domingo, novembro 19

Galeria de Vaidades #3



Uma pescadora de pérolas assediada por dois polvos é daquelas coisas que nem lembra ao diabo, pensamos nós, mas era moeda corrente no imaginário erótico japonês de finais do século XVIII, caso contrário Katsushika Hokusai (1760-1849) nunca teria gravado este desenho, absolutamente admirável, no seu álbum em 3 volumes Kinoe no Komatsu, publicado anonimamente em 1814.

Hokusai foi um dos pais da arte erótica japonesa, curiosamente conhecida pelo nome de arte shunga. Antes de atingir a celebridade com as suas famosas 36 vistas sobre o Monte Fuji (1823-1829), vivia destas encomendas para satisfazer a líbido dos samurais. Os orientais levam o sexo muito a sério. Quem tiver dúvidas, que espreite o Império dos Sentidos, um filme realizado por Nagisa Oshima em 1976.



Quando o conforto económico lhe permitiu desenhar com maior liberdade, Hokusai deixou obras que se tornaram referência no domínio do paisagismo, da pintura impressionista (Monet e Whistler foram seus grandes admiradores) e, até, da Pop Art, como demonstra a espantosa modernidade gráfica da sua gravura mais conhecida, The great wave, hoje transformada num autêntico ícone universal.



Hokusai faz-me sempre lembrar os Açores, reavivando as semelhanças orgânicas entre este arquipélago e o Japão. Desde logo no mineral e no vegetal. Vejam-se as criptomérias, por exemplo, que os açorianos banalizaram no pior sentido da palavra, árvores de referência no legado paisagista de Hokusai e na cultura material japonesa, desde a arquitectura até à própria gravura, toda ela desenhada e aberta sobre madeira. Mas também o vulcanismo, a sismicidade e o basalto, como demonstra aquele notável (e mal valorizado) conjunto de esculturas do Minoru Nizuma na praia do Pópulo. E, já agora, o ramalhete de flores, com hortênsias, camélias e conteiras, cujo perfume excessivo cheira a bordel shunga.



Em suma, o Monte Fuji e a Ilha do Pico.

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