terça-feira, novembro 15
DORMINDO COM O INIMIGO
En haut: liberté, égalité, fraternité
En bas: pauvreté, chômage, discrimination
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A mítica patranha do Universalismo Francês é uma léria tão frágil que soçobra diariamente pelas mãos de pirómanos adolescentes, verdadeiros «enfants terribles», numa República que serviu de matriz ao modelo Europeu. Mas, esta «Intifada Francesa» só causa espanto para os mais desatentos ou para os crentes da estafada fábula rousseauniana do «Bom Selvagem».
Na realidade, o actual cenário de sublevação suburbana ocorre num dos Países mais xenófobos e racistas da Europa, cujos pergaminhos da intolerância remontam por exemplo, no Sec. XIX, ao celebérrimo caso do Capitão Dreyfus e, no Sec. XX, à política colaboracionista com a solução global da vizinha Alemanha. Paradoxalmente, é nesta mesma França, pátria dos mosqueteiros da liberdade, igualdade e fraternidade, que a retórica da lamechice da solidariedade, do humanismo e da discriminação negativa é novamente convocada para explicar ao mundo as causas da guerrilha étnica e urbana contra o modo de vida Europeu.
A propósito recordo que no mapa actual desta onda de violência na «Cidade Luz» está, por exemplo, Poissy, um «banlieue» como outro qualquer nas cercanias da Paris do Postal Ilustrado onde, há largos anos, pernoitei numas águas furtadas por impossibilidade de alojamento decente no centro da cidade. Dessa longínqua experiência pessoal retive a convicção de que aquele lugarejo, igual a tantos outros nos arredores da capital francesa, arrumava uma outra França que ficava à margem de Paris. Essa outra França era o lugar para onde se remetiam os árabes, os negros, e claro está os portugueses.
Nesses guetos infestados de párias da República Francesa a francofonia era e é uma anedota, a economia é paralela, e a lei republicana dá lugar a um perigoso equilíbrio de auto regulamentação comunitária. Perante esta realidade a França moderna foi incapaz de fazer a integração que se impunha, desde logo, porque 10% da população Francesa tem origem numa plêiade de imigrantes muçulmanos, especialmente provenientes das antigas colónias do norte de África e também das zonas subsarianas. Ao invés da indispensável integração uma política de emigração laxista, mancomunada com o desastroso tratado de Schengen, encarregou-se de sobrelotar a França em particular, e a Europa em geral, com pessoas que ficaram à margem dos direitos e deveres de cidadania e que não geraram sequer algo de similar ao saudável melting pot dos Estados Unidos!
Logo, a joie de vivre francesa deu lugar a um mal de vivre que tem hoje inúmeras chagas que ardem a olhos vistos. Estas feridas flamejantes assinalam a falência do modelo social francês que quis fazer a integração à força de uma política caritativa e assistencialista. Com recurso à massificação do subsídio às minorias e suas colectividades o Estado Francês apenas branqueou a consciência da classe média servida por uma população de imigrantes que não cessa de crescer. Contudo, os efeitos perversos de anos de subsídios públicos resultaram no isolamento social e político de uma franja de imigrantes cada vez maior. À bondade néscia desta política da subvenção Estadual, com reforço prometido pelo Primeiro Ministro Francês durante os motins (!), juntam-se agora as metásteses do radicalismo que silenciosa e implacavelmente vai vandalizando a República Francesa.
Resta apenas saber até quando resistirá esta Gália que ainda não se deu conta que está dormindo com o inimigo!
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JNAS, na Edição de 14 de Novembro do Jornal dos Açores.
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