quarta-feira, novembro 19

Agarrados à "zona down"

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As respostas do sistema de justiça social às toxicodependências são regularmente um bom observatório do modelo social. Por exemplo: nos U.S.A., terra de oportunidades, mas também de desigualdades clamorosas, à conta do fenómeno da dependência das drogas a lei penal é um cruel espelho de um modelo social descalibrado. Com a implementação do regime do "Mandatory Minimum Sentences" nos Estados Unidos a posse de uma determinada quantidade de droga, independentemente de culpa, determina a aplicação automática de uma pena privativa da liberdade. Contudo, este securitarismo cego à Justiça, implica, por exemplo, que a posse de 5 gramas de crack, a droga que circula entre as classes baixas, implique o cumprimento automático de 5 anos de prisão, por outro lado, a posse de 5 gramas de cocaína, a droga inalada pela classe média alta, poderá ser o passaporte para o cumprimento de uma pena até 1 ano de cadeia. Crack e Cocaína são apenas diferentes formas da mesma droga mas a disparidade social do seu consumo também se reflecte na disparidade legal da sua repressão. Em suma: ambiguidades na resposta a um fenómeno que é socialmente transversal. Em Portugal, e nos Açores em particular, temos também as nossas ambiguidades que reflectem uma dualidade de políticas entre a tolerância e a repressão. Estes sinais podem ser lidos nas entrelinhas do relatório anual do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT) no qual os Açores assumem lugar de destaque no podium do consumo nacional de substâncias ilícitas sendo inclusivamente campeões no consumo de anfetaminas ! Com a política de tolerância com o consumo parte substancial dos ilícitos passaram da alçada do direito penal para o regime das contra ordenações, entulhando as Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência com processos que estas são incapazes de concluir. Sem cuidar de saber qual a eficácia do trabalho das referidas comissões o certo é que também por falta de meios apenas 50 % dos processos instaurados tinham, no termo de 2007, decisão proferida. Mas, ainda de acordo com a estatística, aproximadamente 65 % dos processos estavam relacionados com a posse de cannabis e, nestes processos, a maioria das decisões redundaram em suspensão provisória do processo por conclusão de se tratarem de consumidores não toxicodependentes. Como se vê também por cá há ambiguidade quanto baste sendo de espantar tanto zelo e diligência na repressão do consumo de "drogas leves" que são hoje toleradas por grande parte da comunidade. O Estado gasta milhões nestes processos mas revela-se incapaz de atacar, sem apelo nem agravo, o problema do consumo (e tráfico) das "drogas duras" especialmente da heroína. Ademais, não diferencia os consumos juntando na mesma marginalidade mundos que são sociologicamente diferenciados. Com efeito, a cannabis não é referenciada no citado relatório como um "consumo problemático" mas o facto de circular nos mesmos mercados em que circulam as denominadas "drogas duras" é um convite para "percursos de toxicodependência prolongada". Efectivamente, os estudos mostram que entre os consumos problemáticos a heroína prevalece na dita "zona down", ou seja, é a "droga central em percursos de toxicodependência prolongada". A realidade mostra-nos que nos Açores a heroína é um dos maiores problemas de segurança e saúde pública, transversal a todos os estratos sociais e já com forte implantação nos meios rurais. Tarda a resposta do Estado e da Região para uma política de tolerância zero para o consumo e tráfico da heroína - (por regra associados) - a bem de todos nós. Tarda uma resposta integrada desde a prevenção primária até à reinserção social numa região cujo combate à toxicodependência quase que se esgota na administração de metadona com o dano colateral de esta ser também uma nova droga no mercado do tráfico. Tarda aceitar separar a resposta, institucional e legal, para os consumos de uma determinada subcultura juvenil do poço sem fundo das ditas "drogas duras". Entretanto engrossa a fileira de agarrados da dita "zona down" dos "percursos de toxicodependência prolongada."
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicasdigitais do jornaldiario.com

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