Começo por dizer que concordo em absoluto com o Ricardo Lalanda na avaliação que faz do desempenho do Director Regional Vasco Pereira da Costa, e na constatação do ridículo que é este ainda se manter no cargo, aliás desde que o Sr. Presidente do Governo Regional foi a um programa da RTP-Açores, chamado Choque de Gerações, dizer que fazia uma avaliação negativa do desempenho dos seus governos na área da cultura, que o Sr. Director Regional deveria ter posto o seu lugar à disposição, mas isso são questões de ética que não de estética portanto não vale a pena falar mais sobre isso. Há pessoas que gostam demais dos cargos que ocupam.
Esta entrevista que Vasco Pereira da Costa dá ao Expresso das Nove, não fosse o assunto tão sério, seria um grande momento de humor. O Sr. Director Regional começa por afirmar uma total sintonia com o Presidente do Governo no que "diz respeito às opções políticas e às estratégias de desenvolvimento cultural". Aqui levanta-se a minha primeira e mais significativa dúvida - que opções e estratégias são essas? É que para quem se move neste sector uma das maiores queixas e até mesmo empecilhos ao desenvolvimento de actividades culturais é a ausência de uma estratégia política para a cultura nos Açores. Não existe nem nunca existiu, pelo menos nos 7 anos em que já cá vivo, uma política para a cultura nos Açores. E mais grave se torna esta lacuna, quando neste novo mandato em que a cultura transitou para a alçada da Presidência as únicas modificações que são visíveis são de natureza meramente orgânica e administrativa e muitas delas altamente duvidosas. A este propósito apetece perguntar ao Sr. Director Regional como é que ele explica que havendo essa dita sintonia entre ele e o Presidente do Governo este tenha criado uma nova figura hierárquica, um subdirector, ou um director geral, que terá sede em São Miguel e responderá directamente ao Presidente? A grande pergunta é que funções vai desempenhar esta terceira figura da cultura na região e por que razão se achou necessário criar tal cargo? Mas saindo das questões administrativas, que mais não são do que uma burocratização da cultura, há nesta entrevista matéria para grande reflexão. Pelo que se pode ver até agora das mudanças que estão a ser feitas na "política cultural" da Região está a acentuar-se uma opção pelo que eu chamo uma cultura passiva em detrimento de uma cultura activa. A opção de centralizar serviços que estavam dispersos entre diversos organismos nas Bibliotecas Publicas e nos Museus é, a meu ver, a materialização de um opção pela cultura passiva. Estas instituições, que são altamente meritórias, são instituições de salvaguarda dos bens culturais e que pela sua própria natureza são muito pouco criadoras de cultura. As Bibliotecas e os Museus protegem a cultura existente e em ultima instancia promovem o conhecimento da cultura existente, mas não são potenciadoras de cultura, não são criadoras de cultura. Centralizar os organismos gestores de uma política cultural nestas instituições é, a longo prazo, limitar o potencial criador de cultura da Região. É aqui, e em oposição a esta política, que eu apresento o conceito de uma cultura activa, que é no fundo um política cultural que promova actividades criadoras de cultura. E não estou a falar de apoios a eventos ou actividades culturais que parece ser a única nesga de participação que o Sr. Director Regional pretende ter nas actividades criativas da Região. Estou a falar de uma estratégia política que potencie o dinamismo e a valorização do potencial criativo que existe nos Açores. E deixo, a título gratuito, alguns exemplos de áreas e de actividades que deveriam ser prioritárias numa política cultural nos Açores.
1º Uma Escola de Artes. O Governo Regional dos Açores deveria criar em São Miguel, mais precisamente no edifício do Conservatório Regional, que seria associado à Academia das Artes dos Açores, uma grande escola de artes que ensinasse, do 9º ao 12º anos, num currículo paralelo à escolaridade normal e com objectivos profisionalizantes, os jovens das várias ilhas dos Açores com talento e potencial para estas áreas, diversas disciplinas desde a pintura à dança, da música ao teatro. Estes jovens terminado o 12º ano seriam então encaminhados para Universidades no continente ou no estrangeiro.
2º O governo regional deveria criar um programa de bolsas para estudantes, ou não estudantes, de criação no estrangeiro, dando-se assim a oportunidade a criadores açorianos de se valorizarem junto de mundos artísticos mais desenvolvidos e dinâmicos do que o nosso.
3º O Governo Regional deveria criar um programa de apoio a sabáticas para artistas estrangeiros na Região. A construção e dinamização de uma casa, suportada por um programa financeiro próprio, que convide regularmente artistas consagrados a permanecerem por períodos de tempo determinados na região, pagos pelo governo regional, apenas com a contrapartida de deixarem uma obra na região e de participarem em acções pontuais de formação para artistas locais.
4º O governo Regional deveria ambicionar que a região fosse o mais rapidamente possível contemplada com a realização da Capital Europeia ou Nacional da cultura. (Uma proposta que foi lançada neste blogue pelo Vitor Marques) Um evento desse género poderia mesmo ser utilizado como grande momento de reflexão que potenciasse o estudo e a definição das políticas culturais a desenvolver nos Açores nos próximos anos. Mais, tal ideia deveria ser adaptada à região e o Governo Regional deveria promover nos diversos concelhos uma Capital Regional da Cultura que em formato bienal promovesse um período de intensas actividades culturais.
Isto são apenas algumas de muitas ideias que podem ser uma base para uma verdadeira política cultural. E já nem falo na extinção do Projecto ARTCA, que foi tão só o mais original, importante e prestigiante projecto cultural que surgiu nos Açores nos últimos anos, não falo na inexistência de uma companhia de teatro, de uma orquestra, ou de um evento cultural, tirando o MusicAtlântico, que coloque os Açores no mapa cultural da Europa ou do Mundo.
No fundo a cultura nos Açores é residual, é pó de pedra-pomes, e quando os responsáveis se enganam a sim próprios sobre este assunto não há paciência que aguente. É que nem mesmo a retórica gongórica de Vasco Pereira da Costa, que nos brinda em entrevista, quase de certeza e-mailzada, com parágrafos destes:
"Também a geografia sociocultural da Região se afirma pela diversidade, impondo a necessidade de estabelecer objectivos e de gizar estratégias que contemplem os vários planos de produção e de recepção das actividades culturais. Um arreigado e polifacetado universo de expressões tradicionais convive com os impulsos inevitáveis da criatividade artística: por isso, as dinâmicas culturais facilitam a participação das populações, proporcionam acessibilidades a diversos meios e modos comunicativos, estimulam a inventiva, contribuem para as dinâmicas que alentam as mudanças, incentivam a preservação da identidade e proporcionam mecanismos de sociabilidade. Arrimando as diferentes tipologias da actividade cultural, forja-se um instrumento útil à coesão social, estimula-se o desenvolvimento e aprofundam-se competências e qualificações que se reflectirão na dinamização do turismo e do comércio e que se repercutirão nos contornos ambientais",pode compensar o quase deserto, de poucos oásis, que é a cultura nos Açores.
Já não há pachorra para poetas como o nosso director regional da cultura.
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