quinta-feira, setembro 20

Maddietização

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Numa sociedade de gratificação instantânea o impasse da investigação criminal no globalizado caso de Maddie é uma frustração. Esse sentimento adensa-se à medida em que o palco de uma tragédia da existência humana é digitalizado e transformado num "reality show" para consumo à escala planetária. Dir-se-ia que vivemos uma obscena Maddietização. Com efeito, como sabiamente sentenciou Philip Roth, embora noutro contexto, "a TV está a fazer o que faz melhor: o triunfo da banalização sobre a tragédia.". Tal disfunção informativa não é nova mas agora a fasquia foi elevada a um novo patamar em que o barbarismo do "tribunal da opinião pública" prevalece sobre as instituições que a nossa civilização foi arquitectando ao longo dos séculos. Perante a tirania da "sociedade da informação" que importa o Estado de Direito? Como fazer vingar sobre o debate histriónico o segredo de justiça, a presunção de inocência, as vicissitudes da investigação criminal e as limitações da prática forense? Como será possível racionalizar este drama que, sendo televisivo e mediático, não deixa de concorrer com a infalibilidade espectacular dos heróis do CSI e afins? Infelizmente, não se vislumbra para tais quesitos qualquer resposta.
Ademais, a desdita deste caso da vida real ainda tem que sofrer o desgaste de uma pretensa "guerra-fria", alimentada pelos media, entre os órgãos de investigação criminal envolvidos. Efectivamente, de forma ridícula e soez, os órgãos de comunicação social em geral, e a televisão em particular, vão alimentando relatos da frente de combate entre Portugal e Inglaterra. De permeio reassumam os espasmos patrioteiros que asseveram que a nossa polícia é das melhores do mundo; logo contrariados pela anglofilia veneradora da proficiência Britânica que descende dos pergaminhos da Scotland Yard! Ora, já agora, se serve de consolo à magra literatura policial indígena sempre se poderá lançar o opróbrio sobre os Britânicos que também tiveram a sua dose de infortúnios em matéria de investigação criminal. Quem não se lembra do clássico caso de Jack the Ripper com um vasto rol de suspeitos, para um hediondo seriado de crimes, cujo autor nunca foi identificado? Já então a histeria apontava para as mais bizarras teorias que passavam por um misógino príncipe da Casa Real, por um médico ao serviço da Rainha Victória, ou até pela mão do impressionista Walter Sickert que ficou nos anais da História de Arte como um dos mais notáveis pintores do seu tempo ! Mas, nós por cá, também não podemos ostentar orgulho contrário bastando para servir de exemplo o caso, nunca resolvido, do estripador de Lisboa…isto apesar de termos ao serviço da Pátria uma das melhores polícias do Mundo. Como se vê esta contenda, além de artificial, redunda num saldo que nunca será positivo para qualquer uma das partes.
Mas este é apenas um dos ingredientes acessórios que gravitam em torno do essencial: onde está Maddie ? Até que tal mistério se desvaneça seremos vítimas de um psicodrama colectivo que brevemente passará por uma reconstituição do crime, quiçá "ao vivo e em directo" e, a longo prazo, por um kafkiano processo judicial a acompanhar em diferido pela televisão que já fez dos telespectadores juízes do Tribunal de júri com prévia instrução nos "prós e contras" da RTP 1. Mas, como se sabe, ensina a história recente que a Justiça popular, em Portugal ou na Inglaterra, é sempre um retrocesso civilizacional.
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