Under a juniper-tree the bones sang, scattered and shining
We are all glad to be scattered, we did little good to each other,
Under a tree in the cool of the day, with the blessing of sand,
Forgetting themselves and each other, united
In the quiet of the desert. This is the land which ye
Shall divide by lot. And neither division nor unity
Matters. This is the land. We have our inheritance.
T. S. Eliot, Ash-Wednesday
Com tanto incêndio à solta lembrei-me de um poema escrito por Thomas Stearns Eliot, intitulado Quarta-feira de cinzas. Eliot foi um americano atípico. Nascido em St. Louis, no Missouri, estudou na Universidade de Harvard, onde teve como professores George Santayana e Bertrand Russell, após o que se estabeleceu definitivamente em Inglaterra a partir de 1911, tornando-se súbdito britânico e membro da Igreja Anglicana em 1927. Mais do que a mudança de nacionalidade, a conversão de Eliot ao cristianismo causou espanto na boémia intelectual da altura, pois ocorreu num período em que o hedonismo ocidental explodia ao ritmo acelerado da Jazz Age. A primeira expressão literária do seu baptismo cristão - Quarta-feira de cinzas, escrito em 1930 - vai totalmente ao arrepio do mainstream cultural da altura, pautado por lamés dourados e malditas cocaínas. O poema, não sendo formalmente despojado, evoca contudo a abstinência, a frugalidade e o jejum, penitências quaresmais introduzidas pelo Papa Gregório o Grande nos finais do século VI para temperar os desmandos da Terça-feira gorda.
Tudo isto para dizer - sendo-me permitida a metáfora cristã - que Portugal tem vivido desde há 15 anos numa recorrente Terça-feira gorda. Muitos fundos comunitários foram desbaratados e grande parte deles acabou por desmantelar o tecido produtivo nacional. Pouco mais resta do que o território e mesmo esse, coitado, serve de pasto às chamas, ou então vai sendo carcomido pelo caruncho do poder autárquico. O país desequilibrou-se para o lado do mar. Adornou a estibordo. Dois terços da população portuguesa virou costas à "terra" e trabalha para o bronze nas praias, enquanto no interior as árvores e os velhos morrem de pé.
O fogo pega melhor numa terra sem vida. Toda a gente sabe disso, inclusive os governantes, mas eles preferem combater a desertificação do território a golpes de betão, em vez de assumirem o repovoamento florestal como desígnio nacional. Estranho paradoxo, o do nosso país, em que a floresta só existe quando as suas árvores começam a arder. Seria de esperar que, ao menos na estação dos incêndios, a silvicultura ocupasse algum espaço na agenda política dos (nossos) procuradores da República mas, ó doce engano, mal as chamas invadem os noticiários televisivos a discussão centra-se logo a jusante do problema, nos aviões cisterna Canadair e nos helicópteros em sistema de leasing. Discute-se a forma de apagar o fogo, ou então a docilidade do sistema judicial para com os incendiários, mas pouco se ouve falar da floresta propriamente dita. Às primeiras chuvas de Setembro o assunto corre logo pela valeta abaixo e este ano então, com eleições autárquicas à porta, nem se fala. Quando me lembro que o rei D. Dinis plantou o pinhal de Leiria - sem ajudas comunitárias - a pensar no desenvolvimento da construção naval portuguesa, que depois deu no que deu, e vejo hoje esta tripa forra terciária em que o país se tornou, pergunto a mim mesmo se a prioridade da nossa política florestal não deveria antes ser replantar homens no território.
Passemos aos Açores, cujas proverbiais chuvas e altos índices de humidade poupam as ilhas ao flagelo dos incêndios. Começo por declarar a minha estupefacção perante aqueles que, com algum despudor, se queixam das desvantagens económicas do nosso clima, apontando como exemplo a incompatibilidade entre o anticiclone dos Açores e a vocação turística da região. Bastantes argumentos poderiam rebater este axioma, mas eu limito-me a recordar que o turismo, por muito relevante que seja, não se poderá tornar o alfa e o ómega da economia dos Açores. As alterações climatéricas já hoje visíveis a olho nu, bem como o correspondente aquecimento global, representam para esta região bem provida de água uma enorme vantagem estratégica que deveria ser levada muito mais a sério. A indústria de lacticínios, por exemplo, até há bem pouco tempo a locomotiva da economia açoriana, só existe porque temos pastos verdejantes todo o ano e não há necessidade de estabular o gado no Inverno. Graças à chuva e ao ambiente subtropical temos igualmente excelentes condições naturais para desenvolver e diversificar o coberto florestal das ilhas, criando nesta área uma cadeia produtiva semelhante à "fileira do leite". Infelizmente ainda está muito longe de existir entre nós uma "fileira da madeira", pois o único produto de valor acrescentado que sai das matas dos Açores são tábuas de forro de criptoméria, uma árvore japonesa aqui introduzida na segunda metade do século XIX por iniciativa (privada) de meia dúzia de cavalheiros liberais.
Comparado com a lavoura, sempre tratada com cautela e caldos de galinha, o sector florestal tem merecido dos sucessivos responsáveis políticos regionais uma indiferença quase olímpica. A opinião pública, essa, assobia para o lado. Isto na melhor das hipóteses, porque há até quem olhe de soslaio para o diabo das matas de criptoméria - uma praga infestante, no dizer apostólico de alguns ambientalistas - cuja falta de limpeza e manutenção provoca a obstrução das linhas de água e é responsável por inundações catastróficas que, exceptuando alguns fugazes incêndios urbanos, são a razão de ser dos Bombeiros açorianos. Salve seja o exagero, mas esperemos que não tenham que haver incêndios para acordar na sociedade civil e nos responsáveis políticos a devida atenção para o potencial económico da floresta dos Açores, desde as suas mais valias paisagísticas e cénicas para os turistas que nos procuram, até à cadeia industrial de transformação da madeira, cujo choque tecnológico tarda em chegar a estas ilhas de bruma onde empresários e industriais da construção civil, no meu modesto entender, andam de olhos fechados para o que se passa nesse sector em países como o Canadá e o Japão.
Em matéria de florestas, temos mais sorte do que juízo. Já é tempo de o admitirmos, com a boca a saber a cinzas.
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