terça-feira, janeiro 25

O transplante

...
Estar sobre a falésia à beira do abismo não é, infelizmente, uma alegoria sobre o estado de Portugal, mas uma realidade concreta que não se compadece de lirismos e utopias.

Actualmente o país integra o eixo dos estados da união que ameaçam a estabilidade da zona-euro por força de governos corruptos, e de regimes incapazes de sanearem a inépcia política, que resultou neste caminho até ao prometido cadafalso. Portugal, Grécia e Irlanda são três economias periféricas da zona-euro que em comum têm a voracidade de um despesismo galopante conjugado com um deficit incompatível com a sustentabilidade do Estado.

Este cocktail de vícios crónicos é a receita certa para o desastre e para a insolvência a médio prazo.

Numa reacção desesperada, para escapar à ameaça de bancarrota, os responsáveis por tal gestão danosa da Nação não têm qualquer pudor em hipotecar ainda mais a Pátria. Por exemplo, em Portugal, os mesmos mitómanos compulsivos que juraram que os sucessivos Planos de Estabilidade e Crescimento eram suficientes, agora dizem-nos que fizemos o negócio da China com a venda de parte da nossa dívida soberana.

Ora o que se fez foi apenas comprar tempo e atirar para as costas de quem vier a seguir o ónus de pagar a factura, o que, como sabemos, é já uma praxis socialista. Em bom rigor o que o governo português fez foi financiar-se através da nossa dívida pagando esse financiamento com obrigações do Estado com juro a 6,7 %, para as que se vencem em Junho de 2020, e de 5,4 % para as que se vencem a Outubro de 2014.

A leilão foram 1,25 mil milhões de euros de dívida soberana sendo que, com tais valores astronómicos, é difícil imaginar quanto nos custará o juro dessa operação de engenharia financeira. Foi seguramente um bom negócio para a China e outros investidores, mas a longo prazo, representará mais um fardo para Portugal.

Dada a bulimia dos mercados já se prevê que esta medida é apenas uma migalha incapaz de saciar a vertigem despesista de quem vive acima das suas possibilidades. Portugal como outros filhos perdulários da união, e relapso como os seus irmãos a assumir as suas responsabilidades, até gostaria de ver criada a "euro-obrigação" como remédio europeu para ajudar os países endividados a sair da crise a expensas dos outros. A europeização da dívida soberana dos Estados membros, convertendo assim a dívida nacional de países como Portugal em dívida europeia, seria o almejado choque de uma união fiscal num concertado esforço para salvar a zona-euro. Infelizmente para Sócrates, e demais coveiros da delapidação do tesouro, a Alemanha tem resistido a esta ideia.

A reestruturação da dívida pública Portuguesa não passa pela procrastinação dos nossos males e por isso implica uma reestruturação da nossa economia que, após a adesão ao euro, tem vindo a perder competitividade. Analistas internacionais, com base nos valores do nosso PIB, concluíram aquilo que o cidadão português sente na carteira : esta última década foi uma década perdida para a economia do país.

Com este cenário, e com a crise do estado da união, em parte vergonhosamente imputável a países como Portugal, há que operar uma mudança de ciclo. Portugal carece urgentemente de um transplante antes que seja irremediavelmente tarde demais.
...
João Nuno Almeida e Sousa na edição de 24 de Jan. do Açoriano Oriental.

Sem comentários: