terça-feira, outubro 24

Marinhas #1



João Vaz (1859-1931), A Praia, s/data
(Lisboa, Casa-Museu Anastácio Gonçalves)



Não tendo eu o engenho artístico e plástico de Henrique Pousão, D. Carlos de Bragança, João Vaz, ou Alfred Keil, todos eles notáveis pintores de marinhas, resolvi socorrer-me destas prosas bárbaras para evocar ambientes que, infelizmente, deixaram há muito de ser um desígnio colectivo nacional. Gosto do mar, desde puto. Gatinhei, pus-me erectus e cresci, nas praias da Arrábida, Figueirinha e Tróia, no tempo em que havia Sanatório no Outão, e não uma Cimenteira, no tempo em que os areais de Tróia ainda não tinham sido resortados pela Torralta. O meu pai era Piloto da Barra de Setúbal, de uma Setúbal que cheirava a Bocage, sem grandes sombras de cintura industrial. Foi ele que dirigiu a construção da Casa dos Pilotos à ilharga do Portinho da Arrábida, logo acima da Estalagem da família do Sebastião da Gama, aquele poeta bem intencionado que escreveu Pelo Sonho é que Vamos. Passei a vida de roda da água quando o estuário do Sado era um sítio decente. Visitei, ocasionalmente, alguns dos cargueiros que o meu pai arrumava no porto de Setúbal e talvez seja daí que me veio esta mania romântica de fazer uma viagem de circum-navegação num navio mercante, com grandes provisões literárias de Sommerst Maugham, Joseph Conrad e Malcolm Lowry. Devo ter passado uma infância feliz, pois não me lembro de quase nada. Aos 5 anos de idade vim para o outro lado do Tejo, ainda a primeira ponte não estava construída, e ingressei na Instrução Primária. Assentados arraiais em Lisboa, nas Avenidas Novas, senti saudades dos cacilheiros. Daí em diante travei conhecimento com as piscinas. A do Areeiro, porque era quente, nem merecia entrar nestas contas, mas a da Praia das Maçãs e a da Praia Grande, com as ditas praias ali mesmo ao lado, pareceram-me um verdadeiro contra-senso. As piscinas tinham um cheiro invasivo a bronzeador e provocavam-me terríveis ataques de sinusite. Não gostei. Além disso faltavam-lhes as ondas. Eram, literalmente, chatas. A da Praia das Maçãs, contudo, tinha uma coisa agradável: o trajecto que se fazia para lá chegar num eléctrico vermelho que partia da Estefânia, junto ao velho Liceu de Sintra. A partir dos 12 anos, felizmente, o destino balnear fixou-se na praia de Carcavelos que, majestosamente enquadrada pela Fortaleza de São Julião da Barra, passou a ser a manifestação tangível da fúria romântica dos mares. O compasso aberto entre São Julião da Barra e o Hospital Ortopédico da Parede foi o campo lavrado da minha vilegiatura marítima juvenil. Além disso, o glorioso Benfica estagiava na Estalagem Rota do Sol, junto à Estação de comboio, provavelmente porque o Mister, Jimmy Hagan de seu nome, morava em Carcavelos. Foi num desses estágios que Eusébio proferiu aquele genial aforismo da cultura portuguesa contemporânea: o meu marisco preferido é o tremoço. Mas que raio é que se passa com este blog, que nunca mais ninguém falou de futebol??? Estamos a ficar sérios??? Chatos como as piscinas?

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