quarta-feira, junho 14

Na Botica da História #1

Antes que seja banido por falta de comparência e até para estar à altura da prodigalidade com que este blog se entrega à actividade editorial, deixa-me cá, como soe dizer-se, arrotar uma posta de bacalhau.
Tenho andado preso a escritas de outro género, embora deva confessar que os estudos de género ... enfim, cheiram-me a quotas. Mas o género a que me refiro é ao laptop, a minha amante dos últimos tempos onde, página a página, vou procurando dar algum sentido a coisas que se passaram há 200 anos. Como dizia Aníbal Fernandes Tomás a Ernesto do Canto, numa carta da década de 1880 que cito de memória, os livros são as minhas noites de baile. Portanto, como não posso deixar de estar au pair com a escrita da História, mas, por outro lado, impõe-se alguma folga nesta apneia para vir à supefície respirar, decidi dar início a um novo seriado cujo título, Na Botica da História, assume ser uma homenagem a Francisco Maria Supico, farmacêutico e jornalista que se dedicava nas páginas da Persuasão à nobre arte da história local.
Achei apropriado fazer a estreia com um excerto do testamento político de Simão José da Luz Soriano, que por aqui passou integrado na Expedição Liberal de D. Pedro IV, episódio por muitos prescientes considerado uma nota de rodapé da nossa História, mas que foi sem qualquer dúvida o acto fundacional da modernidade portuguesa.
Senão, vejamos. É comum ouvir-se por aí que a choldra da vida política está, por assim dizer, inscrita no nosso código genético colectivo e, habitualmente, chama-se a depôr a testemunha do costume, José Maria Eça de Queiroz, e as suas Tábuas da Lei, As Farpas, mãe de todas as coisas no universo do comentário político nacional. Atentem pois neste outro senhor, bem menos glosado, e naquilo que ele dizia Ao Leitor em 1858, nas suas Utopias Desmascaradas do Sistema Liberal em Portugal, quando o Zé Maria se submetia ao seu primeiro exame, o da instrução primária.

Cuidávamos que os chamados representantes do povo, olhados como seus procuradores, em vez de serem dúcteis e maleáveis às intrigas políticas e dotados de sentimentos pouco nobres e generosos, seriam outros tantos Catões e Atílios Regulos quando, de facto, se tem visto abusarem das confiança dos seus comitentes e não terem vontade própria diante da do poder, aprovando-lhe sempre tudo quanto dele exige sem distinção de bom e de mau. Cuidávamos que esses mesmos representantes do povo zelariam com escrupuloso empenho a bolsa dos contribuintes, fazendo com que os ministros, em vez de disporem a seu talante dos dinheiros públicos, tratassem de organizar a fazenda e de dar de mão ao sistema de dissipação que alguns têm seguido, já criando repartições para fazerem partido e arrumar clientelas, já efectuando repetidas e transcendentes operações de crédito para haverem o bonus respectivo, coisas que cada vez mais nos têm desviado dessa tão desejada organização financeira.

Perdoem-me os sublinhados e enfie a carapuça quem quiser. Bons banhos de mar, blogosfera.

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