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A 22 de Janeiro de 1973 o Supreme Court of the United States proferiu Jurisprudência no sentido de que a legislação que tipificasse como ilícito criminal a prática do aborto violava o Direito Constitucional previsto na cláusula de liberdade prevista na 14ª emenda. Em termos práticos, liberalizou o aborto nos Estados Unidos. Para o efeito, recorreu à argumentação de que a prática do aborto estava inclusa na esfera jurídica do direito positivo à privacidade, enquanto direito constitucional das mulheres, derivado da 14ª emenda à Constituição dos Estados Unidos. Esta decisão judicial, que validou o direito constitucional das mulheres a abortarem, tomou o nome de Roe versus Wade.
Em termos de direito comparado o Supreme Court of the United States equivale, com as devidas adaptações, ao nosso Tribunal Constitucional, na medida em que, ambos são instâncias de Jurisdição Constitucional. Contudo, nos Estados Unidos da América não existe em termos orgânico-estruturais uma Justiça Constitucional autónoma estribada num Tribunal Constitucional pois, a ordem jurídica Americana, reconhece à generalidade dos Tribunais, através da judicial review, competência para, no contexto de um caso concreto, aplicarem a Constituição que serve assim como "paramount law". Ora, foi no âmbito de um caso concreto que o acórdão de Roe versus Wade foi "concebido" e daí chegou ao Supreme Court enquanto appelate jurisdiction. O impulso inicial foi dado por Norma McCorvey (denominada "Jane Roe") que, com o patrocínio de uma jovem e ambiciosa equipa de Advogadas, decidiu processar o Estado do Texas por lhe vedar a possibilidade de legalmente, e com o adequado suporte médico, realizar um aborto. Alegava inicialmente a cidadã McCorvey que tinha sido vítima de violação, embora mais tarde tenha negado tal maquinação, acusando inclusive as suas Advogadas de a terem manipulado. Posteriormente em 2005, como se sabe, este ícone do movimento pro-choice converteu-se aos argumentos do movimento pro-life e, em catarse pelo seu passado, dedica-se agora a expor o negócio sórdido das clínicas que têm por objecto a produção de abortos em série. Em suma: uma personalidade instável esteve na base de uma das mais importantes decisões Judiciais na história do Supreme Court !
Quanto à motivação técnica da decisão a Jurisprudência do Supreme Court partiu da premissa da "viabilidade externa do feto" para determinar que só a partir deste momento é que o feto merece a protecção do Estado. À data do acórdão de Roe versus Wade a "viabilidade externa do feto" ocorria aproximadamente aos seis meses. Consequentemente, o Tribunal adoptando uma métrica trimestral decidiu que, no primeiro trimestre da gravidez, os Estados da União não tinham qualquer interesse em regular o direito de uma mulher a obter um aborto, porquanto, os riscos clínicos não apontavam para qualquer indício sério e razoável de perigo para a saúde da mulher grávida. O Supreme Court definiu ainda que, no segundo trimestre da gravidez, os Estados da União, tendo por dever assegurar a saúde da progenitora, devem regular os procedimentos da prática de aborto mas, acaso a mulher seja devidamente aconselhada pelo seu médico, é ainda neste período "livre para decidir por ou não termo à sua gravidez." Só no terceiro trimestre da gravidez é que o Supreme Court define como possível a eventual proibição do aborto em honra à "potencialidade de vida humana" pois, a partir deste período, existe a possibilidade de "viabilidade externa do feto" capaz já de sobreviver fora do ventre materno. Assim exposta, esta Jurisprudência que faz as delícias dos partidários do SIM no referendo do dia 11, revela na sua nudez a fragilidade da sua validade. Desde logo, a ciência tem vindo a recuar cada vez mais o período de "viabilidade externa do feto", pelo que, o parâmetro que serviu de métrica para o sistema dos trimestres não se afigura intemporal. Ademais, o Acórdão de Roe versus Wade redundou na controvérsia gerada pela prática, embora residual, do "Partial-birth abortion" ou "Brain-suction Abortion" que são metodologias de intervenção horripilantes praticadas no termo da gestação com a indução da dilatação cervical.
Em termos de direito comparado o Supreme Court of the United States equivale, com as devidas adaptações, ao nosso Tribunal Constitucional, na medida em que, ambos são instâncias de Jurisdição Constitucional. Contudo, nos Estados Unidos da América não existe em termos orgânico-estruturais uma Justiça Constitucional autónoma estribada num Tribunal Constitucional pois, a ordem jurídica Americana, reconhece à generalidade dos Tribunais, através da judicial review, competência para, no contexto de um caso concreto, aplicarem a Constituição que serve assim como "paramount law". Ora, foi no âmbito de um caso concreto que o acórdão de Roe versus Wade foi "concebido" e daí chegou ao Supreme Court enquanto appelate jurisdiction. O impulso inicial foi dado por Norma McCorvey (denominada "Jane Roe") que, com o patrocínio de uma jovem e ambiciosa equipa de Advogadas, decidiu processar o Estado do Texas por lhe vedar a possibilidade de legalmente, e com o adequado suporte médico, realizar um aborto. Alegava inicialmente a cidadã McCorvey que tinha sido vítima de violação, embora mais tarde tenha negado tal maquinação, acusando inclusive as suas Advogadas de a terem manipulado. Posteriormente em 2005, como se sabe, este ícone do movimento pro-choice converteu-se aos argumentos do movimento pro-life e, em catarse pelo seu passado, dedica-se agora a expor o negócio sórdido das clínicas que têm por objecto a produção de abortos em série. Em suma: uma personalidade instável esteve na base de uma das mais importantes decisões Judiciais na história do Supreme Court !
Quanto à motivação técnica da decisão a Jurisprudência do Supreme Court partiu da premissa da "viabilidade externa do feto" para determinar que só a partir deste momento é que o feto merece a protecção do Estado. À data do acórdão de Roe versus Wade a "viabilidade externa do feto" ocorria aproximadamente aos seis meses. Consequentemente, o Tribunal adoptando uma métrica trimestral decidiu que, no primeiro trimestre da gravidez, os Estados da União não tinham qualquer interesse em regular o direito de uma mulher a obter um aborto, porquanto, os riscos clínicos não apontavam para qualquer indício sério e razoável de perigo para a saúde da mulher grávida. O Supreme Court definiu ainda que, no segundo trimestre da gravidez, os Estados da União, tendo por dever assegurar a saúde da progenitora, devem regular os procedimentos da prática de aborto mas, acaso a mulher seja devidamente aconselhada pelo seu médico, é ainda neste período "livre para decidir por ou não termo à sua gravidez." Só no terceiro trimestre da gravidez é que o Supreme Court define como possível a eventual proibição do aborto em honra à "potencialidade de vida humana" pois, a partir deste período, existe a possibilidade de "viabilidade externa do feto" capaz já de sobreviver fora do ventre materno. Assim exposta, esta Jurisprudência que faz as delícias dos partidários do SIM no referendo do dia 11, revela na sua nudez a fragilidade da sua validade. Desde logo, a ciência tem vindo a recuar cada vez mais o período de "viabilidade externa do feto", pelo que, o parâmetro que serviu de métrica para o sistema dos trimestres não se afigura intemporal. Ademais, o Acórdão de Roe versus Wade redundou na controvérsia gerada pela prática, embora residual, do "Partial-birth abortion" ou "Brain-suction Abortion" que são metodologias de intervenção horripilantes praticadas no termo da gestação com a indução da dilatação cervical.
Perante a prodigalidade liberalizante desta Jurisprudência não tardou que a mesma fosse também ela própria burilada por decisões subsequentes. Desde logo, importa recordar que a histórica decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos cedo recebeu a oposição dos Estados da União que viram, naquela Jurisprudência, uma intromissão inaceitável nos seus poderes legislativos e uma clara violação do primado da separação de poderes. Mas, o caso Roe versus Wade não permanece arquivado nas galerias do Supreme Court pois tem servido dinamicamente para ulteriores decisões com impacto comunitário. Assim, apesar do pendor liberalizante da Jurisprudência o certo é que por via também Jurisprudencial e Legislativa, o alcance do acórdão tem vindo a sofrer limitações. São exemplos dessa realidade a recusa do Congresso em financiar o aborto social para mulheres que sejam indigentes, alguma Jurisprudência que tem vindo a recusar o uso de funcionários públicos e de instalações de saúde públicas para a prática assistida de aborto, a aprovação de legislação que obriga ao consentimento de quem detém o poder paternal para a prática de aborto no caso de a progenitora ser menor, a adopção de práticas administrativas que obrigam à notificação do progenitor dando-lhe prévio conhecimento da vontade da progenitora em abortar e, finalmente, mas não menos relevante, a adopção de legislação restritiva das práticas de aborto vulgarmente denominadas como "Partial-birth abortion".
O caso Roe versus Wade tem sido incensado pelos "liberais", desde a geração de 70, como um marco de progresso civilizacional. Contudo, no âmbito do próprio Supreme Court a decisão não foi congenitamente linear. Um dos juízes que votaram vencido era o carismático Rehnquist que, entre as várias razões aduzidas para votar vencido, referiu que o Tribunal tinha valorizado de modo injustificadamente desequilibrado a "conveniência" (sic) da mulher grávida "em detrimento da continuidade existencial e do desenvolvimento de uma vida ou da vida potencial que essa mesma mulher carrega". Um voto presciente para os tempos que correm em que, no limite, o que está em causa é o aborto de conveniência, quer seja por conveniência egoísta e pessoal, quer seja por conveniência eugénica e social. Não é por acaso que há quem defenda que os índices de criminalidade nos Estado Unidos baixaram drasticamente na década de 90 por mérito do caso Roe versus Wade ! Esta é a tese do economista Steven Levitt que estabelece um nexo causal entre a liberalização do aborto nos Estados Unidos, introduzida pelo caso Roe versus Wade, e os potenciais criminosos que nunca vieram a nascer pois, a psicologia subjacente a tal tese, sustenta que as crianças não desejadas têm maior probabilidade de ingressar por uma carreira no mundo do crime (duplo !!). Creio que a monstruosidade destas teses, e outras similares, são quanto basta para que em vez de se celebrar o aniversário do caso Roe versus Wade se reflicta profundamente sobre o destino dos seus intervenientes, o alcance social da sua doutrina, bem como a percepção de que também esta decisão judicial se transformou num case study de como os Tribunais, às vezes, são permeáveis ao ambiente social ou, como diria o falecido Rehnquist: às conveniências...,in casu, das mulheres.
O caso Roe versus Wade tem sido incensado pelos "liberais", desde a geração de 70, como um marco de progresso civilizacional. Contudo, no âmbito do próprio Supreme Court a decisão não foi congenitamente linear. Um dos juízes que votaram vencido era o carismático Rehnquist que, entre as várias razões aduzidas para votar vencido, referiu que o Tribunal tinha valorizado de modo injustificadamente desequilibrado a "conveniência" (sic) da mulher grávida "em detrimento da continuidade existencial e do desenvolvimento de uma vida ou da vida potencial que essa mesma mulher carrega". Um voto presciente para os tempos que correm em que, no limite, o que está em causa é o aborto de conveniência, quer seja por conveniência egoísta e pessoal, quer seja por conveniência eugénica e social. Não é por acaso que há quem defenda que os índices de criminalidade nos Estado Unidos baixaram drasticamente na década de 90 por mérito do caso Roe versus Wade ! Esta é a tese do economista Steven Levitt que estabelece um nexo causal entre a liberalização do aborto nos Estados Unidos, introduzida pelo caso Roe versus Wade, e os potenciais criminosos que nunca vieram a nascer pois, a psicologia subjacente a tal tese, sustenta que as crianças não desejadas têm maior probabilidade de ingressar por uma carreira no mundo do crime (duplo !!). Creio que a monstruosidade destas teses, e outras similares, são quanto basta para que em vez de se celebrar o aniversário do caso Roe versus Wade se reflicta profundamente sobre o destino dos seus intervenientes, o alcance social da sua doutrina, bem como a percepção de que também esta decisão judicial se transformou num case study de como os Tribunais, às vezes, são permeáveis ao ambiente social ou, como diria o falecido Rehnquist: às conveniências...,in casu, das mulheres.
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posted by João Nuno Almeida e Sousa
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