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Amesterdão é a capital das liberalidades. Descontando enormes diferenças também entre nós somos capazes de irmanar, à nossa escala, com essas realidades de vanguarda. Assim, tal como Amesterdão tem a "Dam" também nós temos, por exemplo, as "Portas do Mar" cuja linha arquitectónica, infelizmente, é substancialmente menos interessante do que a da praça "Dam". Esta praça na capital Holandesa é um centro de animação urbana, ladeada de cervejarias, e cercada por inconfundíveis incensos de cannabis mesclada com as feromonas do bairro da lanterna vermelha mais próximo.
Como também gostamos de ser modernos não há razão para ficarmos atrás. Podemos até ficar à frente! Por exemplo : entre nós o consumo de cannabis, no lado poente das "Portas do Mar" em geral, e particularmente no deck marítimo e nas cercanias da baía dos bares do costume, é generalizado e feito ao ar livre em regime de festival. Em suma : aparentemente é tão legal como a "imperial". Essa é uma realidade factual que se recomenda seja conferida no local pelos beneméritos sociais que estudam e peroram sobre estas coisas das ciências sociais.
O certo é que a forçada comparação com o modelo liberalizante dos Países Baixos acaba aqui. De acordo com a Lei Holandesa é permitida a venda de cannabis - (incluindo a alegadamente produzida na ilha do Pico que se diz ser de qualidade gourmet) – mas apenas em coffeeshops. Nesses cafés a venda legal, e tributada pela Coroa Holandesa, está limitada a 5 gramas de cannabis per capita e apenas a maiores de 18 anos. Ademais, o consumo é efectuado no coffeeshop que, também por lei, está proibido de vender álcool e muito menos quaisquer outras drogas que não as derivadas da planta cannabis sativa L., sob pena de fechar as portas como é expectável num país civilizado. Ninguém está impedido de comprar o seu producto derivado da planta de cannabis e sair da loja com o mesmo para consumo privado, desde que não o faça em público fora da coffeeshop. O modelo é tão liberalizante que o cidadão que queira consumir a sua "erva" no coffeeshop a isso não está impedido, basta que tenha a cortesia de comprar uma bebida não alcoólica no estabelecimento.
Como se vê a semelhança com a nossa realidade só coincide com a existência do consumo. Por cá, nas "Portas do Mar" e similares, só não vê quem não quer, temos bandos de pré-adolescentes a "ganzarem" desinibidamente sem qualquer constrangimento legal ou social. Culturalmente já estão arrumados na categoria de "sensation seekers" que agrupa a miudagem que está socialmente integrada e até não têm "deficits de competências" - (para usar o léxico da psicologia) - mas apenas buscam o hedonismo de novas sensações. Recentemente foi até formalizada a denúncia de que crianças de 12 anos já vagueiam pelas ruas das nossas cidades até madrugada com overdoses de consumos vários pois a nossa cultura, e a indústria da noite, favorecem essa desgraça.
A verdade é outra e mais vasta do que a retórica moralista. No laxismo em que hoje se vive, desresponsabilizaram-se as famílias, desautorizaram-se os modelos parentais e a sociedade desregulou-se vivendo agora em auto-gestão. Para qualquer liberal que se preze o Estado deve abster-se de intervir nos costumes e na vida privada de cada um, excepto quando tenha o dever de o fazer para salvaguardar determinados bens jurídicos. O mínimo que se pede é que o Estado actue para tutela de bens socialmente relevantes como, por exemplo, a formação da personalidade infantil e a salvaguarda de um modelo formativo da adolescência a bem do seu futuro. Como qualquer liberal também o sabe a liberdade implica responsabilidade individual e colectiva, sob pena de vivermos sob uma espécie de darwinismo social.
Infelizmente, Amesterdão não é aqui.
João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental
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