E se eu vos falar de um olhar que não foge, que se fixa, que aprofunda, de uma mão que não se deslumbra, ciente da dificuldade dos processos e dos mistérios de uma investigação paciente, quase eremítica. Uma pintura que começa por ser alvoroço e se transfigura em corpo autónomo e transcendente, lava esquecida do vulcão que a espalhou. Território de camadas feito, sem querer saber onde começou e onde acaba, mapa cromático e de pormenores a descobrir em cada investida.
E se eu vos falar de uma pintura que sacode o supérfluo como os animais impacientes. Livre de efeitos, títulos e trocadilhos visuais, sem respirações espúrias e cansaços fáceis, gesto que começa por ser exigência para consigo e acaba como exigência para com o mundo que o contempla.
Cada quadro, um universo e uma geografia próprios. A cor como dado sensorial e orgânico, potenciador de contrastes e criador de pontos de luz – unidade nesta diversidade procurada. O inventário dos elementos - figuras humanas, narrativas cruzadas, um corpo suspenso no ar, buracos negros, espadas, copas, barco, céu, comida, espelho – torna-se um truque demasiado óbvio perante uma voz que, ao desfazer as narrativas que simula, nomeia sempre para dizer outra coisa.
Cedo se percebe que esta gramática, como acontece com aquilo que é mais fundo em nós, não é verbalizável – ou apenas é verbalizável nos termos incertos e secretos de cada um. Como a memória, substância que se vai revolvendo e alterando sempre que é invocada, barro de que é feita esta matéria. Como a crença, que sustenta tudo isto. Sublime teimosia esta, de quem, nas voltas do seu atelier, afirma, solitária e corajosamente, “eu pinto assim”.
(Texto sobre a exposição do André Almeida e Sousa - até 22 de Janeiro de 2011 na Alecrim 50, em Lisboa).
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