Portugal, junto com o resto do mundo, atravessa um momento difícil. E a doença parece que alastrou a todos os órgãos, como se fosse um cancro metastizado na totalidade do corpo. O desconforto que este momento nos provoca é violentíssimo e leva, objectivamente, à renúncia ou à revolta. Renúncia de o enfrentar, desviamos os olhos e abstemo-nos de combater. Revolta contra a realidade, zurzimos indiscriminadamente sobre tudo e todos, não resolvendo com isso os problemas, mas antes aumentando-lhes a gravidade. Depois da euforia dos anos 90, do desenvolvimento económico e político do "mundo ocidental", do sonho da "Europa Unida", da bolha das .com, dos grandes acordos internacionais e das promessas de paz, o mundo parece que mergulhou no "lado negro da força". Bush, o terrorismo, a guerra, Chavez, o aumento do preço do petróleo, o programa nuclear iraniano, o enigma do colosso chinês, o desaceleramento das economias europeias. Uma enorme quantidade de elementos contribui para este tempo de angústia em que vivemos. E estes grandes eventos, todas estas grandes tendências internacionais, repercutem-se muito claramente no nosso dia-a-dia atlântico, aqui na ocidental praia lusitana, ou, mais especificamente para nós açorianos, aqui na praia do Pópulo, no Porto Martins, ou no Peters olhando o Pico. Nos últimos cinco anos tivemos quatro Primeiros-ministros, sendo que dois deles fugiram da responsabilidade de o ser como o diabo foge da cruz, o deficit transformou-se em palavra-chave do pensamento económico, rebentaram escândalos, houve prisões e novelas mediáticas, vaticinou-se o fim da nação. O resultado disto tudo foi que o PSD deu ao país, com Durão Barroso e Santana Lopes, dois dos piores governos dos trinta anos da democracia e o PS, com Sócrates, obteve a sua maior votação de sempre.
E chegamos então ao fim do mandato presidencial de Jorge Sampaio e à necessidade de eleger um novo presidente da República. A Direita desde 1996 que tinha já predestinado o seu candidato e mais ainda quando, após o descalabro dos últimos três anos, se vê atirada para as cordas e sob a ameaça de uma maioriasissíma do PS. Cavaco surge aos olhos da Direita como o salvador do liberalismo. O problema será quando as várias direitas que agora aclamam o Professor de finanças perceberem que o Sr. não é um liberal e lhe descobrirem a verdadeira cara de intervencionista, conservador e moralista. Mas o Professor Cavaco era uma inevitabilidade. Na Esquerda esperava-se uma suave continuação do tronco ideológico de socialistas e humanistas, que começou com Soares continuou com Sampaio e seguiria agora placidamente para Guterres ou Vitorino. Aconteceu que nessa geração os impulsos são de outra natureza que não o serviço público e o bem da nação. Não faço aqui nenhuma reprimenda, principalmente porque acredito que a minha geração, trinta anos mais nova, é ainda mais hedonista e alheada do que a maioria da geração que viveu o 25 de Abril na flor da idade. Mas o facto é que na fasquia dos que agora têm 50 a 60 anos ninguém quis pegar no País.
Surge Mário Soares. Soares é claramente um político de uma geração pré 25 de Abril. A sua formação política foi feita ainda na ditadura num tempo de valores mais afirmativos e transparentes, de valores claros, e em que as lutas se faziam entre a liberdade e a opressão. Esta é uma das suas maiores qualidades e prova-o a forma como eles soube em trinta anos de vida política em democracia, em trinta anos de acção governativa nos mais diversos cargos, a forma como ele soube transpor essa matriz para o bem do País. Os valores que Soares representa são de facto uma das suas maiores mais-valias no momento actual que o Pais atravessa. O Socialismo democrático, o primado das liberdades individuais, o humanismo, a luta pelo estado social. Estes, e são apenas alguns, são valores essenciais ao nosso tempo.
Eu percebo que em face do momento político e em face dos candidatos, tanto à esquerda como à direita, a sensação seja de renúncia e de revolta, mais do que de apoio sincero. Eu próprio baseio muito do meu actual posicionamento político na total recusa de Cavaco Silva, não só por este ter sido o primeiro candidato a aparecer, mas acima de tudo porque muito do meu crescimento e formação política ter sido feito numa luta constante contra os governos do Professor e contra aquilo que a própria figura representa. Percebo, obviamente, que para quem está do outro lado da barricada o sentimento seja o mesmo.
Mas a questão se coloca agora, confrontados que estamos com estes candidatos, é qual deles tem melhor perfil e condições para desempenhar o cargo de Presidente da República? Mário Soares. As funções de Presidente requerem uma personalidade dialogante, por vezes mesmo um certo desprendimento, requerem valores e um absoluto e constante respeito pela constituição e pela democracia. O Presidente é o garante, é o símbolo. O Presidente é também a imagem do País no exterior. É precisamente por este carácter quase iconográfico do cargo de Presidente que Mário Soares é agora, como o foi no passado, o melhor candidato ao cargo. Num momento de inquietação no mundo e de crise no país, num momento em que avidamente se busca por estadistas no plano internacional e por líderes no plano nacional, Mário Soares é precisamente esse estadista, esse líder, que pode representar da melhor forma Portugal. Com humanismo.
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