terça-feira, setembro 1

A Alquimia dos Números


Lembram-se de Mário Centeno? Sim, esse, o que foi Ministro das Finanças e a quem Wolfgang Schäuble apelidou, não sem alguma dose de mordacidade alemã, de Ronaldo do Eco-Fin. No início disto tudo, quando o céu começou a cair-nos sobre a cabeça, Centeno apareceu numa conferência de imprensa, num dos salões pombalinos do Terreiro do Paço, com ar visivelmente combalido e ladeado por Siza Vieira, o Medvedev de Costa, a anunciar as supostas medidas de mitigação da crise económica, provocada pelas opções políticas de combate à pandemia. Entre elas estava essa medida fundamental de aumento do montante máximo de pagamento por contactless nos multibancos de 20 para 30 euros. Por essa altura o mesmo Centeno, esse Cezane dos balancetes, o Picasso dos Orçamentos, também previa que a queda da economia provocada pela pandemia não seria mais do que uns modestos 6%. Um par de meses depois o próprio António Costa e Silva admitia, na sua carta astrológica para o futuro do país, que esse défice dificilmente ficaria abaixo de 12%, contrariando assim oficialmente os 9% com que João Leão, o Messi das Cativações, se esforçava para fintar os deputados no parlamento. Ontem ficámos a saber que, no segundo trimestre, a queda do PIB foi de 16,3%! A política é isso mesmo, essa constante efabulação táctica, essa arte de ludibriar o essencial com o acessório, a mentira como construção do real. Portugal caminha vertiginosamente para uma desgraça, mas os nossos principais políticos entretêm-se alegremente a funambular com os ciclos eleitorais, as contabilidades parlamentares e a Festa do Avante.

Há dias, num jamboree de jovens socialistas, Carlos Cesar, o Don Vito Corleone da oligarquia socialista açoriana, aventou uma teoria absolutamente genial para contrariar as recorrentes estatísticas que colocam a região nos piores índices de pobreza. De acordo com Cesar essas estatísticas são erróneas porque na região existe uma elevada percentagem de “economia paralela” e que, portanto, as pessoas nos Açores vivem muito melhor do que dizem as estatísticas. Deixemos de lado a estatística, essa alquimia dos números, capaz de fazer de duas mentiras uma verdade. Duas perguntas ficam por fazer a Carlos Cesar sobre tão magnífica teoria. A primeira é se concorda com a própria existência dessa economia paralela, com todo esse imenso mar de cidadãos que se veem escorraçados para as franjas do Estado e a viver na marginalidade para sobreviver no dia-a-dia? E, se não acha escandaloso, que após 24 anos de governação socialista na região, a única forma de se viver uma vida digna seja com um taxo na função pública, o nome no Rendimento Social de Inserção ou na fuga permanente aos esbirros das Finanças?

A grande questão é, provavelmente, essa. É que para o Partido Socialista dos Açores a economia paralela é como a abstenção, pode não ser boa para as estatísticas, mas dá um jeito do caraças à governação. Isso e dois terços da população activa a viver directa ou indirectamente da teta do Estado. Em ilhas onde mais de metade dos eleitores não votam garantir que uns quantos votam em nós é meio caminho andado para ganhar eleições. É, digamos assim, a "economia paralela" do voto. Veja-se essa medida perfeitamente soviética de a dois meses das eleições se anunciar a “regularização”, eufemismo para taxo, de 402 precários da Função Pública. Será que essa regularização já vem com lugar marcado na carrinha de transporte para a mesa de voto?


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