"Quanto mais vivia, mais morta se tornava a vida. Como se descesse passo a passo de um monte, pensando que estava a subir. Era isso mesmo. Na opinião da sociedade, ele subia ; mas proporcionalmente, a vida abandonava-o". "A Morte de Ivan Illitch", de Lev Tolstói, é uma poderosa reflexão sobre a vida que se recomenda num tempo em que se celebram os fiéis defuntos.
Nesta obra-prima da literatura universal a epifania sobrenatural chega-nos no fim com o moribundo Ivan, no seu leito de enfermo, suspirando com o "fim da morte" que foi toda a sua vida. Numa primeira leitura acertamos esta revelação com a dimensão filosófica e espiritual de que há vida para lá da morte biológica como, tradicionalmente, nos prometem as doutrinas da ressuscitação, da reencarnação, ou da perpetuidade da alma. Numa leitura mais atenta recuperamos toda a vida deste Ivan Iliitch. Juiz de profissão, a sua história "fora uma das mais simples e banais, por um lado, e das mais funesta, por outro", sempre em busca da promoção pessoal até à corte suprema do colégio de juízes. Um homem que cedo mimetizou uma escola que apesar de estar doutrinariamente virada para a regulação social apenas vivia para o seu próprio umbigo. Efectivamente, na sua formação "na Escola de Direito cometeu certos actos que outrora lhe teriam parecido ignobilidades e a ele próprio repugnavam, quando os praticava; mas posteriormente, depois de observar que personalidades altamente colocadas cometiam os mesmos actos, sem serem considerados malfeitorias, esqueceu-os completamente, ainda que não os achasse benignos, e as respectivas evocações não o incomodavam minimamente.".
Foi com esta Licenciatura que o jovem Ivan partiu em busca de sucessivas comissões de serviço, cada uma mais elegante e prestigiante do que a precedente, mas todas elas orientadas para uma única finalidade: ele próprio.
Viveu uma vida cheia de urbanidades e mesuras, distribuindo lisonjas a troco de sinecuras, vestia como um dandy e vivia como um burguês parisiense em contínua ascensão social. Subitamente, no topo de um escadote e enquanto mudava os cortinados do seu cómodo com o fito de maior projecção social, caiu e foi acometido de um gosto maligno na boca que antecipava o seu fim precedido de um longo calvário.
Uma vida banal e uma morte inesperada não são ingredientes para uma obra-prima da literatura mas Tolstói deixa-nos algo mais do que esse registo. A verdadeira epifania que vive Ivan Iliitch, como qualquer mortal, é a consciência de que uma vida pecaminosa - (como a do personagem) - é uma morte moral. Consequentemente, uma vida de acordo com a moral é o regresso a Deus pois uma vida imoral é o nada ou o equivalente a uma mortificação da alma. Para os crentes o livro de Tolstói é uma alegoria pois, para lá da fronteira da corrupção do corpo, existe a chama da vida Divina para a qual os mortais, como Ivan e tantos outros, morrem para nascerem numa outra vida. Para os incréus a obra em causa é uma soberba sátira social que nos lembra que tudo se compra, menos a saúde, e que no final o melhor juiz é sempre a nossa consciência.
João Nuno Almeida e Sousa na edição e hoje do Açoriano Oriental.
João Nuno Almeida e Sousa na edição e hoje do Açoriano Oriental.
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