quinta-feira, novembro 15

Um repórter do Século Americano

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foto de Timothy Greenfield-Sanders
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Se há escritor que, na literatura moderna, ocupa o merecido lugar de repórter do Sec. XX Americano, o seu nome é Norman Mailer. Admirável pelo seu registo pop da América contemporânea foi também um polemista notável que se definia como um "conservador de esquerda". Morreu no passado Sábado com 84 anos de idade vividos com aguerrida paixão pela vida. Não só deixou uma vasta e heterogénea obra literária como em sinal da chispa que o consumia casou seis vezes e a sua paternidade conta-se em vários descendentes. Vencedor por duas vezes do prémio Pulitzer, Norman Mailer, assina em "O Canto do Carrasco" um dos retratos mais fiéis e desapiedados da pena de morte nos Estados Unidos, exumando a vida e o processo de execução de Gary Gilmore. Norman Mailer teve a mestria de relatar o caminho para o cadafalso de Gilmore, que ficou na história por assinalar o triste regresso à pena de morte nos Estados Unidos em 1976, após uma moratória do Supreme Court, sem resvalar para o cliché e sem fazer do leitor um militante abolicionista. O livro serviu de acendalha para um aceso debate na sociedade Americana sobre as causas da criminalidade e sobre a pena capital. Nada de extravagante em Norman Mailer que sempre foi adepto de causas fracturantes e do politicamente incorrecto. Serve de exemplo o profundo desprezo que nos anos 60 exibiu contra o movimento feminista, designadamente nas páginas da Playboy da qual era cronista regular. Sem pejo chegou a afirmar numa emissão da NBC que estava profundamente consternado pois temia que as mulheres iriam dominar o mundo. Outro exemplo da sua paradoxal veia de polemista estava na recusa da sociedade da informação, pois rotulava a internet como a suprema inutilidade, o que não o impedia, contudo, de ser regular colaborador do blog The Huffington Post ! Numa América em efervescência, na transição da década de 60 para os anos 70, Norman Mailer era um ícone que vivia no estilo boémio de Greenwich Village em Nova York e que, paradoxalmente, alternava os bacanais nocturnos com o treino obsessivo de Boxe que idolatrava como se fosse uma arte. O resultado foram escaramuças que ganharam notoriedade e um ou outro registo criminal. Mailer não só registou o seu tempo com biografias notáveis, como por exemplo a de Picasso ou a de Lee Harvey Oswald, mas também, sem modéstia, recriou o passado indo à suprema ousadia de ficcionar uma espécie de autobiografia de Jesus Cristo com o livro "The Gospel According To The Son". O último livro deste judeu, nado e criado em New Jersey, foi lançado ainda este ano. "O Castelo na Floresta" assume-se como uma fantasia em que o Diabo desencaminha um infante que mais tarde seria o mefistofélico Adolf Hitler. Suprema ironia ou derradeira vingança de um judeu militante ? Talvez mereça que se comece por aqui a espreitar a sua obra que é geralmente desprezada pela intelectualidade reinante.
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicas digitais do jornaldiário.com

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