quinta-feira, maio 3

a toponímia dos vivos

A Câmara Municipal de Ponta Delgada anunciou para o dia 14 de Maio, pelas 12 horas, o acto de descerramento da placa toponímica da "Avenida João Bosco Mota Amaral". Este acto é a política do croquete elevada ao limite máximo do absurdo. E não julguem que o digo por ser D. João Bosco o homenageado, o mesmo direi para uma qualquer rua João Carlos Macedo, a inaugurar dentro de dias, ou uma praça Carlos César numa urbanização de oito andares num futuro hipotético. E também não o digo por serem políticos, ou por serem estes políticos. Digo-o porque me assombra esta farsa moderna da toponímia dos vivos. É uma vergonha que se transforme a toponímia numa arma politiqueira. A função deste instrumento é a de organização e dignificação do espaço público, ao mesmo tempo que serve propósitos pedagógicos e honoríficos da história de uma comunidade. Transformar a toponímia numa moeda de troca para pequenas benesses, ou de granada verbal para guerrilhas partidárias, apenas demonstra a baixeza do tempo em que vivemos. Vivemos um tempo de falsas aparências e salamaleques, onde todos querem ser doutores e engenheiros trocando vénias e cumprimentos nos corredores e vielas do poder aparente, um tempo ridículo de honrarias folclóricas. São as mesquinhezes dos protocolos e as hipocrisias dos títulos, ao que se junta agora o foguetório imbecil da homenagem toponímica em vida, com o agraciado de pé, projecto de cadáver, mirando o seu nome numa placa, como um fantasma olhando o seu próprio túmulo. Não tenho nada contra a justa homenagem a personalidades relevantes, que se lhes reconheça o mérito e agradeça a obra, existem um sem número de formas legitimas e dignas de o fazer. Mas irrita-me o desvario piroso da toponímia em vida. Já imagino o diálogo "sabes encontrei ontem o Mota Amaral na Mota Amaral!" Como não quero acreditar que as comissões de toponímia façam estes disparates por ignorância e como não posso acreditar que se lhes tenha acabado a lista de figuras ou eventos históricos para homenagear, só posso ver nesta atitude uma indescritível e abjecta posição política que confunde o respeito e a história com a politiquice contemporânea. Nem nós nem estas figuras merecíamos tal palhaçada. Enfim, merecíamos sim políticos - e comissões de toponímia - melhores...

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