quinta-feira, setembro 11

11 de Setembro



Antero de Quental (Agosto de 1887).
Photographia Artística, Rua da Esperança nº 19, Ponta Delgada.

Faz hoje sete anos que aconteceu aquilo que toda a gente sabe. Mais vale, portanto, estar calado a respeito do ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque. Não são contas do meu rosário. Outros que entoem essa litania a uma só voz, eu, não, obrigado. Será isto falta de sentimento? De sentimento Ocidental? Admito que possa parecer, mas não é, acreditem. Perante tantas vozes prontas para a evocação da data, peço dispensa do karaoke. Se não ma derem, paciência, apresento falta justificada. E a justificação é esta:

Faz hoje cento e dezassete anos que aconteceu aquilo que muito poucos sabem. Ao cair do dia 11 de Setembro de 1891, na cidade de Ponta Delgada, Antero de Quental sentou-se num banco do Campo de S. Francisco, costas voltadas para a Esperança, e apontou o revólver para o céu. O céu da boca. Agostinho da Silva, senhor de um dom especial para pentear as palavras, dizia que “Antero não se suicidou, foi suicidado”. Seja como for, notarão alguns, o aniversário de uma morte não é data que se celebre, falso argumento para quem escreve estas linhas na convicção absoluta de que Antero, parafraseando Luís de Camões, pertence ao número dos que se foram da lei da morte libertando. Lembrar o autor das Odes Modernas no dia de hoje, 11 de Setembro, é a celebração, isso sim, do direito à autonomia de uma memória que tudo indica virá a ser varrida pelo calendário do século XXI, onde a data 9/11 marca o meridiano global de uma nova Era.

Nesta sua cidade natal onde, mais do que em qualquer outra parte, os passos de Antero estão tão presentes, cabe-nos a obrigação moral – para não dizer cívica – de prosseguir e acolher uma honrosa tradição de estudos anterianos que, desde os tempos de José Bruno Carreiro, cedo se ergueu a patamares de alto nível. O facto de Antero de Quental ter exorbitado dos Açores não o torna menos açoriano por isso, e o facto de ter sido o maior dos portugueses certamente não o desqualifica como açoriano. Homem de ideias rasgadas, aberto como poucos ao mundo e ao século, procurou fora da ilha os ares do tempo, recusando isolar-se numa cidade que, em carta endereçada ao seu amigo Francisco Machado Faria e Maia (1871), caricaturiza como a Ponta Delgada do Supico, onde toda a agitação se passava “entre a botica do campo de São Francisco e a botica dos arcos do Cais”. Engana-se quem julga surpreender nesta passagem o tom pedante de um intelectual que desprezava a sua terra. Antero nunca esteve distante de Ponta Delgada, que visitava amiúde, ao contrário, por exemplo, de Teófilo Braga, que aqui tinha importante câmara de eco na pessoa de Francisco Maria Supico. A ilha de S. Miguel e a sua literatura oficial, representada por Supico, é que sempre estiveram distantes de Antero.

Essa distância, ultrapassada na primeira metade do século XX pela geração de José Bruno Carreiro, tornou-se a acentuar ao longo do presente (1976 para cá) regime autonómico que, bem ou mal, nunca parece ter nutrido grande afectividade cívica por Antero. Um exemplo entre muitos - no passado mês de Maio, em cerimónia condignamente celebrada no Salão Nobre da Câmara de Ponta Delgada, ocorreu o lançamento da 2ª edição da Fotobiografia de Antero de Quental, da autoria de Ana Maria Almeida Martins. A fraca afluência de público contrastou com a excelência do trabalho e o empenho da Câmara, que patrocinou a edição em parceria com a Imprensa Nacional. A apresentação do livro esteve a cargo de Viriato Soromenho Marques que, reportando-se a um texto seu intitulado Antero e o 25 de Abril (Jornal de Letras, 14/4/2004), deixou as seguintes interrogações, que passo a citar e a subscrever: “Fomos nós capazes, nestes trinta anos, de vencer os males estruturais que conduziram à decadência nacional a partir do século XVI? Seríamos nós, hoje, capazes de nos abraçarmos num pacto de honestidade de intelectual, para uma análise em profundidade sobre as razões do nosso mal estar colectivo? Teremos nós hoje (…) capacidade para reunir a nossa vanguarda do espírito num exercício de alma e amor pelo país como o foi o das Conferências do Casino?”.

Estamos (continuamos) todos órfãos de Antero … e ele aqui tão perto.


N.B. Texto também publicado na edição impressa do Açoriano Oriental 11/09/2008

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