terça-feira, agosto 22

FÉRIAS

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Blogar todos os dias também cansa. Consequentemente, cedo entrei de estágio para as habituais férias prometidas pelo calendário estival. Primeiro seguiu o Vox Populi (como já bem observou o Alexandre), secundado pelas crónicas mensais do Jornal dos Açores, e daí em diante fui entrando no doce prazer de postar "coisas realmente insignificantes" profusamente ilustradas por pin up's como Kate Moss ou Asia Argento.

No gozo das férias por cá vou passando e lendo o que resto da "comunidade" vai postando. Tradicionalmente, algures no mês de Agosto, tenho a pretensão de partilhar algumas sugestões de leitura com os bloggers que ao longo do ano são frequentes leitores deste blog; afinal de contas durante as férias, para quem é um leitor compulsivo como eu, é tempo de nos atiramos a alguns livros que, na voragem dos dias que passam, vão ficando em standby. Na lista que se segue não há qualquer colagem literal ou subliminar do título ao leitor. Importa sim o sumo destas delícias que já consumi e cuja leitura ou releitura recomendo com apreço.
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Para o Nuno Barata: "Um Herói Português - Henrique Paiva Couceiro" (Ed. de 2006 da Alêtheia) o mais recente ensaio de Vasco Pulido Valente que recupera a memória de uma outra direita precedente à República e ao Salazarismo. Henrique Paiva Couceiro serve de personagem tipo no enredo de um Portugal que se afundava na I República. O antigo Governador de Angola, que havia participado em várias campanhas de África, como Monárquico que era sustentava que nada o impediria de defender a "tradição". Consequentemente abominava o Partido Republicano e a república jacobina de Afonso Costa. Quixotescamente organizou a resistência à República e com os "pinocas", seus sequazes exilados no Norte e na Galiza, pretendeu lançar uma carga a cavalo pela Coroa para varrer do mapa o Partido Republicano. Não teve sorte e acabou ostracizado pela I República e pelo Estado Novo. Um livro que se lê com paixão na revisitação do nosso passado.
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Para o Pedro Arruda recomendo partilhar a leitura que conclui recentemente: "A possibilidade de uma ilha", de Michel Houellebecq (Ed. de 2006 da D. Quixote), que assinala com o habitual escândalo o regresso do enfant-terrible das letras francesas. O romance gravita em torno da biografia de Daniel 1 narrada pelo próprio e, num cenário pós-apocalíptico, pelos seus clones Daniel 24 e Daniel 25. Daniel 1 é um humorista niilista e cáustico que ganhou a vida a satirizar cinematograficamente a humanidade. Sintomaticamente o seu maior sucesso comercial fora uma paródia intitulada "Broute-moi la Bande de Gaza - mon gros colon juif" (g.m. "Lambe-me a faixa de Gaza - meu grande colono judeu"). Houellebecq afirma que os artistas dividem-se entre revolucionários e os decoradores sendo que "os revolucionários são pessoas capazes de assumir a brutalidade do mundo e de lhe responder com uma brutalidade acrescida." À margem destes os humoristas, no seu desencantado modo de ver a humanidade, não têm por finalidade "transformar o mundo, mas em torná-lo aceitável, transformando a violência, necessária a toda a acção revolucionária, em riso e, acessoriamente, ganhando também muita massa.". Longe do fulgor de "Partículas Elementares" ainda assim esta última excrescência literária de Houellebecq lê-se com sobressalto e com bolinha vermelha, pois o autor nada tem de decorativo. Nas palavras do ensaísta Eduardo Lourenço "sob a aparência do cinismo, A Possibilidade de uma Ilha, é um livro grave. Talvez seja a máscara que convém pôr num mundo que não conhece a fundura da sua perdição.".

Para o Tózé Almeida, uma lamentável defecção do :Ilhas, fica o registo de uma outra dissolução magistralmente narrada em "A Obra ao Negro" (Ed. 2002 da D. Quixote) de Marguerite Yourcenar. Pela vida errante de Zenão dissolve-se a ordem de valores da Idade Média abrindo-se ao leitor uma janela para uma nova ordem precursora da Modernidade. Um livro denso e apaixonante cuja sabedoria contagia pois, como diria Zenão, "a vida empareda os loucos e abre uma fresta aos sábios.".

Para a mais erudita, mas também, por dever de ofício, errante participação da blogoesfera Açoriana deixo à consideração do Carlos Riley uma longa crónica de viagens de Henry Miller, por vezes acompanhado de Lawrence Durrell, numa demanda pela metade da alma coeva da nossa civilização. Uma espécie de "Cherchez la Femme" civilizacional e de costumes que tem por destino essa divindade Europeia que é a Grécia. A narrativa em tom coloquial, instigada pelo entusiasmo de uma ninfeta de Miller, ficou condensada em "O Colosso de Maroussi" (Ed. De 1996 da Livros do Brasil).

Para o Alexandre Pascoal presumindo que como militante do Bloco é um prócere entusiasta das artes circenses aqui fica a recomendação de "Shalimar - O Palhaço" (Ed. De 2006 da D. Quixote) de Salman Rushdie. A milhas da obra-prima que é "O último suspiro do mouro" este livro de Rushdie, com um palhaço assassino a servir de fio condutor da narrativa, é um patchwork épico que atravessa parte do nosso Século XX. Em suma: nas palavras de Rushdie é mais uma peça para a "crescente irascibilidade do mundo". O livro requer alguma tenacidade e paciência mas a leitura é gratificante.

Para o André Bradford fica a sugestão de um Clássico da Língua Portuguesa: "Eusébio Macário" de Camilo Castelo Branco (Ed. Ulmeiro 1998). Esta "história natural e social de uma família no tempo dos cabrais" é livrinho que nos reconcilia com o pesaroso Camilo Castelo Branco de "Amor de Perdição" pois foi arquitectado para ridicularizar. Um retrato impiedoso de públicas virtudes, "Eusébio Macário" fustiga os vícios privados, ilustrados num estilo rendilhado, e devidamente embrulhados numa farsa de costumes de chorar a rir. Com razão lá diziam os clássicos que "ridendo castigat mores". A edição faz-se acompanhar de um indispensável rol de notas de rodapé.

Para o João Pacheco Melo recomendo a revisitação de uma pequena mas deliciosa monografia: "Corografia Açórica" (Ed.1995 da Jornal de Cultura) por João Soares de Albergaria de Sousa. Neste ensaio oitocentista o autor assevera que "Os Micaelenses são altos e fortes e os melhores agrícolas dos Açores: os civilizados são muito tratáveis pela sua sinceridade e franqueza; e os que se não têm familiarizado com os estrangeiros, reúnem as boas qualidades dos Açorianos."! Nem imagino o que diria hoje o autor dos autóctones, em especial da estirpe que idolatra o Sandro G e afins.

Para o indispensável Carlos Falcão, em complemento de outras leituras nas cercanias de Goa, sugiro "A Índia Portuguesa em meados do Séc. XVII" de Carl Boxer (da Edições 70).

Para o Nuno Mendes, um dos melhores livros que reli este ano: "A Invenção de Morel" (Ed. de 2003 da Antígona) de Adolfo Bioy Casares. Em 120 páginas é um livro tão fantasticamente complexo, embora de leitura voraz, que ando desde o ano passado a tentar escrever um post sobre esta obra-prima da "literatura fantástica" sem nunca encontrar o caminho para a ilha de Morel!

Para as Miauu Girls, capitaneadas pela Maria Graça da Silveira, um livro excelente que recebi no dia do meu aniversário: "Cisnes Selvagens - Três Filhas da China" de Jung Chang (Edição da Quetzal / 2004). Uma saga familiar, vista pelo lado do ascendente feminino, num país que despreza a condição feminina entre outros valores que nos habituamos a respeitar no "mundo Ocidental".

Para o Rui Lucas, que este ano tive a gratificante honra de conhecer profissional e pessoalmente, fica a indispensável sugestão de leitura para quem partilha o gosto pelos trilhos de Santiago. O "(Des)Caminho para Santiago" de Cees Nooteboom (Ed.de 2003 da ASA) é um erudito e completo guia para quem quiser andar perdido por terras de Espanha.

Para o humor desconcertante do Nuno Costa Santos serve adequadamente "O Avesso da Vida" de Philip Roth (infelizmente julgo que não há tradução portuguesa pelo que terá que se amanhar com a Brasileira da Companhia das Letras/1987).

Para o Guilherme Marinho, sempre a par da agenda política Espanhola (além da nossa como é óbvio) fica o atrevimento da recomendação de "Vagabundo ao serviço de Espanha" desse grande senhor das letras que foi Camilo José Cela (um merecido prémio Nobel da Literatura). Por vezes gongórico, outras vezes coloquial, este pequeno livro de viagens mergulha no sangue garrido do lastro histórico de Espanha. (Ed. De 2002 da Asa).

Para o Pedro Gomes ocorreu-me "A Grande Ruptura" de Francis Fukuyama (Ed. de 2000 da Quetzal) uma obra densa que pretende dissecar e incensar a sociedade da informação. Pelo volume é uma garantia de leitura para um semestre!

Para a Mariana Matos, como é óbvio não cometeria a ousadia de recomendar poesia, pelo que optei por uma obra cujo gosto fosse possível partilharmos. Presumo que "Errata: Revisões de uma vida", de George Steiner, preenche este propósito. (Ed. 1997 da Relógio De Água)

Para o empresário cultural Victor Marques é também tempo de férias e o desejo de evasão evoca porventura outros quadrantes. Fica assim a sugestão de "Noa Noa - Voyage de Tahiti" de Paul Gauguin (excelente Ed. De 2003 da Assírio & Alvim). "Noa Noa, que em tahitiano quer dizer cheiroso; ou seja, como cheira o Tahiti" que, como se sabe não é aqui, evoca o relato duma evasão apaixonada, pela pena peculiar de Gauguin, que apenas ambicionava, entre outras coisas, "o gozo do dia a dia sem contratempos.".

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Finalmente, não poderia olvidar os meus dois comentadores favoritos: o Ezequiel e o Edgardo, ambos de pena cortante, por vezes lancinante, são contudo visitantes recorrentes deste blog cujos comentários só o enriquecem. Para o Edgardo, acaso encontre o livro num alfarrabista, fica a recomendação da "Antologia do Humor Português" de Armando de Mello (é mesmo com dois ll) da Edições Afrodite. Para o Zeke uma leitura mais actual na demanda da compreensão global mas também Europeia do resto do mundo. Que, como se sabe, tende hoje a ser o mundo do Islão cujos muçulmanos formam entre nós "coágulos lentamente absorvidos" (na fórmula de Houellebecq). Actual e de leitura compulsiva aqui fica para o Zeke, em particular, a sugestão de "O Ocidente e o Resto" de Roger Scruton numa edição de 2006 para a Ed. Guerra e Paz.
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Prometo voltar algures em Setembro com outras Ilhas. Posto isto até um dia destes num blog perto de si!
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posted by João Nuno Almeida e Sousa

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