Não foi uma jura, mas desde os alvores do novo século que deixei de sair à noite por sistema, facto que além de aumentar o prazo de validade da vil carcaça, teve o efeito colateral de me fossilizar em matéria de arquétipos musicais. Embora pouco hip, a situação apresenta vantagens. Uma das mais gratificantes é a de ser educado pela filha mais velha, a Margarida, que aqui há cinco anos chamou a minha atenção para o Ben Harper e os The Inocent Criminals. Foi amor à primeira vista. A rapariga tem bom gosto, sai à mãe. A semana passada estive em Lisboa e achei por bem agradecer-lhe comprando dois bilhetes para o concerto no Pavilhão Atlântico. A casa estava praticamente cheia e, como dizem os vizinhos espanhóis, foi uma noite de puta madre. Os quatro encores não me deixam mentir. Só me lembro de ter visto dois músicos tão contagiados pelo entusiasmo do público, o Lou Reed e o Ian Dury, ambos em Cascais nos inícios da década de 80. Deu para perceber que Lisboa naquela noite foi um Prozac para o Ben Harper, que não se cansava de repetir: thank you for lifting me up. Chegou até a tocar o Heart of Gold, do Neil Young, porque não sabia dizer obrigado em português, mas a maioria da juvenil plateia ficou a ver navios. Com alguma dose de paternalismo expliquei ao ouvido da Margarida o significado da dedicatória. Ao menos ela não ficou lost on translation. Outro detalhe agradável do concerto, marcado para as 20h00 do dia 4 de Outubro, é que já passava da meia noite quando foram dedilhados os primeiros acordes do Burn One Down. Quase estive tentado a erguer o punho enquanto milhares de vozes entoavam o refrão: if you don?t like my fire, then don?t come around, cause I?m gonna burn one down. Não podia imaginar melhor maneira de exprimir o meu protesto pelo aniversário da República positivista. Viva o Rei.
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