terça-feira, dezembro 19

O Tornado da Lagoa.

Até hoje à hora de almoço, no meu pequeno mundo das coisas empíricas, os tornados entravam naquela categoria de coisas dignas de figurar num gabinete de curiosidades victoriano. Ocorriam no distante Oklahoma e entravam-me em casa pela televisão, via Discovery ou National Geographic. Hoje bateu-me um à porta no sentido mais literal do termo. Não que tenha enfrentado a besta olhos nos olhos, mas senti-lhe o bafo. Contrariamente aos meus hábitos, resolvi pôr o carro a lavar. Os pais chegavam hoje de Lisboa e era importante dar à viatura um cheirinho a sabonete de gasolina, pois sou objector de consciência relativamente aos ambientadores com aroma a pinho selvagem. O meu carro será um chaço, mas não é um táxi. Deixei o dito na bomba da Shell, não há forma de lhe chamar Repsol, e voltava a pé para casa, no intervalo de um chicote de água, quando me apercebi que alguns carros estavam com os vidros partidos e a rua polvilhada de cacos de telhas. Pensei, por momentos, tratar-se de uma cena inusitada de vandalismo, até que me aproximei do portão de casa e vi meia dúzia de incensos, faias, loureiros e acácias tombados por terra com os raminhos ainda a soltarem rangidos. Árvores de porte muito considerável tinham sido torcidas como um lençol na aldeia da roupa branca. Tanto pior para parte da matinha de laurisilva. O tornado aparou-lhe a patilha. Os sobreiros aguentaram-se que nem uns valentes. O avô deles todos, aquele que dá sombra ao mirante, vergou-se com sabedoria oriental à inevitável força do vento e sobreviveu sem arranhões de maior. Há males que vêm por bem. A clareira aberta a chicote pelo fenómeno atmosférico oferece-me agora o espaço adequado para, finalmente, plantar uma araucária. Desconfio que torne a passar um tornado lá por casa durante as próximas gerações. Mais depressa há-de cair um meteorito.

1 comentário:

Azorean Storm Buster disse...

Boas! Visto ter achado a sua descrição do tornado na Lagoa deveras interessante e criativa, pergunto se não poderá colaborar comigo na descrição do tornado da Lagoa, sobre o qual estou elaborar um relato. O meu objetivo será reunir num único blogue os eventos mais importantes de meteorologia nos últimos anos nos Açores, sendo ótimo se pudesse eu colocar uma parte do seu texto no blog, indicando o seu autor e colocando entre aspas. Se tiver tal disponibilidade, agradecia que me contactasse via e-mail para azoreanstormbuster@gmail.com. O meu blog é : azoreanstormbuster.blogspot.pt.
Agradecendo desde já a sua disponibilidade,
Com os melhores cumprimentos