quarta-feira, dezembro 15
O Silêncio de Lorna
LE SILENCE DE LORNA O Silêncio de Lorna
de Luc e Jean-Pierre Dardenne, Bélgica, 2008
105 min. / legendado em português
«Nascimento do amor Bem vindos à primeira história de amor filmada pelos Dardenne - um amor dorido, irremediado, impossível, mas um amor.
Sobre "O Silêncio de Lorna" dizem os irmãos Dardenne (ver entrevista) que tiveram vontade de trazer um pouco mais de "história" ao seu cinema. Era fácil adivinhá-lo: no seu desenvolvimento narrativo, mais "cheio" do que o costume, e no trabalho sobre as personagens, um pouco menos psicologicamente baças do que é norma, "O Silêncio de Lorna" é o filme mais romanesco que os belgas já fizeram. Ao ponto de ser o filme dos Dardenne, e mau grado o título evocar o "silêncio" da personagem da principal, onde os diálogos têm maior importância.
Pormenores que não escaparam ao júri do último Festival de Cannes, que lhes deu o prémio para o melhor argumento - um prémio que pareceria absurdo para qualquer dos seus outros filmes (não por terem "maus argumentos", antes por se decidirem muito para lá dos argumentos) mas que neste caso faz algum sentido.
O que não obsta a que continuemos a percorrer territórios cem por cento dardennianos: os subterrâneos da "prosperidade" europeia, o negativo de uma existência de classe média. Lorna (Arta Dobroshi) é uma imigrante albanesa na Bélgica (em Liège, cidade natal dos Dardenne), envolvida nos esquemas corruptos da "máfia das naturalizações" - que envolve ainda outros albaneses, italianos, russos: toda a ironia da caótica "globalização" da "nova Europa" filmada no coração da "velha". Lorna casou, em matrimónio combinado e bem pago, com um jovem "junkie" belga, Claudy ( Jérémie Rénier, um dardenniano regular), como forma de garantir a naturalização. Uma vez garantida, e é o ponto em que o filme começa, o rapaz perdeu qualquer utilidade para Lorna e para os seus "amigos" mafiosos - há que resolver o problema, tanto mais que Lorna, já com o seu novo B.I., tem que estar disponível para novo casamento comercial, agora com um russo que se quer tornar, por sua vez, cidadão belga.
O "junkie" tinha sido escolhido por ser "junkie", e por a um "junkie" ninguém achar estranho (nem a polícia) que aconteça uma "overdose". Ora sucede que o rapaz está obstinada e convictamente decidido a largar a droga. Talvez porque a sua obstinação toque a obstinação da própria Lorna, ela comove-se, e percebe tarde demais que daquele casamento combinado nasceu qualquer coisa parecida com o amor.
Sejam, portanto, bem vindos à primeira história de amor filmada pelos Dardenne - um amor dorido, irremediado, impossível, mas um amor. "O Silêncio de Lorna" é evidentemente menos duro, menos "materialista", do que o habitual no cinema dos Dardenne. Os planos, sobretudo os planos-sequência, têm inclusivamente um tipo de coreografia mais "larga", há mais espaço e movimentos mais desenhados. A câmara deixou de ser "lapa", tem outro tipo de distância para com as acções e com os actores.
Lorna é uma personagem cuja luta pela sobrevivência não deixa de evocar a mais célebre personagem feminina dos Dardenne (a Rosetta do filme homónimo), mas a presença de Arta Dobroshi (que é de facto albanesa, de origem kosovar) é menos "animal", mais refinada, com uma margem maior para a emoção e para o sentimento. Depois do ramerame (certamente pouco banal) que consome as personagens dos Dardenne durante os filmes, o costume é que apareça uma espécie de "tour de force" (para as personagens, e como na formidável sequência que precedia o final de "A Criança", para os cineastas), um movimento em rasgo onde as personagens jogam tudo, a salvação ou a perdição. Também Lorna tem direito a isso, a uma fuga das garras da máfia, mas uma fuga a que a natureza (o bosque) atribui uma estranha paz. Foge por ela, foge em nome do amor por Claudy, e para salvar o que ela acredita ser, no seu corpo, o testemunho desse amor (todos negam que esse testemunho, uma gravidez, exista, até a medicina, mas Lorna acredita e os Dardenne não filmam contra a sua crença).
Nessas cenas finais, quando vemos uma rapariga meia-louca a instalarse num casebre, a acender a fogueira, a preparar um leito, a compôr, digamos, um presépio para acolher o fruto da sua gravidez de fé, nessas cenas finais pensamos que, se calhar, "O Silêncio de Lorna" é o filme de Natal para este ano».
» Luis Miguel Oliveira @ Cinecartaz
Passa esta noite no Teatro Micaelense inserido no Ciclo: Lux - Prémios do Cinema Europeu.
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