sexta-feira, dezembro 11

O Paradoxo Cesar

 


De uma forma geral, o debate do Programa do Governo, que por estas horas se aproxima do fim, na lowryana cidade da Horta, foi uma penosa via sacra de vacuidade e pobreza, pontuado, aqui e ali, por iguais doses de cinismo e espuma na boca. De facto, das duas principais bancadas, Governo e Direita que o sustenta, o que saiu foi, quase sem excepção, um enorme rol de clichés e de pretensões pueris, vazias de qualquer concretização, calendarização ou objectivo. À imagem, enfim, do texto do próprio documento em discussão. Em harmonia, uma série de rounds de pugilismo político, dignos de um título mundial de pesos mosca. Bastos e Silva, no canto do Governo, foi o campeão desta táctica do soco abaixo da cintura no adversário que já está no chão com o triste e lamentável episódio SATA. E, na frente da bancada do vetusto PPD, Pedro Nascimento Cabral, sempre de faca na liga e mão na anca, qual varina da Ribeira, sempre pronto a enxovalhar o anterior Governo numa obsessão pavloviana com o seu próprio passado de oposição e tão, mas tão pouco com o futuro, o seu, o nosso e o da Região. Falhou, redondamente, a Direita na percepção de que, tomada a posse da governação, o que menos importa aos açorianos é o lavar de roupa suja político dos traumas da anterior maioria. Não se bate em quem já está no chão, fica feio e conspurca. Para além de que, o prazo de validade desse passa culpa, aos olhos do comum eleitor, é tão curto quanto a ponta do fósforo que se apaga à primeira brisa do próprio movimento que o acende.

Do outro lado, o Partido Socialista, sofre de um incurável mal a que chamaria o Paradoxo Cesar. Independentemente da inteligência e boa-vontade de Andreia Cardoso ou Miguel Costa, ou do esforçado empenho da restante bancada, a verdade é que os pesos pesados da sua representação parlamentar são, obviamente, Vasco Cordeiro e, não surpreendentemente, mas infelizmente, Francisco Cesar. Quem, mesmo que de passagem ou nos resumos noticiosos, tenha assistido aos debates não pode deixar de compreender as qualidades tribunícias de ambos e, em particular, de Francisco Cesar. De toda a secção do debate dedicada à pasta do Turismo a melhor intervenção, com mais conteúdo e articulação, foi sem sombra de dúvida aquela que o ex-líder de bancada socialista fez da tribuna. Embora, em face da inanidade da prestação do Secretário da pasta, tal não fosse difícil. Ora é aqui que reside o paradoxo, é que os melhores assets desta bancada parlamentar são exactamente aqueles que pior fazem ao Partido. Embora sejam os deputados mais bem preparados e com maiores qualidades políticas para o cargo são, tragicamente, os que impedem o PS de fazer uma oposição livre das amarras do passado governativo do Partido. E são, também, os que abrem o flanco aos ataques esganiçados da Direita, como se assistiu, à exaustão, nestes longos três dias de penoso combate, perdão, de debate. A mera presença de Vasco Cordeiro, Francisco Cesar e Sérgio Ávila, entre outros representantes da herança governativa do passado, no parlamento regional impossibilita que o foco do debate se fixe no actual Governo, permanecendo, tal como já percebemos que a Direita insistirá, ad nauseam, nos lugares obscuros, nas sobrancerias, nos autoritarismos, prepotências e arbitrariedades e em mais todos os pequenos e grandes erros dos 24 anos de governação do Partido Socialista, numa dolorosa passos-coelhização da vida política regional, que não terá fim enquanto o Partido não fizer essa imperiosa introspecção. O Paradoxo Cesar é essa circunstância inusitada de o melhor que o Partido tem no parlamento regional ser exactamente aquilo que o impedirá de regressar ao poder nos Açores.

sábado, novembro 28

da estagnação como escapatória política

 

The fault, dear Brutus, is not in our stars, but in ourselves.

William Shakespeare, Julius Caesar

Desde o dia 25 de outubro que o Partido Socialista dos Açores vive baloiçado entre um estado semi catatónico, de quem acabou de sair de um desastre rodoviário, e a denegação própria de quem se recusa a reconhecer uma realidade física, concreta e palpável. Perante este tortuoso tumulto interior o Partido, e principalmente a sua direcção, refugiaram-se no discurso da vitória moral, da usurpação do poder, da ilegitimidade parlamentar, da desconsideração institucional, dos “pecados capitais”, do “maior grupo parlamentar” e todo um outro conjunto de argumentários cujo denominador comum, por mais verdadeiros que sejam todos esses raciocínios, é a rejeição do reconhecimento que o cenário político regional mudou diametralmente desde esse dia até à realidade, que temos hoje, das direitas instaladas no poder.

Esta neurose psíquico-politica em que o Partido tem vívido, desde esse dia traumático, tem levado a, por um lado, uma estupefacção silenciosa da sua militância, remetida a uma espectativa hesitante e medrosa e, por outro, ao calculismo egocêntrico e autista da direcção do Partido, cujo distanciamento altivo e cobarde tem levado à renuncia de um prestar de contas lúcido, corajoso e transparente sobre as causas e as consequências políticas desse fatídico dia 25 de outubro.

Recorrentemente, ao longo destes dias, a pergunta mais repetida, quer nos megafones da comunicação social, quer no relativo recato das conversas entre militantes, foi sobre a continuidade, ou não, de Vasco Cordeiro na liderança do Partido. Após se ter confirmado o assumir de Vasco Cordeiro do seu mandato como deputado, eis que esta sexta-feira descobrimos o porquê da sua permanência. Vasco Cordeiro fica para poder assumir, no longínquo mês de julho de 2022, a Presidência do Comité Europeu das Regiões, cujos membros tem necessariamente que ser representantes eleitos de autoridades regionais ou locais.

Pois, a questão que agora se coloca é: quais as consequências para o Partido desta permanência? Em face do cataclismo eleitoral, Vasco Cordeiro e a sua direcção, optam pela continuidade despreocupada, quase ingénua não fora maquiavélica, ou então uma espécie de pausa, como que a pedir um time-out no jogo político, cultivando ainda uma vã esperança de que o adversário possa, por alguma razão, soçobrar a breve trecho, permitindo-se assim a sua sobrevivência institucional para, em última instância, assumir outros voos na rota Estrasburgo – Bruxelas e, também, deixar que a restante direcção possa passear a sua travessia do deserto no confortável regaço da imunidade parlamentar. Esta estagnação, este deixar como está político, fazendo de conta que os resultados eleitorais não representam uma derrota do Partido, querendo-nos fazer acreditar que não houve desgaste, exaustão e censura dos eleitores à governação do Partido, às escolhas individuais e aos desmandos pessoais e colectivos de 24 anos no poder, representa uma condenação do Partido, no médio e no longo prazo, ao cadafalso da irrelevância política. Não querer, por puro calculismo e egoísmo político fazer a devida catarse e a necessária ruptura com os resultados eleitorais e com a realidade do novo panorama político regional representa o total e completo claudicar da ideia de um Partido Socialista honrado nos seus compromissos, verdadeiro nas suas convicções e, acima de tudo, integro e desprendido, pondo sempre na frente da sua actuação política o futuro e os interesses de todos em lugar de apenas uns e dos Açores em lugar dos seus.

Ou Vasco Cordeiro compreende já a sua responsabilidade neste momento e assume-se como agente fundamental dessa ruptura, ou as bases e a militância exigem e demonstram essa verticalidade e essa coragem para cortar com o que de pernicioso existe no seu passado, ou o futuro do Partido Socialista dos Açores é a ruína e a irrelevância por muitos e bons anos, ou, pelo menos, os anos que os açorianos levarem a fartar-se, também, da governação desses que agora se vão apressar a entrincheirar nos imensos palácios do poder e da governação...

sábado, novembro 21

Brevíssimas notas sobre o novo Governo Regional


ou curtas impressões caricaturais sobre o Governo das direitas encostadas…

a)       Presidente do Governo Regional

No seu habitual estilo palavroso, gongórico até, José Manuel Bolieiro, o nosso Boli amigo, apresentou ontem, nas cercanias do Solar da Madre de Deus, nessa mui nobre cidade de Angra do Heroísmo, aquilo a que o próprio chamou de um Governo não “acomodatício” e “transformista” sic. A principal característica de Bolieiro, nestes últimos anos, foi estar quieto, quase escondido, passando pelos pingos da chuva, como uma gata em telhado de zinco quente, de forma que pouco mais lhe conhecermos de acção política do que uma muito alardeada simpatia, a que agora se acrescentou uma denodada capacidade negocial. Temo, tanto pelo claudicar político e ideológico dos Acordos de Governação e de Incidência Parlamentar, como pela constituição do próprio Governo, que tais dotes estejam grandemente inflacionados e que o que fique do novo Presidente do Governo não seja mais do que a retórica barroca de um magistrado frustrado. A herança que ficará deste governo, das direitas regionais, só o futuro dirá e, se lhe não podemos dar o habitual estado de graça, pela voragem sórdida e apressada do seu assalto ao poder, podemos, pelo menos, dar-lhe o regimental benefício da dúvida.

b)      Vice-Presidente

Artur Lima é, por todas as razões e mais alguma, o mais assumidamente transformista dos membros deste governo. Uma verdadeira Belle Dominique da astúcia política, com décadas de travestismo parlamentar no seu currículo. Mas, o facto significativo da orgânica deste governo não é tanto o estatuto de Vice, que se coaduna perfeitamente com a soberba e a panache de Artur Lima, mas o assegurar cumulativo da pasta da Segurança Social, que guarda dentro de si, qual bomba relógio, o ponto fulcral da coligação com o CHEGA!. O cumprimento, ou não, das promessas de ataque, sem dó nem piedade, à “subsidiodependência” são o seguro de vida desta coligação e, muito me espantaria que, no curto prazo, não desse a Artur Lima um achaque de “irrevogabilidade” que fizesse cair esta Gaiola de Malucas que é esta coligação das cinco direitas insulares.

c)       Secretário Regional da Saúde e Desporto

Clélio Meneses fica com a pasta mais efervescente do momento. A gestão da pandemia, até aqui protagonizada por Tiago Lopes e Vasco Cordeiro, tem sido feita na base do pânico e do extremismo ideológico do fascismo sanitário, criando não só profundas feridas sociais, económicas e institucionais, como divergências acentuadas com os principais protagonistas do sector: médicos, enfermeiros, etc. Acresce, que esse era já, cronicamente, um sector profundamente doente, com a gangrena da dívida e das listas de espera a crescer exponencialmente de dia para dia, mais do que qualquer mundana cadeia de transmissão. A promessa, irrealizável, de garantir a formação de médicos especialistas é apenas um exemplo de como a gestão de espectativas é ainda mais importante para estes políticos do que a realidade dos factos e a verdade dos factos é que a região não tem nem competência, nem meios, para formar médicos especialistas.

d)      Secretária Regional da Educação

A grande questão sobre Sofia Ribeiro é há quantos anos não entra numa sala de aula ou corrige um teste? Podemos, de balde, reconhecer-lhe competência e inteligência para desempenhar qualquer cargo, mas ficará sempre a questão se não estaria melhor numa pasta de Relações Exteriores, ou Fundos Europeus, do que a remexer no caldeirão reivindicativo e hiper-sindicalizado do sector da educação. O nome com a pasta é mais um daqueles sinais claros de como este é mais um governo de desenrascanço político-partidário do que verdadeiramente “transformador”. Por outro lado, a colocação de Sofia Ribeiro a número quatro do Governo é mais um tiro no porta-aviões da ambição política de Pedro Nascimento Cabral, a quem calhou a fava de todo este bolo-rei governativo: a liderança da bancada parlamentar.

e)      Secretário Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública

Num momento como o atual é incompreensível e, até certo ponto, indesculpável a inexistência de uma pasta da Economia. A agregação de Finanças, Planeamento e Administração Pública leva a temer o pior em qualquer uma destas áreas. Que, quer pela sua dimensão gargantuana, como pelos desafios com que estão confrontadas não permitem perspectivar que um secretário, por mais competente que seja ou experiência que tenha possa, de facto, correr a todas as suas solicitações. Joaquim Bastos e Silva é uma figura com provas dadas e craveira intelectual, mas gerir as finanças públicas regionais, ainda por cima herdando a pasta das mãos de alguém como Sérgio Avila e, ao mesmo tempo, levar a cabo a reforma da administração pública regional, que tem o peso que tem na vida dos açorianos, é uma tarefa hercúlea, mesmo para um leitor assíduo do Financial Times.

f)       Secretário Regional da Agricultura e Desenvolvimento Rural

António Ventura é uma figura inenarrável, que representa, neste Governo, o pior que o costumeiro caciquismo político regional tem para oferecer. Talvez por isso Jorge Rita se tenha apressado a vir elogiá-lo publicamente. Aguardo com curiosidade a prometida “digitalização do sector primário”. Por outro lado, reduzir os muitos desafios da transição do sector agrícola da massificação leiteira para outras culturas às suas condições edafoclimáticas é manifestamente pouco, para aquele que é o principal sector da nossa economia. Já agora, edafoclimáticas não leva hífen.

g)       Secretário Regional do Mar e Pescas

Consta que o novo secretário do Mar adormece nos seus próprios julgamentos, nada mais adequado a quem se pretende lançar aos balanços ondulantes do vasto mar açoriano. Que lhe valha Neptuno, parece-me adequado para um monárquico.

h)       Secretária Regional da Cultura, Ciência e Transição Digital

Confesso que devo elogiar a ascensão, finalmente, da Cultura ao estatuto de secretaria, embora o cocktail de Ciência e Transição Digital, ou lá o que isso signifique, deixe um sabor um pouco adstringente. Ficará para ver como se procederá a ligação com a Administração Publica e outras pastas onde essa dita transição é mais premente.

i)        Secretário Regional do Ambiente e Alterações Climáticas

Tirando o facto de ser pupilo de Artur Lima muito pouco há a dizer sobre Alonso Miguel. As alterações climáticas são um dos maiores desafios do nosso tempo e a preservação ambiental uma responsabilidade enorme numa região como a nossa. Esperemos que a ânsia transformista não contamine esta pasta, onde, mais do que transformismo, o que se exige é conservacionismo.

j)        Secretário Regional dos Transportes, Turismo e Energia

A pasta do Turismo foi protagonista de um episódio absolutamente revelador e paradigmático das idiossincrasias e fragilidades deste Governo. Corria o boato que Bolieiro, apesar dos seus dotes oratórios, não estava a conseguir convencer os famosos especialistas, independentes e profissionais liberais a juntarem-se à sua trupe governativa. É preciso perceber que ninguém com carreira e um emprego estável e bem remunerado na privada, ou simplesmente que esteja no seu perfeito juízo, quereria juntar-se a um Governo que deve a sua longevidade a dois ogres do neo-fascismo-luso. De qualquer modo, quando começou a correr o nome de Mota Borges, todos pensámos tratar-se de Alberto Mota Borges. O que, sendo verdade, era uma excelente escolha, não só pelo seu currículo, a sua competência e ética de trabalho, e por ser um conhecedor das áreas que iria tutelar: aviação e turismo. Inclusive a sua fotografia chegou a fazer manchete no jornal, o que só revela que só acredita nos jornais quem nunca leu uma notícia sobre si próprio. Porém, o Mota Borges afinal era o irmão mais novo, o que, apesar da importância da mera existência da pasta, deixou o chamado Trade num desolado emudecimento.  

k)       Secretário Regional da Juventude, Qualificação Profissional e Emprego

A presença de Duarte Freitas neste elenco governativo é-me totalmente incompreensível e só é explicável por uma qualquer praxe de subserviência ao protagonismo partidário do mesmo. O que, levado ao extremo, levaria que Berta Cabral, Costa Neves, Álvaro Dâmaso e todos os outros anteriores líderes do partido na oposição fossem agora premiados e chamados a dar o seu douto e vetusto contributo neste novo ciclo governativo. Bem vistas as coisas, se calhar até dava um governo melhor do que este… Por outro lado, o conteúdo da pasta e tão ilustre figura partidária leva a prever o pior no que toca ao agenciamento de empregos para militantes, jotas e outros apêndices da clique social democrata.

l)        Secretária Regional das Obras Públicas e Comunicações

Ana Carvalho, não obstante a sua fama de competência, vem também na esteira desta desmumificação das relíquias social-democratas de antanho, o que diz tudo sobre a capacidade de Bolieiro, e da sua Gaiola de Malucas, de aliciarem novos quadros técnicos e políticos para a árdua tarefa de governar estes nove bocados de contra maledicência plantados no oceano atlântico.

m)    Subsecretário Regional da Presidência

Por fim, Pedro Faria e Castro, uma simpática figura, que ficará com a difícil incumbência de manter o Nuno Barata bem-disposto ao longo da legislatura, o que não se avizinha ser tarefa fácil.

le jeu sont fait rien ne va plus

domingo, novembro 15

É hora de nos levantarmos…

 

foto Rodrigo Antunes/LUSA

um médico que, de nariz enfiado nos casos, sem conseguir ver para além dos órgãos que possui (…), prolongaria o estado de emergência sanitária até ao fim dos tempos;” Bernard-Henri Lévy

Passado que foi o breve hiato democrático das eleições voltámos, candidamente, ao fascismo sanitário. No final da última semana, o Conselho de Governo regurgitou duas novas medidas ditatoriais, como que a querer marcar em definitivo, no seu epitáfio, a mensagem de que em matéria de autoritarismo covidiano ninguém o ultrapassa. Depois de meses em que nos foi impingida a ideia de que as escolas eram seguras, que as máscaras eram não só imprescindíveis como determinantes para a segurança de professores e alunos, de que todo o universo escolar tinha sido devidamente preparado, setas no chão, filas indianas, regras e mais regrinhas de distanciamento e 20 lavagens da mãos por dia, e que tudo tinha sido acautelado para podermos voltar ao regime presencial. Depois de todos termos finalmente percebido que a escola é um elemento crucial ao bem-estar e ao desenvolvimento das crianças e que estas não são um grupo de risco, eis que a ordem chegou, numa sexta-feira à tarde, de fechar tudo outra vez. Por causa de um ou dois casos em cada escola, num universo de milhares de alunos, de crianças que testaram positivo, sendo que com toda a certeza o contágio se deu em ambiente familiar ou outro que não a escola, o Governo decidiu encerrar, para já, 19 estabelecimentos de ensino na região. Atrelado a isto chegou também a ordem de que quem queira embarcar um avião com destino a estes nove calhaus terá que, impreterivelmente, apresentar um teste negativo à menina do check in.

Depois de umas brevíssimas semanas em que parecia que o SARS-CoV-2 tinha ido de férias para o Douro, enquanto por cá a política se entretinha com os tramites da lotaria eleitoral, na última semana o maroto vírus saltou de uma casa de bonecas para uns quantos restaurantes e dai, num sopro, para a população em geral. Em cerca de pouco mais de quinze dias a região passou de 68, no dia 25 de outubro, para 185 casos ativos, ao dia de hoje. Foi quase como se o vírus estivesse à espera das eleições para apanhar um avião para os Açores…

Perante isto, menos de 200 casos numa população de 250 mil (0,07%), fiéis aos seus galões de Autoridade de Saúde, Tiago Lopes, e Vasco Cordeiro, já agora, decidem determinar mais umas daquelas medidas autoritárias, antidemocráticas, desumanas e inconstitucionais a que já nos habituaram. E, aparentemente agora, com o aval tácito dos Drs. Bolieiro e Maurício, que ninguém lhes viu piar sobre a matéria. Como se já não bastasse a senda persecutória dos governantes da república, que ordenam recolheres obrigatórios e confinamentos como quem escolhe uma gravata, as nossas autoridades locais abraçam-se à arbitrariedade e ao despotismo com a facilidade de um piscar de olhos. António Costa, ainda por cima, com o desplante de nos incutir a nós o ónus da disseminação. A culpa do contágio, diz-nos ele, é nossa, dos cidadãos e das famílias, somos nós que não nos sabemos comportar e não cumprimos as regras. Só faltou o puxão de orelhas e a rabada. Por cá, agora, são as crianças não só as culpadas como, ultrajantemente, as principais penalizadas. Por causa de uma dúzia de casos milhares de crianças são remetidas de novo ao enclausuramento domiciliário. Sem nunca sequer se pensar nos efeitos devastadores que essa medida tem e terá nestes miúdos.

E, da mesma forma que o governo se rege por uma visão desinfetada das nossas vidas insiste, por outro lado, em desrespeitar não só a Constituição, mas também os mais básicos princípios do Estado de Direito Democrático coartando as mais primárias liberdades individuais dos cidadãos. Naquilo que o filósofo italiano Giorgio Agamben alertou como “a tendência de utilizar um estado de exceção como paradigma normal de governo”. Aparentemente não aprenderam nada com os Habeas Corpus que perderam nem com os recursos que lhes foram negados. Cito, livremente, de um dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa “a prescrição de atos médicos ou de diagnóstico relativamente a toda ou qualquer pessoa é da exclusiva responsabilidade de um médico e não pode ser realizada por Lei, Resolução, Decreto regulamentar ou qualquer outra via normativa.” O Governo Regional não só tinha conhecimento deste acórdão como, embriagado de autoritarismo, decide conscientemente contra a Constituição a e liberdade dos cidadãos. E, mais uma vez, dado o silêncio dos incumbentes eleitos, nada leva a crer que nesta matéria tão importante algo venha a mudar, provavelmente até tenderá a piorar, com o novo governo das direitas encostadas…

A crise do Covid-19 é um momento determinante nas nossas vidas e será também na história da Humanidade. Este “cisne cinzento” em que vivemos transformou aquilo que em literatura era apenas uma metáfora para a perda da liberdade, A Peste de Camus, para ser uma epidemia real, não já só de um vírus, mas de autoritarismo e de destruição das democracias liberais ocidentais tal como as conhecíamos, como bem explica Ivan Krastev em O Futuro Por Contar. Fechar fronteiras é a mais básica e arcaica das respostas a um mal desconhecido. É o regresso ao mais primordial, animalesco até, instinto de fuga que o medo desperta. E a incapacidade dos governos de saberem ou quererem contrariar esses instintos animais revela o quão frágil é a nossa sociedade, a nossa democracia e as nossas liberdades individuais. E, no fim, será, também, esta deriva que levará ao crescimento e à legitimação dos populismos autoritários e demagógicos, um pouco por toda a Europa, de Orban a André Ventura. A democracia morrerá por dentro, porque os seus principais atores, no momento mais importante, não a souberam ou quiseram defender. Entregámo-nos de livre e espontânea vontade aos dictates das ciências médicas, que não sabem nada de filosofia, ou de história, aceitámos a selvagem desociabilização do confinamento com uma naturalidade abjeta, virámos a cara às profundas desigualdades de um mundo em que se ordena cegamente os mesmos termos arbitrários para quem tem uma casa com piscina e jardim e um ordenado garantido ao final do mês e para quem não tem nada…

O futuro dirá, e em particular os nossos filhos, que são os mais amargamente prejudicados por esta pandemia, que legado estamos a deixar. Se um mundo de isolamento, de aprisionamento, de iniquidade e autoritarismo. Ou, pelo contrário, se no meio desta destruição massiva dos mais importantes valores da nossa civilização, que estamos paulatinamente a assistir, descobriremos a revolta e a força interior para, como nos incentivou Proudhon, deixarmos de estar de joelhos e nos levantarmos…

terça-feira, novembro 10

E agora PS?

 

foto André Kosters/LUSA

Os Açores são, por natureza, uma região conservadora. Talvez seja pela força do mar, do isolamento, da distância ou do sopro agreste dos ventos do Inverno e dos sulcos vincados do solo montanhoso das ilhas, feitos de grotas e ribeiros e escarpados veios vulcânicos. Ou, talvez, de séculos de luta contra esses mesmos elementos e da dependência dos senhores, dos donos das terras, do morgadio e da subserviência umbilical à voz do patrão. Do Divino e do Sr. Padre e das sopas de cavalo cansado depois da jorna de pé descalço pelas canadas de cascalho fino e a bênção do padrinho e o sonho americano, lá longe nas New Bedfords e Fall Rivers de abundância. Talvez seja disso tudo e de sermos ilhas cujos sonhos estão limitados por água por todos os lados apenas com mar como horizonte. Ao longo da história foram poucos os progressistas que vingaram nesta terra, nem mesmo nesse período áureo do Liberalismo insular. E, é talvez paradigmático que o Santo Antero se tenha acabado, com dois tiros no céu da boca, sentado num banco, vencido da vida, no Campo de São Francisco, no cinzento dia de 11 de Setembro de 1891.

Nas ilhas, toda a segunda metade do século vinte foi marcada pelo conservadorismo e nem o 25 de Abril conseguiu incutir liberdade nas mentes fechadas e suspeitosas destes ilhéus. Se não era já o atavismo intrínseco das gentes era o medo dos comunistas, a quem era preciso dar sovas no aeroporto e incendiar as casas e atirar carros da ponta da doca. A dificuldade de implementação dos ideários socialistas nas ilhas deveu-se não só à inexistência de uma classe operária per si como, também, à mentalidade do agradecimento. A mentalidade do assalariado rural, que o leva a agradecer ao senhor da terra deixar-lhe cultivá-la, da empregada de casa que se consola com comida e um tecto e trata os senhores timidamente por menino e menina. E, o facto é que, em grande medida, essa mentalidade ainda hoje existe. Com o 25 de Abril, nada disto mudou. A única diferença foi que a máquina da autonomia mota-amarelista se substituiu ao morgadio e criou uma vasta plebe de funcionalismo público que passou a ver nos directores e secretários regionais o émulo burocrático dos Câmaras e dos Cabrais e outros sobrenomes que tais…

Como tenho dito sobejas vezes, Carlos Cesar não ganhou as eleições de 96 por ser uma águia política. Cesar saiu vitorioso dessas eleições, com um empate de mandatos, porque as pessoas estavam fartas do mota-amarelismo, ainda para mais porque, nessas eleições, este era servido em versão requentada. O que se passou em 25 de Outubro passado é muito similar, foi pelo cansaço e pela incapacidade de perceber esse sentimento que o PS, tal como o PSD antes, soçobrou. Mas, a verdade é que nem os socialistas conseguiram alterar o conservadorismo mental dos açorianos. Não conseguiram desagrilhoar as esperanças e as vontades e a voz aprisionada das pessoas que se vestiram de socialismo, como quem veste um xaile para ir de romaria, no dia seguinte à queda do mota-amarelismo, tal como agora o irão fazer, sacudindo o mofo do fato conservador, para na próxima semana se apresentarem na reunião de zoom do serviço cantando loas à nova primavera florida da AD açoriana. Os Açores são, foram e serão sempre conservadores. E o PS do culto autonomista e do autoritarismosinho e da incontida arrogância tem imensa culpa nisso. Só que agora, quem manda é a coligação das direitas enlaçadas…

E agora PS? A sensação que perpassa pelas mentes socialistas neste momento é como a de uma gravidez abortada. Havia um plano gizado, que preparava o partido para lá de 2024, mais quatro anos de Vasco Cordeiro, Chico Cesar engatilhado e aguentar até lá, só que esse plano falhou. Pior, falhou com estrondo. O estrondo de menos 5 deputados e uma Gaiola de Malucas de direita com uma maioria parlamentar. A culpa do que se passou não é do Nuno Barata, ou do maquiavelismo dos irmãos Nascimento Cabral, nem sequer do travestismo do Arturito da terceira. A culpa desta debacle eleitoral, que deixou campo aberto para que Marcelo desse o golpe de misericórdia via embaixador Catarino, a culpa, dizia eu, foi exclusivamente do Partido Socialista e é essa catarse que é imperioso fazer agora. Neste momento, e mesmo correndo o risco de o partido ficar órfão, Vasco Cordeiro terá de se afastar e fazer a sua travessia do deserto até às europeias de 24. Ser líder da oposição exige agilidade e jogo de cintura e, principalmente, capacidade de decisão rápida. Vasco Cordeiro tem muitas qualidades, mas nenhuma das anteriores. O partido tem que rapidamente perceber que o seu papel neste momento é liderar a oposição e não deixar, como já deixou, esse papel nas mãos do Bloco de Esquerda, que ontem instou, e bem, o Sr. Representante da República a tornar públicos esses ditos acordos escritos que mais ninguém ainda viu a não ser ele. E ainda dizem que isto é uma democracia e que quem manda é o povo. O partido não precisa de uma choradeira trumpiana sobre legitimidades estatutárias entre parlamentos e dignatários da república. O partido precisa de fazer política e fazê-la na oposição. O partido precisa de, na sua nova liderança, mais do que encontrar um líder sebastiânico, que o salve da presente orfandade, fazer valer o valor do seu vasto capital de experiência governativa para constituir uma equipa dirigente, quase como um governo sombra, que possa não só compensar as claras fragilidades do seu grupo parlamentar, como, pasta a passa, dossier a dossier, fazer a fiscalização e a oposição constante a uma coligação de direitas que passada a epifania do ódio ao PS não terá mais cola que a una nessa imensa crise que ai vêm. Internamente é, também, imperioso que o partido faça as pazes com o seu passado. Isso passa pela alteração da norma estatutária que dá poderes executivos ao Presidente Honorário, retirando-lhe as competências que detém na Comissão Regional e na Mesa do Congresso, deixando-o apenas como honorário. Passa também por Francisco Cesar e Sérgio Avila reconhecerem que foi em São Miguel e na Terceira que o partido foi mais fortemente penalizado, tanto em perda de votos como de mandatos. Francisco Cesar é uma jovem promessa política, mas para efectivar esse capital terá de se saber autonomizar da figura opressiva do pai e demonstrar, mais do que qualquer outro, que esse capital político é legitimamente seu e não apenas uma emanação da autoridade paterna. Isso passa por fazer, também ele, a sua travessia do deserto, deixando o secretariado de ilha e, obviamente, a liderança do grupo parlamentar, quem sabe até por passar um período na capital, junto de Pedro Nuno Santos. Só assim se poderá revitalizar a democracia interna e a liberdade de pensamento do partido, que serão para o futuro fundamentais à sua vitalidade. Não o fazer já é hipotecar não só as próximas eleições autárquicas como dar por certo um novo ciclo de 20 e tal anos de políticas reaccionárias no arquipélago e um longo deserto de oposição tão ou mais doloroso do que aquele vivido até a semana passada pelo PPD/PSD.

Se a liderança não o souber, ou quiser, fazer é bom que a militância o faça, porque o amanhã já é tarde e para a frente é que é caminho…

domingo, novembro 8

A Gaiola das Malucas

Se a apresentação da Aliança Democrática Açoriana já fazia lembrar a Gaiola das Malucas, a confirmação do apoio parlamentar do CHEGA! e da Iniciativa Liberal ainda tornou esta gaiola mais histérica, insana e colorida. Para quem não viu, La Cage aux Folles é um divertidíssimo filme franco-italiano, de 1978, que conta as aventuras de um casal homossexual, dono de uma discoteca drag na atribulada e glamourosa Saint Tropez dos inícios de oitenta. Por cá Bolieiro é Renato, o dono da boite, Artur Lima é Albin/Zaza, travesti e principal atracção do estabelecimento, secundado pela piriquete Estevão que vem na esteira a segurar as plumas e as lantejoulas no desequilíbrio dos tacões altos. Quais três amigos, para usar o adjectivo de escolha de Bolieiro, escanchados na mesma cela, cujos estribos são a curvatura útil de IL e CHEGA!.

Não me passaria pela cabeça pôr em causa a legitimidade democrática do casamento de conveniência destas cinco direitas (embora mais à frente possa debater a questão do posicionamento da IL no compasso ideológico…). O contar dos votos é a única legitimidade necessária em democracia e, logo no dia 25 de Outubro, se percebeu que este era um cenário não só possível como, até, o mais provável.

Mas, alguns aspectos fundamentais, nesta nova solução governativa regional, causam-me alguma, para não dizer muita, angústia. Em primeiro lugar, o casamento em si e com ênfase reforçada no aspecto da conveniência. Não há, como é francamente percetível, absolutamente nada que ligue estes nubentes. Ao longo dos anos, estes três partidos, foram dizendo uns dos outros o que Maomé não disse do toucinho. E, o caso mais extremo é mesmo o CDS de Artur Lima, que sempre preferiu andar aos beijos na boca ao PS a dar a mão ao PSD. O próprio facto singelo de os três partidos serem incapazes de apresentar um esboço que seja do suposto acordo que firmaram, que indique quais as linhas programáticas e de actuação do seu governo, mostra bem como é frágil este pré-acordo nupcial. Temo, que a própria lua-de-mel seja passada em discussões sobre a casa de que sogros vão passar o seu primeiro natal juntos (se a Covid deixar..). Mas, enfim…

Depois, e este é o aspecto mais grave, a ligeireza, a facilidade e a desvergonha com que, ébrios pela sede de poder, partidos ditos democráticos venderam a alma ao fascismo com a rapidez e o estrondo de um relâmpago numa noite de estio. Trazer para a esfera de influência governativa o CHEGA! é abrir os portões de uma barragem cujo diluvio terá consequências imprevisíveis. Podendo mesmo colocar em causa a solidez e o futuro do regime. Há, a este respeito, uma nota importante. Simpatizar, ou não, com o regime venezuelano não é propriamente a mesma coisa que propor uma revisão constitucional que visa acabar com a Terceira República. Muito menos é aceitável que se queira culpar a geringonça por se assentir negociar com uma força política que é anti-humanista, racista, xenófoba, autoritária e, o mais grave de tudo, anti-autonomista. Aliás, ou muito me engano ou o verniz desta frágil cristaleira governativa vai estalar exatamente nas exigências do CHEGA! que, não só são inexequíveis, como vão contra os interesses da própria coligação. Uma redução de deputados, numa região arquipelágica como os Açores, é uma autêntica miragem no deserto. Qualquer método que se use irá prejudicar ou as ilhas maiores ou as mais pequenas, já para não dizer que coloca em sério risco a elegibilidade dos partidos mais pequenos, basta lembrar a composição da nossa assembleia antes do círculo de compensação. Quanto à redução do RSI é não só uma proposta irrealista, surrealista mesmo, diria eu, dado o momento de grave crise economia e social que vivemos, como vai potencialmente destruir o tecido social de muitas freguesias açorianas, nomeadamente algumas onde o PSD tem forte implementação, como é o triste e já famoso caso de Rabo de Peixe, a freguesia mais pobre da Europa. Quem me dera ser uma mosca para assistir ao Carlos Furtado a ir ao Bairro do Caranguejo anunciar o fim do Rendimento Social de Inserção. Basta imaginar…

Relativamente à Iniciativa Liberal, confesso, desde já, a minha surpresa por este desfecho. Num tempo político em que as dicotomias entre direita e esquerda são cada vez menos uma preocupação dos eleitores, o facto de a Iniciativa Liberal ter caído do muro para o lado da direita é colocar-se a si um rótulo que será, no futuro, muito difícil de tirar. Por mais que se agite o esfregão de aço e se gaste frascos de detergente a IL açoriana perdeu a sua capacidade de ser fiel da balança e de conquistar, pela equidistância das duas bancadas ideológicas, autonomia de fiscalização, reivindicação e propositura e perdeu, também, o reconhecimento de um eleitorado que acredita em causas e não em guerras e arranjinhos político-partidários. Por mais que o objectivo de retirar o PS do poder, aliás o ódio ao PS é a única cola que une estes cinco partidos, por mais que fosse uma ambição legítima, a forma como foi feito e o grupo de interesses que foi preciso unir, para não dizer os sapos políticos que foi preciso engolir, terá sempre tendência para esvaziar o potencial de crescimento da IL no futuro, tornando-a numa força política personalista, centrada na imagem do seu líder, o meu querido amigo Nuno Barata, o que, julgo eu, não só vai contra a matriz ideológica da IL como, até, à sua pratica política, veja-se a atitude, nobre, de Carlos Guimarães Pinto na noite das últimas legislativas nacionais. 

E as pessoas? Pergunta quem sobreviveu até aqui. Bem, nós, os eleitores, os que votam e os que não votam, cidadãos do dia-a-dia, para usar uma expressão americana, pagadores de impostos e cumpridores de confinamentos e recolheres obrigatórios ficamos a braços com uma sociedade profundamente polarizada e crispada. De um lado uma máquina partidária e governativa em estado de choque e do outro um bando de exércitos sequiosos de derrubar do poder instalado e substituí-lo por si próprios. A forma como esta transição for feita, talvez mesmo mais do que as escolhas políticas ou pessoais, ditará tudo sobre o futuro da região nos próximos anos e, nunca é de mais dizê-lo, é bom que todos tenhamos consciência que estes são tempos, pela gravidade e profundidade da crise que vivemos, de união fraternal e não de ódio fratricida. No meio, sempre no meio, é que se encontra a virtude e será na escolha entre a destruição do passado ou no aproveitar do que de bom e menos bom foi feito que se verá a nobreza de carácter e a firmeza de princípios de quem agora chega aos destinos da região.

Apenas um de entre tantos exemplos. Depois de tudo o que Paulo Estevão disse sobre o GACS será interessante perceber qual será a escolha deste governo relativamente ao futuro do mesmo. Apagá-lo. Melhorá-lo, fazê-lo evoluir como instrumento de informação e de apoio a uma comunicação social livre e plurar, comunicação social essa que está nos cuidados intensivos e em fase terminal, ou pelo contrário, qual Golem segurando o precioso anel, vai antes exponenciar a sua vertente de propaganda ofuscando assim uma sociedade que vai precisar, mais do que nunca, de pensamento livre…

Depois, ainda há o PS mas, isso fica para mais tarde…

quarta-feira, outubro 28

A Autonomia no seu Labirinto

 

foto André Kosters/Lusa

André Ventura é muitas coisas, mas se há dom que não creio que tenha são poderes premonitórios. No entanto, foi dele a declaração que adivinhou o resultado das eleições de Domingo passado. “Um terramoto”! Se calhar mesmo, um verdadeiro abalo tectónico na tessitura político-partidária da região.

Para o PS e para Vasco Cordeiro estas eleições começaram, provavelmente, a ser perdidas em 2012. A verdade é que Vasco Cordeiro nunca conseguiu afirmar plenamente uma identidade própria dentro do projecto socialista, tanto no Governo, como no próprio partido. A herança Cesarista, que no partido nem herança foi, mas antes uma presença e um dominio constante, nunca permitiram que Vasco Cordeiro marcasse uma liderança, uma estratégia e uma personalidade própria que lhe possibilitasse autonomizar a sua governação dos 24 anos de governação socialista. Isto pode parecer incongruente, mas essa ligeira nuance, a governação e o partido de Vasco Cordeiro, teria feito, certamente, toda a diferença. O PS e a governação socialista foram sempre de Carlos Cesar e nunca de Vasco Cordeiro. Isso viu-se na longevidade de Sérgio Ávila, na omnipresença de Carlos Cesar, na incompreensível e absurda telenovela da “Casa da Autonomia” e da sua Estrutura de Missão comandada à tripa forra por Luísa Cesar e na ascensão e autoridade desenfreada de Francisco Cesar. Ao mesmo tempo, causa igual tristeza e estranheza a forma como Vasco Cordeiro foi, sucessivamente, triturando figuras com gabarito, validade intelectual e política, competência e projecção na sociedade açoriana. Desde os Governos, às listas de deputados, às empresas públicas e tantos outros cargos com maior ou menor visibilidade, a fúria autofágica de Vasco Cordeiro criou um imenso exército de descontentes e de ressentimentos. Assim de cabeça lembro-me de nomes como Fagundes Duarte, Piedade Lalanda, Luís Cabral, Nuno Domingues, Pilar Damião, João Roque Filipe, Nuno Mendes, Miguel Cymbron, António Gomes de Menezes, Fausto Brito e Abreu. E, mais recentemente, os casos de Filipe Macedo ou da limpeza nas listas de deputados, que correu, sem apelo nem agravo, com Renata Botelho, Graça Silva e Sónia Nicolau, sem que se soubesse da mais pálida justificação. Ao mesmo tempo, que uma série de outras figuras eram candidamente protegidas e apaparicadas, fossem quais fossem, e foram muitas, as asneiras, para usar um termo suave, que cometessem. De que, para mim, o caso mais dramático e paradigmático foi a dupla Vitor Fraga e Francisco Coelho. Um mistério que só possivelmente a história elucidará…

O caso das listas de deputados merece um breve comentário. Não sei porque cargas de água criou-se uma ideia de que as ditas listas, em lugar de serem feitas por pessoas competentes, sejam militantes ou independentes, têm de ser espelhos mais ou menos turvos da diversidade geográfica e socioprofissional das ilhas. Em lugar de ter um grupo coeso de políticos, as listas de deputados tornaram-se numa sopa da pedra, feita de personalidades avulsas, cuja mais valia política é a fama na junta, no clube de futebol, na agremiação e no café da freguesia ou até, como nesta última, no Youtube… o resultado final e mesmo contando os lambe-botas e os vira-casacas são grupos parlamentares de fraquíssima qualidade, como é agora o caso do futuro grupo parlamentar do PS. Embora, diga-se que, neste particular, o PSD é igual…

Se juntarmos a isto tudo a Governação errante, os dossiers polémicos, as suspeições judiciárias e, piece de resistance, a debacle da SATA, ou a malfadada Covid, tudo estava lá para pressupor que a noite de 25 seria amarga para o PS, embora, nem mesmo eu acreditasse que podia ser tão amarga. Vasco Cordeiro chega assim ao seu último mandato, se é que o vai ser, e para usar a imagem do timoneiro, que ele próprio escolheu, como um naufrago, desidratado e andrajoso, lançado sobre a areia da praia, arfando por água, sombra e cuidado. Com menos 5 deputados, sem tábua de salvação à esquerda e com a direita enraivecida e salivante, silvando como hienas, pelo sangue socialista, as hipóteses de formar um governo estável são praticamente nulas. Tirando, obviamente, a possibilidade de, humildemente, propor um entendimento ao centro. Um governo de Bloco Central, com Bolieiro a Vice-presidente, mais uma ou duas pastas para o PSD, inclusive dando-lhes a presidência da ALRAA e estendendo esse entendimento à sociedade civil, numa grande coligação autonómica para navegar essa imensa tempestade económica e social que aí vem. Se qualquer dos protagonistas ou dos partidos que estão neste momento na contenda puser, de facto, os interesses da região à frente dos do seu partido ou dos seus pessoais, era isto que devia fazer. E daqui a quatro anos, queira Deus já sem Covid, quem tiver as melhores unhas tocará sozinho a guitarra. Qualquer tentativa de governar isolado ou em coligações negativas morrerá à primeira dificuldade que, ou muito me engano, será já a breve trecho com o borregar da SATA…

Quanto à suposta maioria de direita a verdade é que ela não existe. O que há, neste novo quadro parlamentar, é uma maioria anti-PS. Sendo que, para além disso, o CHEGA não é de direita. O CHEGA é de extrema direita! E, embora seja aceitável a sua presença no parlamento, é a vontade de 5% dos eleitores, não é já, de forma alguma, admissível que os restantes partidos se aproveitem do CHEGA, legitimando com esse gesto o fascismo latente do partido do Dr. Ventura, para assaltar o poder. Por outro lado, embora muitas das suas principais figuras venham do CDS e do PSD, é um erro pensar que a Iniciativa Liberal encaixa nas visões tradicionais de esquerda e direita. Tal como, também tenha as minhas duvidas, que o PAN possa ser entendido como um partido de esquerda. A haver um entendimento das direitas, não será uma maioria, nem tão pouco uma geringonça, será antes uma coligação negativa com o único intuito de tirar o PS do poder e acabar, de uma vez por todas, com o reinado da família Cesar. Embora, neste último particular, eu até possa estar de acordo com a necessidade política desse culminar, essa não será certamente a forma correcta de o fazer e seria, proverbialmente, deitar fora a região com a água do banho…

Quem tem, neste momento, a responsabilidade de fazer as pazes com o seu passado, deixando no passado o que lá deve estar, com o que de bom e de mau as suas lideranças tiveram, é o próprio Partido Socialista. Há uma democracia interna para conquistar dentro do Partido Socialista dos Açores, e essa libertação, se não for iniciada pela liderança tem que o ser pela militância. Figuras como Cristina Calisto, Rodrigo Oliveira, ou mesmo Andreia Cardoso, são hoje esperanças para um futuro PS, que seja mais solidário, mais aberto e mais justo.

Esperemos para ver. Os próximos tempos políticos destas nove ilhas serão certamente duros, mas indubitavelmente interessantes. Viva a Democracia! E, agora mais do que nunca, Viva o PS!

sábado, outubro 24

O Político


Daniel Pelavin, Brand of the Year.


O jovem Payton Hobart tem uma ambição: ser presidente dos Estados Unidos da América. Sem sentimentos ou ideologia, alinhava meticulosamente o seu futuro como ocupante da Casa Branca agarrando oportunidades, mimetizando comportamentos e apoiando causas promotoras de votos. Payton é um Pinóquio forrado a latex, um adolescente rico e mimado num cenário Vanity Fair, um político para a geração Greta Thunberg, tal como o imaginaram Ryan Murphy, Brad Falchuk e Ian Brennan na série The Politician (Netflix, 2019).

Nesta comédia negra e delirante assistimos ao making of de uma campanha política, às jogadas de bastidores entre concorrentes, às disputas por atenção entre a entourage de serviço, à valorização da imagem e do suporte digital, ao redesenho de convicções ao sabor do espírito do tempo, à urdidura de discursos à medida do elemento decisivo: o eleitor. Para o político, apenas o eleitor conta e vale tudo para o fazer riscar uma cruz no quadrado que valida a sua ambição. Ambição de um e de outro. Se ao político importa somar votos, ao eleitor importa somar expectativas, escolher, com cinismo ou empatia, quem oferecer mais garantias de as tornar efectivas e selar essa relação por interesse nas urnas.

quinta-feira, outubro 1

a pandemia real


Ainda sobre esta traiçoeira estratégia de fazer depender o voto da gestão da pandemia vale a pena reter uma mensagem. Há poucos dias, no programa Linha da Frente, da RTP, a jornalista Mafalda Gameiro assinou uma reportagem impressionante intitulada “quando o açúcar amarga”. A reportagem foca-se no caso de Tiago, um jovem funcionário administrativo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a ganhar o salário mínimo e na sua luta contra a obesidade. Tiago tem 40 anos, um metro e sessenta e oito e pesa 134 Kg. Ao longo da reportagem somos confrontados com a descrição dos anos de comportamentos aditivos do Tiago, a má alimentação, o historial familiar de obesidade, a diabetes tipo II, a dependência do açúcar, que funciona como calmante, os alimentos processados, as 90 gr por dia, 630 por semana, de consumo de açúcar, o índice de 24.5 de gordura visceral do Tiago quando o nível máximo recomendado é 12… A reportagem conta-nos a história da tentativa de Tiago de mudar a sua vida, a consulta na nutricionista, o ginásio, as mudanças nos hábitos alimentares e conta também a história dessa desintoxicação, da irritabilidade, da ansiedade. E explica, com clarividência, como a nossa sociedade está armadilhada pelo tráfico dessa droga chamada açúcar. A diferença exorbitante no preço entre alimentos ditos “saudáveis” e os outros. 1 pacote de massa integral: 1,49€; um pacote de massa corrente: 0,39€! A extrema dificuldade em encontrar alimentos “limpos” de sacarose e outros derivados. A inteligibilidade dos rótulos, que são feitos para não poderem ser traduzidos, reduzindo a percetibilidade ao máximo, quando deveria ser o contrário e de como a indústria se acantonou no vício para produzir lucros. Em Portugal o consumo médio diário de açúcar e de 85 gr quando o consumo recomendado pela OMS é de 25 gr. Em Portugal, ainda, 90% das crianças e jovens consomem açúcar excessivamente! Apesar de tudo isto o esforço de Tiago é recompensado, ao fim de 6 semanas emagreceu 8 Kg. Mas então, o desastre acontece. Em Março a histeria da Covid leva ao confinamento. Tiago, considerado grupo de risco devido à diabetes e hipertensão é forçado a ficar em casa. Perde o subsídio de alimentação, o ordenado é reduzido para 500€, desses 300€ são para renda da casa, mais as despesas correntes, luz, água, comunicações, restam-lhe pouco mais de 100€ por mês para alimentação. Tudo vai por água abaixo. Seis meses depois Tiago abandonou a dieta e voltou a ganhar 10 Kg. Esta é a verdadeira realidade da luta contra a pandemia. Esta é a vida real, de quem anda na rua e trabalha e vê a sua vida destruída pelos desmandos do Estado. Esta é a dor de uma pessoa, longe dos gráficos do telejornal e dos sermões altivos dos apresentadores e dos primeiros-ministros ou dos jovens aprendizes de feiticeiros e candidatos a mais um mandato no parlamento regional. Isto é o que a gestão da pandemia, a luta contra a Covid, fez à vida das pessoas…

quarta-feira, setembro 30

a pandemia como estandarte eleitoral

 


Muito haveria a dizer sobre o debate da RTP-A de ontem e mesmo sobre os outros 8 debates anteriores, a começar, desde logo, por essa autêntica farsa insultuosa dos cabeças de lista por São Miguel não terem marcado presença, quando os próprios debates foram anunciados e promovidos pela RTP-A como sendo com os cabeças de lista por ilha, tal como foram os anteriores 8, e como deveria inevitavelmente de ser. Um momento que ficará na história como pináculo do desrespeito pela democracia, o regime parlamentar e a inteligência do povo açoriano. Mas, foquemo-nos no momento final, na fantabulástica declaração de apelo ao voto de Francisco Cesar. Nesses curtos segundos de retórica televisiva o secretário coordenador de ilha do PS, ex-líder da bancada parlamentar, número cinco da lista, suposto futuro secretário regional da economia, com tutela do turismo, e putativo candidato a líder do PS-A e a Presidente do Governo, reduziu 24 anos de governação e de propositura de mais 4, aos seis meses de gestão da pandemia. Para Francisco Cesar a razão para se votar no PS-A é “porque o Governo do PS foi eficiente no combate à pandemia”. Esta eleitoralização da doença, da dor, do medo é, também ela, mais do que um insulto, uma manipulação pérfida e maquiavélica da luta política e da transparência democrática. Já todos tínhamos intuído que seria este o caminho que o PS quereria percorrer, os sinais estavam todos lá, desde os idos de Março, e foram-se adensando à medida que o tempo ia e for passando até chegarmos ao dia 25. E, é precisamente por isso que é preciso desmascarar e combater esta estratégia. O PS-A e Vasco Cordeiro deveriam apresentar-se a estas eleições como o partido e o líder melhor preparado para continuar a governar os Açores num esforço para equilibrar o crescimento económico com a sustentabilidade e o desenvolvimento social. Criando riqueza e sabendo redistribui-la em benefício das populações, do Corvo a Santa Maria. Em lugar disso, o PS-A, opta por se agarrar à narrativa pandémica, pontilhada de pânicos, receios e outras veladas ameaças, querendo ser o contraponto para uma doença que ele próprio criou. À cabeça é preciso dizer, de forma clara e corajosa, que o PS-A e Vasco Cordeiro não geriram bem a pandemia. Limitaram-se a impor o pânico e o fascismo sanitário, destruindo com isso a economia e fazendo ao mesmo tempo retroceder em décadas a mentalidade e a abertura da sociedade açoriana. Por outro lado, a resposta à catástrofe económica, sempre a reboque de Lisboa, de mão esperançosamente estendida à espera das bem-aventuranças de Bruxelas, demonstrou à saciedade como o único objectivo das medidas era eleitoral e não um verdadeiro auxílio a empresas e trabalhadores. Mas, se o argumento pandémico é mesmo o estandarte eleitoral que o PS-A quer utilizar analisemos então a prestação do partido e da sua governação neste âmbito. Nos Açores as principais causas de morte são as doenças cárdio-vasculares (45,7%) e os tumores (24,5%). A montante destas causas de morte estão duas explicações profundas nomeadamente a diabetes e a obesidade. Ora os Açores têm não só 70% da população com excesso de peso como apresentam a pior incidência de morte por diabetes de todas as regiões da Europa, 74 por cada 100 mil habitantes, uma verdadeira epidemia contra a qual em 24 anos de governação muito pouco ou quase nada tem sido feito, nem consta que a Autoridade de Saúde a isto tenha dado relevância! Bastava isto para se perceber que em matéria de pandemias o PS-A tem tudo menos um bom registo governativo… Custa-me dizer isto e custa-me dizê-lo com esta brutalidade mas este PS, com esta estratégia, não merece ganhar estas eleições e, o pior, é que os outros partidos também não. Para usar um slogan antigo – “merecíamos políticos melhores”…


sexta-feira, setembro 11

para onde?

 


Quem conheça minimamente Vasco Cordeiro de certeza que já o escutou, de sorriso rasgado e emanando força e convicção, a usar a expressão “p'rá frente é que é caminho!”. Essa pujança anímica, que não é apenas física, é um dos seus traços distintivos de carácter, talvez só comparável à sua crónica e antagónica indecisão. O problema é que se essa força obstinada, de seguir em frente, é boa nas arruadas, e quem já fez arruadas com Vasco Cordeiro sabe o quão difícil é acompanhá-lo, na governação, onde o que se exige é calma, ponderação e bom senso, essa impulsividade já não é uma característica tão, digamos assim, abonatória. Se a isto juntarmos o facto de estarmos, e irmos continuar, a viver a pior crise das nossas vidas não pode deixar de causar imensa estranheza a escolha deste estribilho para slogan desta campanha eleitoral. A questão que imediatamente se coloca, ao ouvir este refrão, é: “mas para onde?”. E, a verdade é que nem Vasco Cordeiro, nem o PS, sabem responder a esta pergunta. Ou, então, sabem, mas não arriscam responder, o que é manifestamente pior

Quando, há oito anos atrás, Vasco Cordeiro se candidatou pela primeira vez à Presidência do Governo Regional dos Açores a Região estava à beira da tempestade perfeita, assolada por três dossiers fundamentais e potencialmente demolidores em cima da mesa política, a saber, o fim das quotas leiteiras; a revisão do acordo da Base das Lajes; e a liberalização do espaço aéreo. Em boa verdade, nem nenhum destes assuntos foi resolvido a bom termo como a eles se juntou a já referida mega-crise económica. É como se estivéssemos há oito anos a andar p'rá frente, sem saber para onde exactamente, e sem nunca tratar efectivamente do que precisa de ser tratado. A reconversão do sector leiteiro é uma espécie de eterna miragem, constantemente no horizonte dos discursos e das intenções políticas, mas nunca alcançada. A Base das Lajes transformou-se num processo tão interminável tanto quanto a descontaminação, servindo de letra de música a um bailinho de investimentos cuja repercussão económica tarda, se não nunca, em se fazer ver. O espaço aéreo colocou-nos à mercê de duas companhias aéreas falidas e da Ryanair. Todos estes problemas, mais anúncio aqui, mais milhão acolá, mantêm-se fundamentalmente por resolver, um pouco à imagem dessa obra de Santa Engrácia no Palácio da Conceição que, se continuarem a escavar, certamente um dia encontrarão ou a Nova Zelândia ou, para gáudio de Felix Rodrigues, os restos da Atlântida. Depois, em cima de tudo isto, repito, a mastodôntica crise económica. E, como é que é possível, pergunto eu, perante tudo isto, o PS impele-nos a ir em frente, de forma cega, firme e obediente, como se ovelhas para o matadouro.

Mas, se é que tudo isto não fosse já suficiente para fazer parar os mais avisados, há uma outra questão que se levanta perante este malfadado slogan. É que, este é o último mandato de Vasco Cordeiro, que, daqui a quatro anos, encontrará no correio um bilhete para Bruxelas, se Bruxelas ainda existir. Ora, é caso para perguntar outra vez: “p'rá frente é exactamente para onde?”. Há oito anos atrás Carlos Cesar tinha dois sucessores claros, com um outro Contente a correr por fora. Sérgio Ávila e Vasco Cordeiro. A escolha recaiu sobre quem sabemos e uma das teorias da conspiração que surgiu nessa altura, e que se mantém até hoje, sem nunca ser desmentida, foi de que o acordo entre Cordeiro e Cesar era de que o primeiro assumisse a função de príncipe regente até entregar o ceptro de volta a Cesar, mas neste caso Cesar Júnior. Perante este cenário uma das questões que é não só legitimo como imperioso colocar ao Partido Socialista, nestas eleições, é quem serão os sucessores de Vasco Cordeiro e se, na frente do Partido, não estará já legitimado um sucessor do trono paternal? Se este “p'rá frente é que é caminho” mais não é do que uma pulsão frenética para que não se olhe à estratégia quase monárquica de entregar o partido e, quererão eles, a governação dos Açores nas mãos do príncipe herdeiro da casa de Vale (tudo) Cesar?

É que se é isso que Vasco Cordeiro e o PS querem por à nossa frente, então que o digam clara e simplesmente, porque eu, pelo menos, não vou por aí…

domingo, setembro 6

a epistemologia dos factos


Não o posso confirmar com absoluta certeza, mas das muitas coisas que a Covid nos levou, a primeira talvez tenha sido a ponderação e o bom-senso. Uma mistura abanada de desconhecimento e medo transformaram-nos a todos em pólos opostos de um yin-yang de palpites, convicções de rede social e certezas assertivíssimas à lá Rodrigo Guedes de Carvalho. De um lado os paladinos do bem, os arautos da Saúde Pública, as Autoridades magnânimas e infalíveis que defendem o bem e a Vida, excepto dos velhinhos, coitados, largados ao fétido abandono de lares como o de Reguengos ou o do Nordeste. Do outro nós, cidadãos, mais ou menos remediados, mais ou menos instruídos, mas que por termos dúvidas, por não aceitarmos os “factos” ou por vermos a vida a desaparecer-nos debaixo dos pés, fazemos perguntas e somos, por isso, imediata e inapelavelmente apelidados de Trumps e Bolsonaros. Algures, entre o começo disto tudo e agora o bom-senso desapareceu. A ponderação deu lugar ao autoritarismo arrogante e o diálogo, o debate de ideias, foi totalmente obliterado pela ditadura da bipolarização ideológica dos paladinos do fascismo higienista. Ou estás comigo ou és um Trump ou, pior, um Bolsonaro. Isto porque a tentativa de exposição ao ridículo sempre foi uma boa forma de bulliyng, principalmente porque nos poupa de pensar numa argumentação. Ou então é apenas pelo facto de Stefan Lofven ou Anders Tegnell serem nomes mais difíceis de pronunciar e personalidades menos conhecidas do cidadão comum. Já agora, os dois senhores são o Primeiro-ministro e o epidemiologista chefe da Suécia, um país com o qual é sempre mais difícil fazer chacota. Mas há um outro problema nesta táctica política da banalização do adversário. É que, a ciência não se faz com certezas, mas com hipóteses, e aquilo que é facto num dia pode já não o ser no seguinte. Veja-se o caso das máscaras, que primeiro eram contraproducentes e desnecessárias e que depois se tornaram obrigatórias. Mesmo depois dos imensos alertas de médicos e especialistas para os perigos do seu uso continuado, da sua inutilidade e até o malefício do uso em espaços abertos, as máscaras tornaram-se indispensáveis e imprescindíveis e preparamo-nos para torturar milhares de miúdos, e outros habitantes do Universo escolar, com o uso diário de máscaras entre 6 a 8 horas por dia, isto apesar de haver um consenso mundial de que as crianças e jovens não constituem um grupo de risco e de que o uso de máscaras pode ter consequências nefastas na oxigenação do cérebro e na concentração. Hoje, o mundo está dividido em dois tipos de idiotas: os que usam as máscaras e os outros, nós, iguais idiotas, que usamos as máscaras mesmo sabendo que são idiotas, as máscaras e nós com elas. Isto, é um facto! Como todos os epidemiologistas tem dito a análise de uma pandemia só se faz no fim, mas a mim o que me incomoda é essa confiança cega no “prá frente é que é caminho” mesmo quando não se conhece o que está à frente e, pior, quando o que fica para trás é um estranho e doloroso odor a terra queimada.  

quarta-feira, setembro 2

LIBERDADE(S)

No passado dia 14 de Julho assinalou-se o “Dia Mundial da Liberdade de Pensamento”. Por muito louváveis que sejam os princípios subjacentes à prática revisionista de rebatizar os dias do calendário Gregoriano, nunca aderi de corpo e alma à instituição desta voga, pois sempre tive as maiores reservas a qualquer tipo de catecismo, seja ele religioso ou laico. Dito isto, correspondi (malgré tout) com todo o gosto ao pedido/convite da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UAç para escrever um pequeno texto alusivo à data, destinado a publicação na sua respetiva página do Facebook

Nunca frequentei, nem frequento, essa plataforma digital que, por antonomásia, designa o admirável mundo novo das redes (e relações) sociais. Prefiro deixar inscrita a minha irrelevante pegada digital noutras plataformas marginais, quase tão desertas como um apeadeiro da linha ferroviária do Coa, de que é exemplo este blog coletivo, a que muito me orgulho de pertencer, e que nos seus dias de glória, há cerca de 15 anos atrás, tinha a sua caixa de comentários inundada por reações a cada post que era publicado.

Um neófito que tropece por acaso nestas palavras, não perceberá nelas qualquer sentido, mas os antigos e ocasionais passageiros frequentes do :Ilhas talvez já tenham antecipado aquilo que vou dizer em voz bem alta: ACHO INCRÍVEL O ENSURDECEDOR SILÊNCIO QUE SE REGISTA NA CAIXA DE COMENTÁRIOS DOS ÚLTIMOS POSTS DO PEDRO, que citam (no sentido tauromáquico do termo) a liberdade de pensamento junto aos cornos do touro, sem que ele – manso – dê sinais de investir com franqueza e galhardia contra o forcado da cara . Dá ideia de que toda a gente permanece confinada nas páginas do seu Facebook que, muito antes desta pandemia, já andava a promover o distanciamento social. Seria bom que o Mark Zucherberg refletisse sobre o oximoro que está inscrito no ADN da sua criação. 

Mas, voltando ao início deste post, aqui segue em segunda edição (e sem qualquer aditamento) aquilo que publiquei sobre a “Liberdade de Pensamento” no passado mês de Julho:


Four Freedoms. Edwina Sandys, 1994

Franklin D. Roosevelt Presidential Library (Hyde Park-New York)

Esta escultura – duas silhuetas humanas, recortadas de uma secção do Muro de Berlim – foi executada por Edwina Sandys, neta do Primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em homenagem ao Presidente americano Franklin D. Roosevelt, cujo discurso do “Estado da União” (6 Janeiro 1941) proclamava a necessidade de construir um mundo assente em quatro Liberdades essenciais: Freedom of Speech, Freedom of Worship, Freedom from Want e Freedom from Fear. Nestes tempos difíceis que atravessamos, é importante que a liberdade de expressão e pensamento nos ajude a libertar do medo.”  

Saravá, Pedro, este samba é para ti.

terça-feira, setembro 1

A Alquimia dos Números


Lembram-se de Mário Centeno? Sim, esse, o que foi Ministro das Finanças e a quem Wolfgang Schäuble apelidou, não sem alguma dose de mordacidade alemã, de Ronaldo do Eco-Fin. No início disto tudo, quando o céu começou a cair-nos sobre a cabeça, Centeno apareceu numa conferência de imprensa, num dos salões pombalinos do Terreiro do Paço, com ar visivelmente combalido e ladeado por Siza Vieira, o Medvedev de Costa, a anunciar as supostas medidas de mitigação da crise económica, provocada pelas opções políticas de combate à pandemia. Entre elas estava essa medida fundamental de aumento do montante máximo de pagamento por contactless nos multibancos de 20 para 30 euros. Por essa altura o mesmo Centeno, esse Cezane dos balancetes, o Picasso dos Orçamentos, também previa que a queda da economia provocada pela pandemia não seria mais do que uns modestos 6%. Um par de meses depois o próprio António Costa e Silva admitia, na sua carta astrológica para o futuro do país, que esse défice dificilmente ficaria abaixo de 12%, contrariando assim oficialmente os 9% com que João Leão, o Messi das Cativações, se esforçava para fintar os deputados no parlamento. Ontem ficámos a saber que, no segundo trimestre, a queda do PIB foi de 16,3%! A política é isso mesmo, essa constante efabulação táctica, essa arte de ludibriar o essencial com o acessório, a mentira como construção do real. Portugal caminha vertiginosamente para uma desgraça, mas os nossos principais políticos entretêm-se alegremente a funambular com os ciclos eleitorais, as contabilidades parlamentares e a Festa do Avante.

Há dias, num jamboree de jovens socialistas, Carlos Cesar, o Don Vito Corleone da oligarquia socialista açoriana, aventou uma teoria absolutamente genial para contrariar as recorrentes estatísticas que colocam a região nos piores índices de pobreza. De acordo com Cesar essas estatísticas são erróneas porque na região existe uma elevada percentagem de “economia paralela” e que, portanto, as pessoas nos Açores vivem muito melhor do que dizem as estatísticas. Deixemos de lado a estatística, essa alquimia dos números, capaz de fazer de duas mentiras uma verdade. Duas perguntas ficam por fazer a Carlos Cesar sobre tão magnífica teoria. A primeira é se concorda com a própria existência dessa economia paralela, com todo esse imenso mar de cidadãos que se veem escorraçados para as franjas do Estado e a viver na marginalidade para sobreviver no dia-a-dia? E, se não acha escandaloso, que após 24 anos de governação socialista na região, a única forma de se viver uma vida digna seja com um taxo na função pública, o nome no Rendimento Social de Inserção ou na fuga permanente aos esbirros das Finanças?

A grande questão é, provavelmente, essa. É que para o Partido Socialista dos Açores a economia paralela é como a abstenção, pode não ser boa para as estatísticas, mas dá um jeito do caraças à governação. Isso e dois terços da população activa a viver directa ou indirectamente da teta do Estado. Em ilhas onde mais de metade dos eleitores não votam garantir que uns quantos votam em nós é meio caminho andado para ganhar eleições. É, digamos assim, a "economia paralela" do voto. Veja-se essa medida perfeitamente soviética de a dois meses das eleições se anunciar a “regularização”, eufemismo para taxo, de 402 precários da Função Pública. Será que essa regularização já vem com lugar marcado na carrinha de transporte para a mesa de voto?


terça-feira, agosto 25

Autoridade Regional da Vergonha

 

Suponho que deva começar por confessar, em jeito de declaração de intenções, a minha absoluta falta de simpatia por rallies e pelo desporto automóvel em geral. Tenho com os automóveis uma relação puramente utilitária pelo que a realização ou não do rally é-me totalmente indiferente. Mas, no entanto, a verdadeira telenovela em que se transformou o evento, neste pandemico ano de 2020, tem aspectos dignos de ressalva. Desde o início que me parecia perfeitamente claro que em face da pandemia e, ou melhor, em face do autoritarismo cego da autoridade de saúde (passe o pleonasmo), era ridículo sequer ponderar a realização da prova. Aliás, em face das limitações impostas a tantas outras actividades, desde a cultura a outras modalidades desportivas e a tantos sectores da economia essa noção, que andaram meses a debater e a analisar, de que o rally açoriano se deveria realizar era um verdadeiro insulto ao sacrifício e à desgraça de milhares de pessoas que desde Março viram as suas vidas devastadas, não tanto pelo vírus mas pela arbitrariedade das decisões da ditadura sanitária. De igual modo o é o avança e recua e avança de novo da festa brava terceirense, pela qual, diga-se, nutro, agora sim, filial simpatia. O que tudo isto vem demonstrar, com límpida claridade, é o populismo e o eleitoralismo com que o SARS-CoV-2 tem vindo a ser tratado na região. Desde Março a região contabilizou pouco mais de 200 casos de infecção o que equivale a 0,08% da população (e se lhe juntarmos os perigosíssimos turistas a percentagem é ainda mais pequena), destes contabilizam-se cerca de 150 recuperados e, infeliz e fatidicamente, embora se calhar seria bom também aqui uma auditoria da Ordem dos Médicos, cerca de 14 óbitos num lar de idosos do Nordeste. Mas, por cá, a Ordem não se quer meter nessas coisas. O que estes números demonstram, e seria também interessante ter uma noção da percentagem de resultados positivos por número de testes realizados, é que estamos perante uma pandemia de pânico gerida por decretos governamentais e não perante uma real e efectiva ameaça de saúde pública. O conceito, aliás, de saúde publica é uma abstracção manipulada pelo governo a seu belo prazer. Veja-se o exemplo de uma suposta cadeia de transmissão local que existiria em São Miguel provocada pelos comportamentos hedonistas de uns quantos jovens rebeldes que entretidos entre banhos de mar e copos cuspiam vírus pela noite dentro nos bares da ilha. Ao ponto do Governo ter decretado o seu encerramento forçado às dez da noite para, pasme-se, nunca mais se ouvir falar sequer de um caso positivo dessa gravíssima cadeia de transmissão. Segundo os comunicados oficiais, desde o passado dia 11 de Agosto, dia em que o Governo Regional anunciou a existência dessa cadeia de transmissão local e decretou as medidas para a sua contenção, foram feitos na região 19103 testes, destes 17 foram positivos, repito: dezassete positivos num total de dezanove mil cento e três testes! Dos 17 e de acordo com o próprio Governo Regional apenas 4, repito quatro, são casos relacionados com essa cadeia de transmissão local. O que isto demonstra é que hoje, dia 25 de Agosto, precisamente 14 dias, o famoso período de incubação, desde que foi ordenada por decreto a existência de uma cadeia de transmissão local e que por causa disso dezenas, para não dizer centenas de negócios e milhares de vidas foram autoritariamente suspensas e despoticamente subvertidas por causa de apenas quatro pessoas infectadas e uma taxa de testes positivos de 0,02%. E tudo porque o Governo encontrou no medo e, pior, na manipulação do medo uma forma segura de ganhar eleições. O que estamos a viver hoje nos Açores não é política, nem é ciência. O que estamos a viver é só e apenas uma vergonha.

quarta-feira, junho 10

o estado da região

Sejamos sinceros, isto já estava mau antes do vírus, ficou foi ainda pior. E, a grande probabilidade é que, passada a pandemia vírica, fique pior ainda, por força da pandemia económica. Não interessa, muito, por isso, preguiçar indolentemente na culpabilização da coisa. Se o bicho é uma invenção chinesa ou uma criação americana; se o confinamento salva ou se os suecos ganharam imunidade de manada; se as vacinas virão com nano chip integrado ou se vamos voltar todos a viver no “novo paleolítico”. Tal não significa, porém, que não se deva proceder ao devido escrutínio político das decisões tomadas e, à consequente responsabilização e aprendizagem. Mais do que uma vacina, talvez seja esse aprendizado o que nos possa salvar da próxima vaga deste bicho ou da, mais que certa, vaga de um novo bicho. Mais do que identificar o código postal do laboratório onde o corona foi manipulado, importa sim entender que a circulação e disseminação deste tipo de vírus se deve à maciça destruição de habitats, levada a cabo nas últimas décadas, pelos Seres Humanos. Importa, sim, interiorizar que a opção pelo confinamento não foi uma decisão ponderada, tomada com base em conhecimentos tanto médicos como sociológicos, económicos e políticos. O confinamento foi um desespero de causa, cooptado por virologistas e governantes, em pânico com a ideia de verem os eleitores subitamente transformados em urnas funerárias, multiplicando-se como cogumelos, em quantidades industriais. E que, esse confinamento, foi decidido sem que os governos tivessem qualquer esboço de plano sobre como limitar, combater e/ou contrariar os óbvios e catastróficos efeitos do mesmo na frágil tessitura social do nosso contemporâneo neo-liberal-capitalismo-global.
Aqui chegados, o que fazer? Pois bem, estes são os factos: o vírus existe, tal como existirão outros, até potencialmente mais perigosos para a saúde humana. O confinamento não é uma cura, nem sequer uma profilaxia. De que serve “salvar” batimentos cardíacos se com isso se destroem corações? A vida é um complexo entrelaçado de condimentos, não é apenas e só um mero registo de funções fisiológicas. Esse é um tipo de pensamento útil apenas para bastonários e nunca para altos dignitários. A política, aliás, serve  para escutar os técnicos, mas, acima de tudo e exactamente, para os contrariar, quando a técnica se mostra incapaz de abranger a vasta complexidade do devir humano. O mundo, o mundo todo, está hoje confrontado com a maior crise dos últimos cem ou duzentos anos. Para sairmos disto, temos de recorrer ao que temos, ao que sempre tivemos, o engenho e a arte, a criatividade e a capacidade do ser humano para, solidariamente, suplantar a adversidade, a tirania e o caos.
Para esta crise não há soluções isoladas, ou isolacionistas. Daqui só sairemos de mãos dadas. Inexplicavelmente, ou não, o caminho que a Europa e, por arrasto, o País e a Região, parecem estar a seguir, por preconceito ideológico e por pressão dos lóbis do capital, é o do endividamento. A única resposta visível até ao momento é a do pedir dinheiro emprestado e, depois, logo se vê. É como se os directórios europeus desejassem que, em cima da já de si brutal crise, sobreviesse uma astronómica e gargantuana banca rota, que explodisse em cima de nós todos como um gigantesco e psicadélico cogumelo atómico. Quando, pelo menos a mim, parece-me perfeitamente cristalino que a única forma de ultrapassar este momento seria (será!) imprimir euros e distribuí-los, equitativamente, por países e por pessoas, por via de um Rendimento Básico Incondicional, pelo tempo estrito da duração desta crise, seja ela em desenho de V, de U, de vários W ou de um doloroso e infindável L…
Mas, passemos a questões mais concretas – Açores e Turismo. O Turismo, em toda a sua cadeia de valor, desde o pequeno agente, à grande companhia aérea, passando pelo alojamento, a animação e a restauração, o Turismo, dizia eu, foi a primeira vítima global do Covid-19. Uma Indústria alicerçada na Hospitalidade não pode sobreviver num mundo de portas fechadas e de pessoas isoladas. No entanto, é óbvio que não podem ser assacadas responsabilidades ao Governo Regional pela debacle do sector. Mas, nas respostas à situação, sim, podem. E, se até poderemos considerar que muitas dessas respostas estão dependentes de soluções partilhadas com a República e entre Estados, há, claramente, considerações que são estritamente locais. Desde logo, a manutenção e eventual requalificação da oferta. O foco da atenção actual do Governo Regional, e dos empresários, diga-se, deveria estar totalmente empenhado na defesa e salvaguarda da oferta, permitindo que, quando e como, a retoma se der, se se der, o Destino Açores ainda exista como tal. Com alojamento, animação e serviços de qualidade. Isto sim é Sustentabilidade.
O foco no emprego, não passa de uma arma eleiçoeira e uma forma de, em género de tratos de polé, condenar as empresas ao inferno da dívida. Manter despesa, quando não há rendimento significa défice, que leva a encargos, que levam a, acertaram, falências. A fórmula pífia do layoff esquece todos os outros custos que as empresas continuam, regular e impreterivelmente, a ter. Quartos para arejar, carros para manter, luz e água, taxas, impostos, como o inefável IMI, dividas à banca, mas, vá-la que as moratórias são das poucas coisas que até tem corrido bem, e todo um imenso rol de pequenos custos que, ao final de cada mês, são o prego no caixão de cada infeliz empreendedor. O ponto a que esta situação nos vai levar é a um desvario indiscriminado de falências, em que apenas se vão salvar, os grandes, os sacrificados ou os aldrabões e sem que a Região tenha mexido um dedo mindinho para proteger a qualidade e a diferenciação da oferta e salvaguardar a criação de valor. O que se exigia, o que devia estar a ser veementemente exigido pelos empresários do sector, era que o Governo tivesse já instituído um Gabinete de Crise, com a missão de, directamente no terreno, ilha a ilha, empresa a empresa, estudar e implementar medidas de suporte básico de vida para o sector. Rendimento zero = despesas idem. Simples! No entretanto, avaliar cuidadosamente a oferta instalada, podando os excessos, as redundâncias e as ervas daninhas para que, aquilo que realmente tenha potencial de crescimento possa, na verdade, prosperar quando se der a retoma, que todos esperamos e que, inevitavelmente, irá acontecer.
Outro dos logros em que o Governo e os empresários estão a laborar é a questão dos mercados. Se a ideia do mercado nacional era, já de si, improvável, ao que acresce o estar a ser estupidamente mal trabalhada. A ideia, então, do mercado regional é de tal maneira estapafúrdia que causa dor e repulsa a insistência com que os responsáveis regionais se utilizam dela. A números de 2019, a Região tinha cerca de 25000 camas e registou perto de 1 milhão de hóspedes para, numa estada média de 3 noites, pouco mais de 3 milhões de dormidas. E isto, atenção, para uma taxa de ocupação global a rondar os 34% (!!!). Ora se tivermos em conta que a região tem uma população de 245 mil almas e que dessas, apenas, 123 mil são população activa, ficamos com uma ideia de como o “mercado regional” não passa de um verdadeiro gambuzino, por mais campanhas “seguramente açorianas” que se façam. E, já nem vou sequer mencionar o facto de a Região Autónoma dos Açores ter os piores índices de distribuição de riqueza, porque isso reduzia o mercado regional à capacidade de um ou dois aviões da SATA.
No que toca ao mercado nacional, esse morreu em dois momentos. Primeiro, na descontinuidade territorial e não, não estou a falar de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, estou a falar mesmo das perto de 900 milhas, os 1.500 quilómetros, as duas horas de avião, que separam Lisboa de Ponta Delgada. E, aqui a ênfase deve ser posta no avião. Este ano só os muito ricos e despreocupados, que como sabemos, em Portugal, são uma minoria, é que vão andar de avião, os outros vão pegar no carrinho e vão de férias à terrinha. O segundo, foi o timing. É bom lembrar que até praticamente ao início de Junho a mensagem que os Açores andaram a passar foi a de que não queriam cá ninguém. Que a peste viajava alojada no buço dos turistas e dos tugas do continente e que não queríamos que viessem para cá infectar as nossas pombinhas do Espírito Santo. Tanto que, até hoje, António Costa e Vasco Cordeiro não se falam e o continental rumina com os seus botões que aqueles açorianos são todos birutas. Ora, o que isso fez, foi com que o pai de família, subchefe de repartição, pegasse na Maria e nos dois putos e marcasse as feriazinhas de verão na praia fluvial de Pedrógão, para ajudar os locais, que perderam tudo nos fogos, coitados. Açores? Não, isso é para o Marcelo e para a tia Maria João.
Chegados aqui, com que é que ficamos? Uma mão cheia de nada. Um Presidente do Governo, em campanha eleitoral, correndo de porta em porta, vestido de negro e de máscara, como um médico da peste, receitando Éter aos moribundos. Uma oposição presa nos clichés do politicamente correcto e refém dos obscenamente altos números da abstenção. Uma associação de empresários de turismo que está morta há muitos anos, mas que teima, qual Rasputin da contratação pública, em não querer ver declarado o óbito. E, por fim e o pior de tudo, uma população em que praticamente dois terços depende, directa ou indirectamente, do Sérgio Ávila para meter comida na mesa ao fim do mês.
                Como dizia no início, isto já estava mau, o Covid, que nos meteu a nós de máscara, só veio desmascarar o quão mau isto estava…