Os Açores são, por natureza, uma região conservadora. Talvez seja pela força do mar, do isolamento, da distância ou do sopro agreste dos ventos do Inverno e dos sulcos vincados do solo montanhoso das ilhas, feitos de grotas e ribeiros e escarpados veios vulcânicos. Ou, talvez, de séculos de luta contra esses mesmos elementos e da dependência dos senhores, dos donos das terras, do morgadio e da subserviência umbilical à voz do patrão. Do Divino e do Sr. Padre e das sopas de cavalo cansado depois da jorna de pé descalço pelas canadas de cascalho fino e a bênção do padrinho e o sonho americano, lá longe nas New Bedfords e Fall Rivers de abundância. Talvez seja disso tudo e de sermos ilhas cujos sonhos estão limitados por água por todos os lados apenas com mar como horizonte. Ao longo da história foram poucos os progressistas que vingaram nesta terra, nem mesmo nesse período áureo do Liberalismo insular. E, é talvez paradigmático que o Santo Antero se tenha acabado, com dois tiros no céu da boca, sentado num banco, vencido da vida, no Campo de São Francisco, no cinzento dia de 11 de Setembro de 1891.
Nas ilhas, toda a segunda metade do século vinte foi marcada pelo conservadorismo e nem o 25 de Abril conseguiu incutir liberdade nas mentes fechadas e suspeitosas destes ilhéus. Se não era já o atavismo intrínseco das gentes era o medo dos comunistas, a quem era preciso dar sovas no aeroporto e incendiar as casas e atirar carros da ponta da doca. A dificuldade de implementação dos ideários socialistas nas ilhas deveu-se não só à inexistência de uma classe operária per si como, também, à mentalidade do agradecimento. A mentalidade do assalariado rural, que o leva a agradecer ao senhor da terra deixar-lhe cultivá-la, da empregada de casa que se consola com comida e um tecto e trata os senhores timidamente por menino e menina. E, o facto é que, em grande medida, essa mentalidade ainda hoje existe. Com o 25 de Abril, nada disto mudou. A única diferença foi que a máquina da autonomia mota-amarelista se substituiu ao morgadio e criou uma vasta plebe de funcionalismo público que passou a ver nos directores e secretários regionais o émulo burocrático dos Câmaras e dos Cabrais e outros sobrenomes que tais…
Como tenho dito sobejas vezes, Carlos Cesar não ganhou as eleições de 96 por ser uma águia política. Cesar saiu vitorioso dessas eleições, com um empate de mandatos, porque as pessoas estavam fartas do mota-amarelismo, ainda para mais porque, nessas eleições, este era servido em versão requentada. O que se passou em 25 de Outubro passado é muito similar, foi pelo cansaço e pela incapacidade de perceber esse sentimento que o PS, tal como o PSD antes, soçobrou. Mas, a verdade é que nem os socialistas conseguiram alterar o conservadorismo mental dos açorianos. Não conseguiram desagrilhoar as esperanças e as vontades e a voz aprisionada das pessoas que se vestiram de socialismo, como quem veste um xaile para ir de romaria, no dia seguinte à queda do mota-amarelismo, tal como agora o irão fazer, sacudindo o mofo do fato conservador, para na próxima semana se apresentarem na reunião de zoom do serviço cantando loas à nova primavera florida da AD açoriana. Os Açores são, foram e serão sempre conservadores. E o PS do culto autonomista e do autoritarismosinho e da incontida arrogância tem imensa culpa nisso. Só que agora, quem manda é a coligação das direitas enlaçadas…
E agora PS? A sensação que perpassa pelas mentes socialistas neste momento é como a de uma gravidez abortada. Havia um plano gizado, que preparava o partido para lá de 2024, mais quatro anos de Vasco Cordeiro, Chico Cesar engatilhado e aguentar até lá, só que esse plano falhou. Pior, falhou com estrondo. O estrondo de menos 5 deputados e uma Gaiola de Malucas de direita com uma maioria parlamentar. A culpa do que se passou não é do Nuno Barata, ou do maquiavelismo dos irmãos Nascimento Cabral, nem sequer do travestismo do Arturito da terceira. A culpa desta debacle eleitoral, que deixou campo aberto para que Marcelo desse o golpe de misericórdia via embaixador Catarino, a culpa, dizia eu, foi exclusivamente do Partido Socialista e é essa catarse que é imperioso fazer agora. Neste momento, e mesmo correndo o risco de o partido ficar órfão, Vasco Cordeiro terá de se afastar e fazer a sua travessia do deserto até às europeias de 24. Ser líder da oposição exige agilidade e jogo de cintura e, principalmente, capacidade de decisão rápida. Vasco Cordeiro tem muitas qualidades, mas nenhuma das anteriores. O partido tem que rapidamente perceber que o seu papel neste momento é liderar a oposição e não deixar, como já deixou, esse papel nas mãos do Bloco de Esquerda, que ontem instou, e bem, o Sr. Representante da República a tornar públicos esses ditos acordos escritos que mais ninguém ainda viu a não ser ele. E ainda dizem que isto é uma democracia e que quem manda é o povo. O partido não precisa de uma choradeira trumpiana sobre legitimidades estatutárias entre parlamentos e dignatários da república. O partido precisa de fazer política e fazê-la na oposição. O partido precisa de, na sua nova liderança, mais do que encontrar um líder sebastiânico, que o salve da presente orfandade, fazer valer o valor do seu vasto capital de experiência governativa para constituir uma equipa dirigente, quase como um governo sombra, que possa não só compensar as claras fragilidades do seu grupo parlamentar, como, pasta a passa, dossier a dossier, fazer a fiscalização e a oposição constante a uma coligação de direitas que passada a epifania do ódio ao PS não terá mais cola que a una nessa imensa crise que ai vêm. Internamente é, também, imperioso que o partido faça as pazes com o seu passado. Isso passa pela alteração da norma estatutária que dá poderes executivos ao Presidente Honorário, retirando-lhe as competências que detém na Comissão Regional e na Mesa do Congresso, deixando-o apenas como honorário. Passa também por Francisco Cesar e Sérgio Avila reconhecerem que foi em São Miguel e na Terceira que o partido foi mais fortemente penalizado, tanto em perda de votos como de mandatos. Francisco Cesar é uma jovem promessa política, mas para efectivar esse capital terá de se saber autonomizar da figura opressiva do pai e demonstrar, mais do que qualquer outro, que esse capital político é legitimamente seu e não apenas uma emanação da autoridade paterna. Isso passa por fazer, também ele, a sua travessia do deserto, deixando o secretariado de ilha e, obviamente, a liderança do grupo parlamentar, quem sabe até por passar um período na capital, junto de Pedro Nuno Santos. Só assim se poderá revitalizar a democracia interna e a liberdade de pensamento do partido, que serão para o futuro fundamentais à sua vitalidade. Não o fazer já é hipotecar não só as próximas eleições autárquicas como dar por certo um novo ciclo de 20 e tal anos de políticas reaccionárias no arquipélago e um longo deserto de oposição tão ou mais doloroso do que aquele vivido até a semana passada pelo PPD/PSD.
Se a liderança não o souber, ou quiser, fazer é bom que a militância o faça, porque o amanhã já é tarde e para a frente é que é caminho…
2 comentários:
O Pedro Arruda anda a fumar coisa boa...
Caro Pedro Arruda.
No meio de excelente analise sobre a sociedade açoriana, a sua extrutura social, a história a politica e a economia e mesmo a religião, temos forçosamente que considerar que não é no seio deste PS que tudo isto vai mudar, mesmo que existem militantes honestos, dedicados e preocupados com o bem do povo Açoriano e tudo isto ém primeiro lugar porque o designio do PS Nacional não é servir o Povo, nem alterar o conservadorismo burguês Nacional e Europeu, depois não é pensando em lugares, cadeiras e interesses pessoais que se irá alterrar a extrutura do PS,nem pensando nos actuais personagens, caciques, que se chega à transformação, eventualmente podia ser o Pedro Arruda a chamar a si a transformação, mas tinha que começar por um trabalho de organização de base, com um programa politico simples que motiva -se as bases para a transformação necessária para a acção, começando por cortar as pretensões arrivistas.
Trabalho dificil, mas que o Pedro mostra ter vontade, coragem e honestidade, será trabalho para o imediato certamente que não, mas sobretudo há que cortar com a mentalidade, práticas e desejos fascistas que se reproduziram mesmo com o 25 de Abril de 74.
Agora esta geringosa de direita irá governar, legitimamente, até que se zanguem as comadres, ou que o Povo corra com eles.
Açor
Enviar um comentário