quinta-feira, dezembro 6

Quem vê, TV ?

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"Quem vê TV, sofre mais que no WC". Assim era o refrão escatológico de um longínquo êxito da pop Lusitana. Porém, razão tinham os Táxi muito antes do seu tempo e se hoje não permanecem actuais em termos musicais bem poderiam servir de jingle ao estado geral da televisão que nos é onerosamente impingida. Ainda recordo o tempo miserento, a preto e branco, em que televisão era o equivalente a canal 1 da RTP. Ficcionou-se à data que aquilo era um serviço público e que os Portugueses tinham que pagar o frete com uma taxa de radiotelevisão. Depois veio o tempo das sociedades anónimas de comunicação, e hoje já não se paga qualquer tributo ao Estado pela graça de sermos telespectadores. Hoje pagamos uma tarifa diferenciada para termos sinal decente numa powerbox que pertence à TV Cabo. Em contrapartida o pacote base disponibilizado cifra-se em meia dúzia de canais Nacionais e um rol de generalidades pelos restantes canais. Acaso o cidadão comum queira fazer um upgrade para os jogos da bola, ou para o cinema em casa, a "taxa" da TV por cabo é sempre a subir. Contudo, ao invés da subida de preços, a qualidade do produto que é posto no mercado tem vindo a descer na proporção inversa. Sem moralismos de ocasião o certo é que a oferta televisiva é rasteira, primária, e reduz o espectador a um vegetal alimentado pelo ecrã televisivo. Em suma: no mercado todos se esforçaram, com êxito, em nivelar por baixo. Consequentemente, todo e qualquer produto de qualidade é relegado para horas indignas do prime time e truncado com uma xaropada de comerciais que anestesia qualquer telespectador de mediana resistência. Quanto ao resto, salvo honrosas excepções, é lixo infame que conspurca e mistura reality shows com programas de informação. Mas o Povo gosta e cada um tem o que merece. Sem que a razão explique tal fenómeno, e perante a inutilidade dos regulamentos das entidades reguladoras para calibrar a qualidade mínima do produto televisivo, o que resta não é a lei do mercado mas sim a lei da selva. Afinal, razão tinha também César Beccaria quando, há mais de duzentos anos, vaticinou que a "A infâmia não é regulada nem pelas leis, nem pela razão : é sempre a obra da opinião pública". Ora, hoje a deformação da opinião pública faz-se à conta da televisão e da sua infame qualidade. Está para vir o tempo em que a opinião pública "reivindique" a qualidade de um bem que é hoje essencial à aldeia global em que vivemos. Até lá "Quem vê TV" das duas uma : ou gosta de ruminar a manipulada dose diária de imagens ou é masoquista.
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João Nuno Almeida e Sousa nas crónicas digitais do jornaldiário.com

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