Das Ilhas como território
Nos princípios da década de 90 travei conhecimento com uma francesa encantadora no Hotel Monte Palace. Chamava-se Anne Meisterscheim, nome de sonoridade germânica que denunciava o seu pays natal, a Alsácia-Lorena. Era socióloga, casara com um corso, divorciara-se do corso, apaixonar-se pela Córsega e fizera uma tese de doutoramento sobre a relação dos ilhéus com o espaço insular. Viera aos Açores participar num Colóquio sobre “Ilhas e Desenvolvimento Sustentado”, organizado pelo Carlos Santos, e apresentou uma palestra que de imediato cativou a minha atenção – as ilhas como espaço de utopia. Foi ela que me ensinou porque é que os ilhéus traçam estradas e caminhos sinuosos, independentemente da orografia do terreno. Por outras palavras, a Anne deu-me um fundamento intelectual decisivo para achar o projecto da SCUT para o Nordeste um verdadeiro disparate. Mas estou-lhe também agradecido por outras razões, sendo uma delas o ter passado a olhar para o espaço de uma forma diferente daquela a História e Geografia me haviam habituado, já que a Anne valorizava muito na sua abordagem ao espaço insular uma vertente quase que etológica do território, e daí o seu entusiasmo pela Córsega e pelas ilhas, que se lhe apresentavam como case studies perfeitos dessa relação umbilical e orgânica das sociedades insulares com o seu home turf. Suponho que a melhor tradução literária do seu objecto de estudo, seja aquela célebre passagem das Ilhas Desconhecidas onde Raul Brandão descreve os beijos e lágrimas com que uma corvina cobria as pedras da sua ilha antes de embarcar para a América. Ora, se quem parte tem um gesto destes, qual será o gesto daqueles que ficam?
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