domingo, novembro 15

É hora de nos levantarmos…

 

foto Rodrigo Antunes/LUSA

um médico que, de nariz enfiado nos casos, sem conseguir ver para além dos órgãos que possui (…), prolongaria o estado de emergência sanitária até ao fim dos tempos;” Bernard-Henri Lévy

Passado que foi o breve hiato democrático das eleições voltámos, candidamente, ao fascismo sanitário. No final da última semana, o Conselho de Governo regurgitou duas novas medidas ditatoriais, como que a querer marcar em definitivo, no seu epitáfio, a mensagem de que em matéria de autoritarismo covidiano ninguém o ultrapassa. Depois de meses em que nos foi impingida a ideia de que as escolas eram seguras, que as máscaras eram não só imprescindíveis como determinantes para a segurança de professores e alunos, de que todo o universo escolar tinha sido devidamente preparado, setas no chão, filas indianas, regras e mais regrinhas de distanciamento e 20 lavagens da mãos por dia, e que tudo tinha sido acautelado para podermos voltar ao regime presencial. Depois de todos termos finalmente percebido que a escola é um elemento crucial ao bem-estar e ao desenvolvimento das crianças e que estas não são um grupo de risco, eis que a ordem chegou, numa sexta-feira à tarde, de fechar tudo outra vez. Por causa de um ou dois casos em cada escola, num universo de milhares de alunos, de crianças que testaram positivo, sendo que com toda a certeza o contágio se deu em ambiente familiar ou outro que não a escola, o Governo decidiu encerrar, para já, 19 estabelecimentos de ensino na região. Atrelado a isto chegou também a ordem de que quem queira embarcar um avião com destino a estes nove calhaus terá que, impreterivelmente, apresentar um teste negativo à menina do check in.

Depois de umas brevíssimas semanas em que parecia que o SARS-CoV-2 tinha ido de férias para o Douro, enquanto por cá a política se entretinha com os tramites da lotaria eleitoral, na última semana o maroto vírus saltou de uma casa de bonecas para uns quantos restaurantes e dai, num sopro, para a população em geral. Em cerca de pouco mais de quinze dias a região passou de 68, no dia 25 de outubro, para 185 casos ativos, ao dia de hoje. Foi quase como se o vírus estivesse à espera das eleições para apanhar um avião para os Açores…

Perante isto, menos de 200 casos numa população de 250 mil (0,07%), fiéis aos seus galões de Autoridade de Saúde, Tiago Lopes, e Vasco Cordeiro, já agora, decidem determinar mais umas daquelas medidas autoritárias, antidemocráticas, desumanas e inconstitucionais a que já nos habituaram. E, aparentemente agora, com o aval tácito dos Drs. Bolieiro e Maurício, que ninguém lhes viu piar sobre a matéria. Como se já não bastasse a senda persecutória dos governantes da república, que ordenam recolheres obrigatórios e confinamentos como quem escolhe uma gravata, as nossas autoridades locais abraçam-se à arbitrariedade e ao despotismo com a facilidade de um piscar de olhos. António Costa, ainda por cima, com o desplante de nos incutir a nós o ónus da disseminação. A culpa do contágio, diz-nos ele, é nossa, dos cidadãos e das famílias, somos nós que não nos sabemos comportar e não cumprimos as regras. Só faltou o puxão de orelhas e a rabada. Por cá, agora, são as crianças não só as culpadas como, ultrajantemente, as principais penalizadas. Por causa de uma dúzia de casos milhares de crianças são remetidas de novo ao enclausuramento domiciliário. Sem nunca sequer se pensar nos efeitos devastadores que essa medida tem e terá nestes miúdos.

E, da mesma forma que o governo se rege por uma visão desinfetada das nossas vidas insiste, por outro lado, em desrespeitar não só a Constituição, mas também os mais básicos princípios do Estado de Direito Democrático coartando as mais primárias liberdades individuais dos cidadãos. Naquilo que o filósofo italiano Giorgio Agamben alertou como “a tendência de utilizar um estado de exceção como paradigma normal de governo”. Aparentemente não aprenderam nada com os Habeas Corpus que perderam nem com os recursos que lhes foram negados. Cito, livremente, de um dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa “a prescrição de atos médicos ou de diagnóstico relativamente a toda ou qualquer pessoa é da exclusiva responsabilidade de um médico e não pode ser realizada por Lei, Resolução, Decreto regulamentar ou qualquer outra via normativa.” O Governo Regional não só tinha conhecimento deste acórdão como, embriagado de autoritarismo, decide conscientemente contra a Constituição a e liberdade dos cidadãos. E, mais uma vez, dado o silêncio dos incumbentes eleitos, nada leva a crer que nesta matéria tão importante algo venha a mudar, provavelmente até tenderá a piorar, com o novo governo das direitas encostadas…

A crise do Covid-19 é um momento determinante nas nossas vidas e será também na história da Humanidade. Este “cisne cinzento” em que vivemos transformou aquilo que em literatura era apenas uma metáfora para a perda da liberdade, A Peste de Camus, para ser uma epidemia real, não já só de um vírus, mas de autoritarismo e de destruição das democracias liberais ocidentais tal como as conhecíamos, como bem explica Ivan Krastev em O Futuro Por Contar. Fechar fronteiras é a mais básica e arcaica das respostas a um mal desconhecido. É o regresso ao mais primordial, animalesco até, instinto de fuga que o medo desperta. E a incapacidade dos governos de saberem ou quererem contrariar esses instintos animais revela o quão frágil é a nossa sociedade, a nossa democracia e as nossas liberdades individuais. E, no fim, será, também, esta deriva que levará ao crescimento e à legitimação dos populismos autoritários e demagógicos, um pouco por toda a Europa, de Orban a André Ventura. A democracia morrerá por dentro, porque os seus principais atores, no momento mais importante, não a souberam ou quiseram defender. Entregámo-nos de livre e espontânea vontade aos dictates das ciências médicas, que não sabem nada de filosofia, ou de história, aceitámos a selvagem desociabilização do confinamento com uma naturalidade abjeta, virámos a cara às profundas desigualdades de um mundo em que se ordena cegamente os mesmos termos arbitrários para quem tem uma casa com piscina e jardim e um ordenado garantido ao final do mês e para quem não tem nada…

O futuro dirá, e em particular os nossos filhos, que são os mais amargamente prejudicados por esta pandemia, que legado estamos a deixar. Se um mundo de isolamento, de aprisionamento, de iniquidade e autoritarismo. Ou, pelo contrário, se no meio desta destruição massiva dos mais importantes valores da nossa civilização, que estamos paulatinamente a assistir, descobriremos a revolta e a força interior para, como nos incentivou Proudhon, deixarmos de estar de joelhos e nos levantarmos…

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu votei no André Ventura. Por que razão ele não foi eleito deputado pelos Açores?