986 Paris / Inspiração via Foguetabraze ! )
Sem comentários:
Enviar um comentário