"de cada vez que sucumbirmos ao íntimo chamamento do mar, uma voz de mulher há-de erguer-se para chorar-nos o destino e a perdição."
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"Os maiores escritores açorianos vivos estão mortos", citando Urbano Bettencourt, parafraseando por sua vez Juliette Gréco, se esta é a regra, então é caso para dizer que o autor do aforismo é a excepção. Fora da estante da "literatura Açoriana", amplo mausoléu de leituras fúnebres e canhestras, lê-se com deleite literário e cosmopolita a obra de Urbano Bettencourt e, em particular, o seu mais recente livro "Que Paisagem Apagarás". Uma colectânea de textos, e uma secção de aforismos sob o "nom de plume" Ernesto Gregório, compõem um livro obrigatório de prosa límpida, fluida e universalmente elegante.
Há anos luz fui aluno de Urbano Bettencourt, no "Liceu Antero de Quental", numa cadeira de Francês e, "malgré le maitre", por um lado, pouco aprendi da dita Língua e, por outro lado, não arredei a minha resiliência atávica à cultura francófona, já à data tão "démodé".
Mas recebi de Urbano Bettencourt outras lições bem mais valiosas na aprendizagem para a vida adulta e retenho dele a ironia, como "piéce de resistance", de uma filosofia que não sendo a sua "cátedra" era o que melhor sabia ensinar ! Revejo essa mesma ironia em tantas das paisagens literárias, vividas ou imaginadas, no seu recente livro e cujas referências ora me evocam o humor mordaz de Woody Allen ora me transportam para um cáustico Philipe Roth no início da sua obra. Se a escrita é uma consequência da leitura, como o próprio Urbano afirmou, aposto que entre as suas leituras constam, com afeição, as obras de Allen e de Roth.
Mas além destas referências, tão pouco francófonas, há ainda neste livro lugar para telas de arrebatador realismo e para um onírico simbolismo que não se lê "en passant". Aliás, neste livro há textos de leitura que ficam em "repeat". Narrativas de um romantismo sedutor onde as palavras são pesadas à gramagem do papel e medidas milimetricamente à escala de uma "delicatessen" lexical. Exemplo dessa beleza é o curto, mas intenso, "Inverno de Passagem", com subliminares referências ao melhor do género "fantástico" de Adolfo Bioy Casares quando estava inspirado por Jorge Luís Borges. Noutro registo destaco ainda "Antes da Noite" e "Noite", crónicas realistas ultramarinas, e sem outro centro ideológico que não o absurdo do indivíduo como máquina de guerra, que estão originariamente publicadas nos "Anos da Guerra" de João de Melo numa antologia da guerra colonial para a Editora Dom Quixote. Não conheço outro registo mais realisticamente pungente da guerra de África sob a perspectiva de quem tem na mira os filhos da mesma Pátria.
Urbano Bettencourt afirmou em tempos: "Tenho enriquecido muito mais como leitor do que como autor, para este último caso, ando ainda à procura de uma fórmula ou receita rentável". Como seus leitores só temos a lucrar e o seu mais recente livro enriquece qualquer leitura contemporânea. Por ironia do destino este livro, que agrega textos dispersos e passados, logo no primeiro conto tem sinais de um tempo que também é o nosso. Assim, viajamos com Antero num "comboio inexistente" e "perpassa em tudo um difuso sentimento de abandono e de perda, uma nostalgia sem razão aparente". Depois deste sinal amarelo segue-se o aviso de alarme a vermelho: "uma única revolução é possível ou antes inevitável em Portugal: é a revolução anárquica da fome, mas essa não precisa que ninguém a promova, nem pode ser matéria de programas políticos".
Estas "Paisagens" não se apagam. Guardam-se como lugares intemporais. Esta crónica pode ser extemporânea, para um livro que teve a 1ª edição em 2010, mas a descoberta de um dos maiores escritores Açorianos, vivos, é sempre actual.
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João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental.
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João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental.
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