Carta Aberta à Administração do Hospital do Divino Espírito Santo
Exmos. Srs.
Escrevo-vos na qualidade de quem, muito recentemente, teve o privilégio de ser pai. A minha mulher deu à luz na vossa instituição a uma linda menina que, nos seus ainda poucos dias de vida, tem preenchido de alegria tanto a nós pais como as nossas respectivas famílias. Gostaria desde já de aproveitar esta oportunidade para agradecer e endereçar o meu elogio à simpatia, profissionalismo e cuidado de todos os profissionais do HDES. A lisura e o desempenho demonstrado por todo o pessoal dessa instituição não só confirmam como acrescentam à certeza de essa ser uma das melhores instituições de saúde do país. Algo de que todos os açorianos se podem orgulhar. Mas, como se usa dizer, no melhor pano cai a nódoa e algumas situações porque passei nestes dias, pela sua gravidade, obrigam-me a escrever esta carta, na esperança que possam, a breve trecho, ser corrigidos procedimentos que creio serem, no nosso tempo, absolutamente inadmissíveis.
Começo por chamar a vossa atenção para as inaceitáveis condições em que se processa o regime de espera para entrada no Bloco de Partos. Um corredor com cinco cadeiras transformado em sala de espera é algo de intolerável nos nossos dias. Por razões relacionadas com a gravidez da minha mulher fomos por algumas vezes ao Bloco de Partos do Hospital e em muitas dessas vezes pude assistir ao tristíssimo espectáculo de estarem diversas grávidas, em estados mais ou menos avançados das suas gravidezes, sentadas no parapeito da janela desse corredor, por longas horas, esperando atendimento. Compreendo as vossas limitações de espaço e organizativas, mas não me parece aceitável esta situação e já nem falo do modo como nestes casos são tratados os “acompanhantes”.
Aqui avanço para aquela que me parece ser a mais grave de todas as situações com que me deparei e que tem haver precisamente com este estatuto de “acompanhante”. Após o nascimento as mães e os bebés são transferidos para a unidade de Obstetrícia para o internamento. No caso de ser cesariana, que foi o nosso, esse internamento será no mínimo de três dias. Ora, qual não foi o meu espanto e indignação quando me deparei com a situação de, de acordo com o vosso Regulamento de Visitas e Acompanhantes, o pai estar incluído nessa condição e ser para o Hospital um acompanhante ou visita. Este tratamento é não só inconcebível, como inumano e mesmo retrógrado, para dizer o mínimo. Não posso compreender nem aceitar que, em pleno século XXI, um Hospital como o vosso remeta os pais para uma espécie de limbo medieval privando-os de passar todos os momentos possíveis com a mãe/mulher e o filho/filha. Numa época em que o estado se esforça por legislar no sentido da igualdade de direitos na maternidade e na paternidade, num tempo em que cada vez mais se advoga a aproximação e o pleno envolvimento dos pais em todas as etapas da gravidez, do nascimento e do cuidado dos filhos, é no próprio Hospital que uma regra apenas classificável como idiota coarcta o direito ao pleno exercício da paternidade.
De todas as explicações que me foram dadas nenhuma, neste caso concreto, é aceitável. A falta de espaço ou de condições físicas para um bom desempenho profissional dos técnicos de saúde não pode ser razão para tão desumana regra. São os pais, mais do que ninguém, os primeiros a compreender as dificuldades dos primeiros momentos de uma criança e do recobro de uma mãe. São, por isso mesmo, os pais os primeiros a desejar ajudar nestas horas. Por outro lado, a falsa razão da segurança dos bebés é ainda mais obtusa. Mesmo que esta seja uma medida transitória (até a imposição das pulseiras electrónicas para os bebés), com vista à sua própria segurança, parece-me que essa será uma razão ainda maior para os pais poderem estar o máximo tempo possível junto da mãe e do bebé, é essa também uma das funções da paternidade, dar segurança. Compreendo e aceito o limite a dois acompanhantes ou visitas, não posso é aceitar, nem compreender, que o pai seja parte dessa equação. O pai é pai, não é visita.
Não tenho palavras para descrever ou explicar o desânimo, incómodo e desespero gerado pela permanente necessidade de dar lugar aos avós, aos bisavôs e bisavós, aos tios e tias, aos sobrinhos e sobrinhas, aos amigos, amigas, a todos os que fazem parte da família, mais ou menos alargada, de um casal e que têm também todo o direito de participar e partilhar da alegria de um nascimento. Aceito que esses sim devam ser sempre dois mas não me conformo que sempre que estes queiram exercer esse direito de partilha obriguem o pai a fazer de bola de ping-pong entre a entrada do Hospital e o quarto, numa dolorosa via sacra entre ausências e contentamentos. Já para não mencionar os constantes desenrascanços, os beneméritos fechar de olhos ou as ligeiras cunhas que sempre acontecem nestes casos e apenas agravam as desigualdades no tratamento entre pessoas com os mesmos direitos. Peço-vos, já não para mim, mas para o futuro, que o mais rapidamente possível revejam este aspecto específico do vosso regulamento de visitas, dando no caso concreto do internamento pós-parto o direito ao pai de ser realmente pai e não apenas alguém que pode ir e vir, ir e vir, como uma visita.
Por último uma chamada de atenção para a degradante e desumana condição em que funciona o gabinete Nascer Cidadão. Limpar um armário, com menos de dois metros quadrados, pôr-lhe uma secretária, um computador, duas cadeiras e chamar-lhe Gabinete não é uma anedota é uma aberração. Mais grave ainda, é um crime para os desgraçados funcionários que ai tem que cumprir o seu dia de trabalho e um insulto aos pais que ai se dirigem para dar cidadania ao seus filhos. Não é justificável esta situação e estou certo que com pouco esforço será possível encontrar, nem que noutro local ou piso uma condição mais condigna para este serviço.
Certo de que estas sugestões encontrarão da vossa parte a melhor atenção.
Com os melhores cumprimentos
Pedro Arruda, Marido e Pai.
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