Se a apresentação da Aliança Democrática Açoriana já fazia lembrar a Gaiola das Malucas, a confirmação do apoio parlamentar do CHEGA! e da Iniciativa Liberal ainda tornou esta gaiola mais histérica, insana e colorida. Para quem não viu, La Cage aux Folles é um divertidíssimo filme franco-italiano, de 1978, que conta as aventuras de um casal homossexual, dono de uma discoteca drag na atribulada e glamourosa Saint Tropez dos inícios de oitenta. Por cá Bolieiro é Renato, o dono da boite, Artur Lima é Albin/Zaza, travesti e principal atracção do estabelecimento, secundado pela piriquete Estevão que vem na esteira a segurar as plumas e as lantejoulas no desequilíbrio dos tacões altos. Quais três amigos, para usar o adjectivo de escolha de Bolieiro, escanchados na mesma cela, cujos estribos são a curvatura útil de IL e CHEGA!.
Não me passaria pela cabeça pôr em causa a legitimidade democrática do casamento de conveniência destas cinco direitas (embora mais à frente possa debater a questão do posicionamento da IL no compasso ideológico…). O contar dos votos é a única legitimidade necessária em democracia e, logo no dia 25 de Outubro, se percebeu que este era um cenário não só possível como, até, o mais provável.
Mas, alguns aspectos fundamentais, nesta nova solução governativa regional, causam-me alguma, para não dizer muita, angústia. Em primeiro lugar, o casamento em si e com ênfase reforçada no aspecto da conveniência. Não há, como é francamente percetível, absolutamente nada que ligue estes nubentes. Ao longo dos anos, estes três partidos, foram dizendo uns dos outros o que Maomé não disse do toucinho. E, o caso mais extremo é mesmo o CDS de Artur Lima, que sempre preferiu andar aos beijos na boca ao PS a dar a mão ao PSD. O próprio facto singelo de os três partidos serem incapazes de apresentar um esboço que seja do suposto acordo que firmaram, que indique quais as linhas programáticas e de actuação do seu governo, mostra bem como é frágil este pré-acordo nupcial. Temo, que a própria lua-de-mel seja passada em discussões sobre a casa de que sogros vão passar o seu primeiro natal juntos (se a Covid deixar..). Mas, enfim…
Depois, e este é o aspecto mais grave, a ligeireza, a facilidade e a desvergonha com que, ébrios pela sede de poder, partidos ditos democráticos venderam a alma ao fascismo com a rapidez e o estrondo de um relâmpago numa noite de estio. Trazer para a esfera de influência governativa o CHEGA! é abrir os portões de uma barragem cujo diluvio terá consequências imprevisíveis. Podendo mesmo colocar em causa a solidez e o futuro do regime. Há, a este respeito, uma nota importante. Simpatizar, ou não, com o regime venezuelano não é propriamente a mesma coisa que propor uma revisão constitucional que visa acabar com a Terceira República. Muito menos é aceitável que se queira culpar a geringonça por se assentir negociar com uma força política que é anti-humanista, racista, xenófoba, autoritária e, o mais grave de tudo, anti-autonomista. Aliás, ou muito me engano ou o verniz desta frágil cristaleira governativa vai estalar exatamente nas exigências do CHEGA! que, não só são inexequíveis, como vão contra os interesses da própria coligação. Uma redução de deputados, numa região arquipelágica como os Açores, é uma autêntica miragem no deserto. Qualquer método que se use irá prejudicar ou as ilhas maiores ou as mais pequenas, já para não dizer que coloca em sério risco a elegibilidade dos partidos mais pequenos, basta lembrar a composição da nossa assembleia antes do círculo de compensação. Quanto à redução do RSI é não só uma proposta irrealista, surrealista mesmo, diria eu, dado o momento de grave crise economia e social que vivemos, como vai potencialmente destruir o tecido social de muitas freguesias açorianas, nomeadamente algumas onde o PSD tem forte implementação, como é o triste e já famoso caso de Rabo de Peixe, a freguesia mais pobre da Europa. Quem me dera ser uma mosca para assistir ao Carlos Furtado a ir ao Bairro do Caranguejo anunciar o fim do Rendimento Social de Inserção. Basta imaginar…
Relativamente à Iniciativa Liberal, confesso, desde já, a minha surpresa por este desfecho. Num tempo político em que as dicotomias entre direita e esquerda são cada vez menos uma preocupação dos eleitores, o facto de a Iniciativa Liberal ter caído do muro para o lado da direita é colocar-se a si um rótulo que será, no futuro, muito difícil de tirar. Por mais que se agite o esfregão de aço e se gaste frascos de detergente a IL açoriana perdeu a sua capacidade de ser fiel da balança e de conquistar, pela equidistância das duas bancadas ideológicas, autonomia de fiscalização, reivindicação e propositura e perdeu, também, o reconhecimento de um eleitorado que acredita em causas e não em guerras e arranjinhos político-partidários. Por mais que o objectivo de retirar o PS do poder, aliás o ódio ao PS é a única cola que une estes cinco partidos, por mais que fosse uma ambição legítima, a forma como foi feito e o grupo de interesses que foi preciso unir, para não dizer os sapos políticos que foi preciso engolir, terá sempre tendência para esvaziar o potencial de crescimento da IL no futuro, tornando-a numa força política personalista, centrada na imagem do seu líder, o meu querido amigo Nuno Barata, o que, julgo eu, não só vai contra a matriz ideológica da IL como, até, à sua pratica política, veja-se a atitude, nobre, de Carlos Guimarães Pinto na noite das últimas legislativas nacionais.
E as pessoas? Pergunta quem sobreviveu até aqui. Bem, nós, os eleitores, os que votam e os que não votam, cidadãos do dia-a-dia, para usar uma expressão americana, pagadores de impostos e cumpridores de confinamentos e recolheres obrigatórios ficamos a braços com uma sociedade profundamente polarizada e crispada. De um lado uma máquina partidária e governativa em estado de choque e do outro um bando de exércitos sequiosos de derrubar do poder instalado e substituí-lo por si próprios. A forma como esta transição for feita, talvez mesmo mais do que as escolhas políticas ou pessoais, ditará tudo sobre o futuro da região nos próximos anos e, nunca é de mais dizê-lo, é bom que todos tenhamos consciência que estes são tempos, pela gravidade e profundidade da crise que vivemos, de união fraternal e não de ódio fratricida. No meio, sempre no meio, é que se encontra a virtude e será na escolha entre a destruição do passado ou no aproveitar do que de bom e menos bom foi feito que se verá a nobreza de carácter e a firmeza de princípios de quem agora chega aos destinos da região.
Apenas um de entre tantos exemplos. Depois de tudo o que Paulo Estevão disse sobre o GACS será interessante perceber qual será a escolha deste governo relativamente ao futuro do mesmo. Apagá-lo. Melhorá-lo, fazê-lo evoluir como instrumento de informação e de apoio a uma comunicação social livre e plurar, comunicação social essa que está nos cuidados intensivos e em fase terminal, ou pelo contrário, qual Golem segurando o precioso anel, vai antes exponenciar a sua vertente de propaganda ofuscando assim uma sociedade que vai precisar, mais do que nunca, de pensamento livre…
Depois, ainda há o PS mas, isso
fica para mais tarde…
4 comentários:
Caro Pedro
Uma boa descrição da situação. Só acho que é necessário acrescentar que o PS/A tem de ser humilde e aceitar a situação, levou um cartão vermelho, mas de forma sincera, e isso só se fará com mudança interna, abrir o partido a novas ideias e pessoas, procurar estar mais perto da realidade dos cidadãos e não nos gabinetes a sonhar com uma Autonomia que já vimos que não existe. Eu espero que esta “Gaiola” funcione, a bem dos Açores, mas acho que Ventura vai encontrar várias oportunidades para usar os Açores como palco para capitalizar e, ou Bolieiro engole sapos, ou eleições antecipadas - cenário este que considero mais lógico, sendo que, tal como bem descreveste neste texto, lógica é algo que não vale em política!
Saúde
O PSD-A, o CDS-A e o PPM-A abriram a porta ao fascismo em Portugal e infelizmente para todos nós açorianos e autonomistas a porta de entrada são os nossos Açores.
hello. blogwalking here from malaysia and followed! Have a nice day
Agradar a gregos e troianos poderá ser possível durante algum tempo. Depois "game is over". Perguntem ao socialista, depois comunista e agora social democrata, António Bulcão, qual a solução.
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