O meu afecto pelos U2 já vem de tão longe, que me entristece este disparate do Jorge Sampaio condecorá-los com a Ordem da Liberdade e encaro com algum distanciamento as bichas nas gasolineiras para comprar a ticket to heaven. Vincando a minha condição de cota do blog e já que os U2 tocam hoje em Lisboa, pareceu-me apropriado postar uma crónica dominical sobre o primeiro concerto do Bono em Portugal , lá bem no alto do Minho, a 3 de Agosto de 1982.
O cartaz do Festival de Vilar de Mouros desse ano, cujas provas tipográficas ainda conservo, era de um ecletismo surpreendente. Havia de tudo, como na Botica. O que me empurrou para lá foi precisamente a banda irlandesa, que tinha acabado de lançar o álbum Boy, e também o Sun Ra, com a sua orquestra de doidos à solta. Faltavam dois dias para o início do Festival quando, depois de uma bica na Suprema, decidi arrancar para Caminha numa 4L com mais três amigos. It was a long and widing road, não havia cá autoestradas nem IP's da figa, e a gasolina ainda era a 8 escudos o litro, ou coisa do género. Acampámos num pequeno pasto junto ao rio Coura onde, durante o dia, depois de dar banho à ressaca, aquecíamos o coiro a jogar futebol e frisbie. Quando a programação era um saco, pegávamos no carro e partíamos em campanhas alegres pelas estradas do Parque da Peneda-Gerês, onde os garranos selvagens ainda trotavam despreocupados sem Ministérios do Ambiente a chateá-los. No dia do concerto dos U2 fomos a Vila Nova de Cerveira visitar a Bienal de Artes local. Estava eu para ali pasmado defronte de uma instalação da Helena Almeida, que metia fios de aço e mulheres em combinação, quando me apercebi de um grupo de freaks ingleses com blusões de cabedal que, dando estalos com os dedos, diziam preety cool de tudo aquilo. Nessa noite, quando os U2 subiram ao palco, percebi que os freaks da Bienal afinal eram irlandeses e, pelos vistos, além de músicos também apreciavam as artes plásticas. À excepção do guitarrista, o enigmático The Edge, tinham todos ar de putos farruscos e gaiteiros. Dir-se-iam saídos das páginas dos Dubliners de James Joyce. Mal atacaram os primeiros acordes do I will follow, até os grilos ficaram sem pio e percebeu-se que tínhamos ali coisa séria. Os U2 eram ainda praticamente desconhecidos, pelo que a energia do seu som, de tão inesperada, teve um efeito de chibata na desprevenida plateia. De repente ficou tudo aos saltos, como se aquela várzea junto à ponte romana fosse uma enorme cama elástica. Percebi o que o Neil Amstrong deve ter sentido quando pôs o pé na Lua. Uma completa e total falta de gravidade. Nessa noite de lua cheia as minhas mãos tocaram nas estrelas.
Sem comentários:
Enviar um comentário