sexta-feira, novembro 21

Entrevista: Um blogue plural numa região adversa à discussão *

Numa região ainda presa a dicotomias, o :Ilhas veio agitar as consciências e fortalecer a blogosfera regional. Não só sobreviveu à sua progenitora, a revista com o mesmo nome, como assinala o quinto aniversário. Um contributo para o mundo da comunicação.

O convidado do programa “Conversa Fiada”, da Rádio Açores TSF, foi Pedro Arruda, um dos fundadores do blogue :Ilhas, um dos três mais antigos dos Açores. Pedro Arruda, ainda se lembra do primeiro post? Do momento exacto do lançamento do primeiro post não, mas sim do acto de criação do blogue. Foi algo muito discutido pelos fundadores. O :Ilhas nasce associado à revista :Ilhas, que estava num grande momento de actividade. Portanto, num momento de euforia nacional com o movimento dos blogues, em 2003. Durante muito tempo o núcleo duro da MUU Produções, os editores da revista :Ilhas - o Alexandre Pascoal, o Vítor Marques e eu - discutimos a criação de um blogue. Eu fui dos que levaram mais tempo a serem convencidos. Pensava que os blogues constituíam um fenómeno passageiro, uma moda, que fruto do imediatismo do tipo de comunicação acabaria por desaparecer. De qualquer modo, como tínhamos muitos contactos no continente com amigos que tinham blogues, muitos já afirmados no panorama da blogosfera nacional, em Novembro de 2003 decidimos avançar com uma espécie de repercussão da revista no meio virtual. A revista era bimensal, de distribuição gratuita, tendo o blogue permitido repercutir no meio virtual, com mais actualidade, a ideia nuclear da revista que era um veículo de discussão de ideias sobre os Açores, com grande atenção à modernidade independentemente das convicções políticas, culturais, desportivas, entre outras.

O que é curioso é que a revista desapareceu e o blogue ficou... Sim, e esta é uma das maravilhas da internet e aquele que era um dos meus medos, o do meio efémero, perdurou. Repare: até há pouco tempo havia um certo preconc ito de considerar que os órgãos de comunicação clássicos - jornal, rádio e televisão - eram de facto o que definia a comunicação. O que é que os blogues vieram demonstrar? Por serem gratuitos, basta ter uma ligação à internet e conhecimentos mínimos de informática, para se conseguir ter um veículo de comunicação global.

Um bom blogue já é diferente? Não necessariamente. Um bom blogue depende dos interesses do autor (es) , do conteúdo e do público alvo que consegue atingir. Há blogues extraordinários, que não me suscitam particular interesse, que atraem milhares de pessoas em todo o mundo.

Qual é a qualidade do :Ilhas? É quase um pleonasmo o que vou dizer: o :Ilhas é uma ilha de pluralidade numa região adversa à discussão frontal e com assinatura por baixo, em que as pessoas assumem a sua visão.

Assinam, bem... há seis autores de o :Ilhas, sete, agora há um sétimo autor, que é a Olímpia Granada, jornalista do Açoriano Oriental, o que muito nos orgulha, que assinam, mas depois há os comentários, cuja maioria, é anónima ou por pseudónimo. Isto não gera ruído? Sim, como há ruído na rádio, na imprensa. Costumo fazer a seguinte comparação: os anónimos na blogosfera são como os mosquitos no verão: se estiveres com os teus amigos a beber uma cerveja numa noite quente de verão, não vais deixar de a ter só porque existem mosquitos. Compras um bom repelente e continuas a conversa.

Nunca te sentiste incomodado? Sim, muitas vezes. Mas, os anónimos existem para isso mesmo, para incomodar. Fazer ruído.

Não é sinal de cobardia... Exacto, mas essa cobardia também existe na sociedade. As pessoas falam mal dos outros quando eles não estão presentes. Os blogues repercutem isso como um espelho.

A diferença é que os comentários na blogosfera são, por vezes, particularmente duros e ofensivos! Sim, mas o que difere os dois tipos de comentários, por exemplo, os de rua e os dos blogues, é que os segundos ficam registados para o futuro, perduram no tempo. De qualquer modo, penso que os tais comentários anónimos não são de todo a parte mais importante da blogosfera. Passo meses sem ler a caixa de comentários. Eu leio os posts, os artigos assinados pelo autor.

Passados cinco anos da criação de o :Ilhas, qual a sua opinião sobre a blogosfera açoriana? Surpreende-me pela positiva. Todos os dias nascem blogues. Há novidades interessantes de jovens açorianos que estudam no continente e que demonstram vontade de discutir as questões regionais com ideias novas, qualidade. Por exemplo, há o In Concreto, do Tibério Diniz, um terceirense que estuda Direito em Lisboa. Há ainda o Notas, de um economista José Maria Matias. Portanto, nos Açores, há blogues muitos interessantes.

A nossa blogosfera está ao nível do que se faz no continente? Está. Basta ver que há meia dúzia de blogues açorianos que costumam ser referência nos blogues continentais. E não só quando há temáticas açorianas na agenda nacional.
Um dos factores de relevância dos blogues tem a ver com a coluna lateral onde se fazem referências a links para outros blogues e assuntos. Praticamente em todos os blogues de referência nacionais constam dois ou três açorianos.

As últimas eleições nos Estados Unidos da América foram seguidas a par e passo pela blogosfera norte-americana. Este fenómeno poderá repetir-se, por exemplo, nas próximas eleições Legislativas em Portugal? Sim, repare: a blogosfera norte-americana tem dez a quinze anos, enquanto a blogosfera nacional tem seis a oito anos. Logo aí há uma diferença. Quanto à pergunta que me colocou, penso que os nossos blogers estão preparados quer pela sua qualidade quer pela capacidade de acompanhamento da agenda nacional. Aliás, se formos ver o caso das eleições nos Estados Unidos da América, o acompanhamento na blogosfera nacional foi muito mais rico e interessante de que trabalho efectuado pelos dois maiores diários nacionais, o Diário de Notícias e o Público. Actualmente, a grande maioria dos blogues nacionais tem especialistas. O caso do blogue do Pedro Magalhães, que diariamente fazia a leitura das estatísticas das eleições norte-americanas. Temos blogues de especialistas em direito, economia, cultura, entre outras matérias, que o meio de comunicação tradicional não possui. Portanto, a blogosfera traz a opinião abalizada e no momento. São um pouco o panfletismo do século XIX, mas de forma imediata. Qualquer pessoa, perante dado acontecimento, pode expressar a sua opinião e publicá-la para qualquer pessoa ler.

Qual a relação entre jornalistas e blogues? Depende da cada um. Há jornalistas que são bloguers como há jornalistas que os detestam. E no meio, toda uma realidade. Não vejo que exista uma separação total. A blogosfera está mais próxima da crónica do que propriamente a notícia.

O que torna um blogue credível? Ser assinado não basta. Acrescem a veracidade e a constância na informação. Ainda com relação ao jornalismo penso que a postura adequada por parte das redacções será perceber que os blogues podem constituir um extraordinário manancial de informação como um pântano de desinformação. Mas, vamos lá ver: o corredor de um Parlamento é igual. O mesmo se passa com o telefonema de um chefe de gabinete ou assessor. O mesmo desafio também acontece com os bloguers até porque os corredores do poder tentam utilizar cada vez mais os bloguers tal como o fazem com os jornalistas. Eu quando faço um post no blogue tento ser verdadeiro e que o conteúdo possua valor e seja claro. Penso que se passa o mesmo com um jornalista.

Olhando o futuro, como imagina o fenómeno da comunicação dentro de dez anos? Com ou sem jornais, papel? Eu adoro papel. Sou coleccionador de livros. Não sei se o papel vai acabar. É provável que sim. Hoje, se não compro mais jornais e revistas, e não quero chocar ninguém, é porque a avaliação que faço é que a qualidade caiu muito. A progressiva evolução dos meios de comunicação tradicionais para empresas cujo principal objectivo é o lucro levou a que houvesse uma deterioração da matéria-prima, que é a informação. Penso que os órgãos de comunicação devem reflectir que não pagar bons ordenados a jornalistas, ter uma maioria de jornalistas estagiários, acabar com a especialização, leva a uma desvalorização da matéria- prima. É um bocado como vender diamantes sintéticos por verdadeiros. Os leitores percebem isso. E isto é um fenómeno global. Os principais estudiosos da matéria dizem isto.

A concentração de títulos num só grupo de comunicação é negativa? Não necessariamente se tal grupo estiver disponível para pagar os melhores jornalistas e comentadores. Mas, a prática tem demonstrado... Repare: Por que motivo os blogues ocupam cada vez mais espaço em Portugal? Percebe... Acresce o seguinte: eu para ler um artigo do Pedro Magalhães no Público tenho que esperar uma semana e tenho que pagar. No blogue, não.

Mas, os media ditos tradicionais também levaram os seus comentadores para a blogosfera, como o El Pais, não os fixando no papel... Sim, sim. Há que aproveitar a sinergia. Aliás, o You Tube trouxe isto. E aí mais uma vez os blogers anteciparam-se aos media tradicionais na relação com o You Tube.

Direitos de autor, uma preocupação para os blogers? Também, mas o meio virtual pugna pelo auto-regulação. Dou-lhe um exemplo: para além do :Ilhas criei, com amigos com outras áreas de interesse, um blogue sobre surf e bodyboard, o Ondas. Ao fim de três meses percebi que havia textos meus publicados integralmente noutros blogues com outros nomes. A minha primeira reacção foi de raiva. E depois pensei: se foram buscar os meus textos é porque se identificam com o seu conteúdo. Então, contactei essas pessoas e disse-lhes para utilizar o que quiserem mas desde que mencionem a fonte.

Nunca mais houve problemas? A prática de referir a fonte institucionalizou-se e hoje em dia os casos de usurpação são raros.

* Por Paulo Simões/Pedro Lagarto na edição de 17.11.08 do AO
** Foto Eduardo Resendes
*** Hotel do Colégio - Jantar 5º Aniversário :ILHAS (14.11.08)

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