- Bom dia! Linha Verde, Mulheres na Onda! Em que é que posso ajudar?
- Olhe, bom dia! O meu nome é Etelvina Pereira da Silva, eu estava marcada para ir ao barco que as senhoras têm cá, mas eu ouvi ontem no noticiário que afinal o governo já não deixa o barco atracar?!?
- Sim senh...
- O que é que eu faço agora?!?
- Sim senhora! Eu vou passá-la à nossa conselheira, que se encontra de serviço.
- Com quem?... Sim???
- Está sim? Fala a Mariana, diga se faz favor!
- Olhe D. Mariana, eu estava marcada para hoje mas vi no telejornal que o barco já não vem!!?!!
- O seu nome, se faz favor!
- O meu nome? Áh! Etelvina Pereira da Silva, é que eu estava marcada para hoje e...
- Sim, Etelvina. Ora vamos lá a ver... A Etelvina estava realmente marcada para hoje, mas na realidade o barco não conseguiu aportar...
- E agora!!?!!
- Agora Etelvina, nós ainda estamos com esperança de conseguir que o barco aporte. Sabe, temos muita gente a apoiar-nos e o governo português está a sofrer pressões de muitos dos países da União Europeia e não só?
- E eu?
- É assim Etelvina, mesmo que o barco não aporte nós estamos a organizar um transporte, proporcionado por voluntários, donos de barcos de recreio, que levarão as senhoras até ao barco, que se manterá estacionado em águas internacionais. ... Percebeu?
- E isso é hoje??
- (risinho silencioso) Hoje não vai dar Etelvina! É preciso organizar tudo. Tá a ver?
- O que eu sei, minha rica senhora, é que eu pedi hoje o dia à patroa. Ela não me vai dar outro! Os filhos estão todos em casa, e ela recomeça a trabalhar na quarta-feira. ... E o meu namorado? ... Eu disse-lhe que ia com os filhos da patroa para a praia o dia todo... Agora tenho que sair de casa para algum lado, até logo à noite...
(começa a chorar)
Sabe, é que ninguém sabe!!! (entre soluços) E agora o que é que eu faço com um filho que já decidi que é para morrer? Aham? ... Merda? (desliga)
- Etelvina. ... Etelvina? Está? Está? Etelvina? ...
Etelvina correu para a cozinha, por estar mais perto, e projectou o que só podia ser ainda o jantar (o pequeno almoço tinham-lhe dito para não tomar) na bacia, que continha ainda a loiça do pequeno-almoço do João. Era só uma malga, um copo e alguns talheres, o bastante para que o seu vómito ficasse em parte, ali, retido e concentrado. Olhou, e vomitou de novo. Se ao menos com aquele vómito lhe saísse, também, aquela criança? Olhou para a malga, e não viu criança nenhuma. Com a ponta do dedo virou a malga e o copo, e abriu a torneira. Deixou correr até tudo o que era vómito desaparecer, e depois o cheiro também. Fechou a torneira e ficou ali debruçada, cansada, suada. Tornou a abrir a torneira e passou um bocadinho de água pela cara. Levantou-se, virou-se e encostou-se. A luz da manhã ardia-lhe nos olhos. Ia-se deitar um bocadinho. Tinha para aí duas horas até o João voltar, se decidisse almoçar em casa. Dirigiu-se para o quarto, ligeiramente tonta, pesada das pernas e leve da cabeça. Fechou as persianas, e atirou-se para a cama. Cobriu-se, vestida. Enrolou-se na posição fetal, abraçou a barriga, chorou baixinho e deixou-se adormecer... só um bocadinho...
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