quinta-feira, janeiro 20

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Há um certo niilismo instalado em Portugal. Paira no ar uma descrença generalizada fruto de uma degenerescência geriátrica da república. Essa praga espalha-se com a velocidade de uma pandemia e propaga-se à esquerda e à direita do espectro social e ideológico. Essa falta de chama sentiu-se nas comemorações do centenário do regime e o mesmo fantasma do descrédito regressa agora nas vésperas das presidenciais.

Sem renunciar ao dever cívico de votar há quem afirme que lá vai à urna apenas para cumprir a liturgia da Democracia. À esquerda os desiludidos com Alegre afiançam ir votar em branco. Também à direita uma certa orfandade política, incapaz de ver em Cavaco o sebastianismo de outros tempos, garante de igual modo ir votar em branco. Depois temos os cabotinos e os anarquistas empedernidos, que sendo pessoas de índole pessoal e profissional imaculada, publicamente prometem votar em Coelho como se tal acto fosse o equivalente civilizado ao cocktail molotov e à arruaça.

Sem desprezar o exercício de tal direito, e descendo do pedestal da fantasia à realidade, o certo é que tal movimento em corrente de votos em branco é manifestamente inútil. Mesmo nas perspectivas mais românticas de uma elevada percentagem de votos em branco a sua utilidade cívica seria juridicamente irrelevante. Nos termos do artigo 10º da Lei Eleitoral do Presidente da República "será eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, (vírgula acentuo eu) não se considerando como tal os votos em branco". Ou seja, os votos em branco, relevam apenas para a estatística da acta do apuramento geral. Só dos votos validamente expressos faz-se a "contabilidade" para a 2ª volta pois, nos termos do n. 2 do mesmo artigo 10º, "se nenhum dos candidatos obtiver esse número de votos, proceder-se-á a segundo sufrágio ao qual concorrerão apenas os dois candidatos mais votados".

Os dados estão pois lançados e resta ao cidadão que ainda não se demitiu dessa qualidade o dever de ir votar consciente das suas responsabilidades. Não podemos omitir o peso que recai sobre o Presidente da República quando este governo chegou ao ponto de vender dívida soberana para pagar o défice que criou. A Pátria está a ser hipotecada e numa Nação que tem o fetiche das infra-estruturas megalómanas não tarda e a União Europeia tratará de castigar aqueles que, como Portugal, são incapazes de se governarem sem ajuda externa.

Não tenhamos ilusões, cada vez mais, está em causa a nossa credibilidade externa e as nossas responsabilidades na zona €uro. Votar em branco, ou ficar em casa no dia 23, é demitirmo-nos das responsabilidades que temos e também daquelas que queremos exigir da Presidência da República.



João Nuno Almeida e Sousa nas crónicas digitais do jornaldiário.com

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