A empresa alemã Younicos iniciou em 2009 uma série de testes que deverão culminar na implementação de um projeto que pretende fazer da Graciosa a primeira ilha totalmente abastecida por energia renovável. Elena Franzen, engenheira responsável, falou a diXL sobre os contornos deste projeto que deverá começar a produzir energia já em 2012.
A Younicos quer fazer da Graciosa a primeira ilha do mundo totalmente abastecida por energias renováveis e, por isso, a primeira do mundo sem emissões de CO2. Como começou este projeto e qual é o vosso objetivo?
Em primeiro lugar, somos uma empresa que trabalha num mundo em que toda a energia produzida é renovável e livre de CO2. É por isso que estamos a desenvolver sistemas de armazenamento e soluções de rede capazes de fornecer energia a partir de fontes regeneráveis de forma segura, estável, acessível e eficiente.
Países e povos em todo mundo procuram aumentar a partilha de energias renováveis. No entanto, é do conhecimento geral que as renováveis, dado o seu caráter imprevisível, podem contribuir apenas para uma pequena parte de todo o abastecimento de energia. E que são muito caras. Nesse sentido, queríamos demonstrar num lugar do mundo que é tecnicamente e economicamente viável implementar uma rede de ilha em que a maior contribuição de energia vem do vento e do sol.
O desafio técnico pode ser superado utilizando grandes baterias e controlo inteligente. As baterias são recarregadas sempre que o vento e o sol produzam mais eletricidade do que aquela que os habitantes consomem, e são descarregadas quando o consumo excede a produção. Testámos esta tecnologia em Berlim, onde simulámos a situação de abastecimento de energia da Graciosa, baseando-nos em medições reais da ilha a uma escala de 1:3.
Economicamente isto já é viável para sistemas de energia que utilizam energia gerada a partir de diesel. No entanto, com o aumento do preço dos combustíveis a gás e carvão e com a diminuição do preço dos componentes utilizados neste sistema nos próximos quatro anos, é possível que o conceito se espalhe nas ilhas pequenas no futuro.
A EDA e a Younicos estão agora a discutir com a ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos um possível plano e layout, bem como as condições dos contratos. A aprovação da ERSE é o próximo marco para que possamos começar a implementação na ilha. Esperamos começar a produzir os kWhs em 2012, dependendo do tempo que demorarmos a fechar os contratos.
A pergunta à resposta que todos querem saber: porquê na Graciosa?
Em primeiro lugar, os Açores têm recursos renováveis em abundância, tais como a energia geotérmica e da água, velocidades de vento muito elevadas e sol com potencialidades - não como no Mediterrâneo, mas muito melhor que na Alemanha, o país número um na utilização de energia solar. As ilhas situam-se muito longe do continente, pelo que não podem estar conectadas à rede de energia por cabo submarino. Por isso, toda a energia necessária tem de ser produzida no arquipélago e, assim, é normal que as pessoas estejam mais sensíveis à questão da produção energética, dependência de combustíveis e importações no geral. Para além disso, os Açores têm a sua própria empresa de distribuição, a EDA. Ao contrário de outros grupos de ilhas, que são abastecidos pela rede energética do continente, nos Açores são os ilhéus que produzem a sua energia. Neste sentido, a sensibilização para a necessidade de conservação da natureza e utilização de recursos locais é muito maior. A EDA, por exemplo, recebeu-nos de portas abertas desde o início e forneceu-nos todos os dados e apoio necessários ao desenvolvimento deste projeto. O Governo, da mesma forma, também é a favor da transição para as energias limpas. O Governo Regional dos Açores estabeleceu o objetivo ambicioso de abastecer a sua rede de 75% de renováveis até 2018.
A ilha da Graciosa é suficientemente pequena para que o projeto possa ser gerido de forma prudente do ponto de vista do investimento, mas suficientemente grande para que possa ter impacto e visibilidade - enquanto, por exemplo, os sistemas caseiros de produção de energia solar não são considerados verdadeiros abastecedores de energia, o abastecimento de 4.500 habitantes já é outra história. Para além disso, a Graciosa não tem água com potencial energético, nem sistemas de armazenagem de água, nem potencial geotérmico explorável, nem área suficiente para gerar a sua eletricidade a partir dos seus próprios bio-combustíveis - condições que se verificam na maior parte do mundo. Assim, considerámos que seria o candidato ideal para ser o modelo de utilização de um sistema de energia que depois pode ser copiado por outras ilhas e regiões (ainda que sejamos a favor da sua utilização só e apenas se for a melhor alternativa - se uma ilha tem boa hidro-energia, então aconselhamo-los a utilizá-la).
Consideram que há vantagens específicas na utilização de energias limpas e renováveis numa ilha como a Graciosa?
A transição para um sistema de utilização de energias renováveis traz muitas vantagens. Primeiro, aumenta a autonomia de energia ao diminuir a dependência de combustíveis fósseis importados. Depois, reduz as emissões dos geradores a diesel, preservando, assim, esta natureza única. Por outro lado, a Graciosa pode tornar-se pioneira e um modelo para outras ilhas ou regiões que também queiram implementar este sistema. Ao mesmo tempo, atrai turistas ecologicamente conscientes e faz com que a ilha se torne o centro das tecnologias renováveis, exportando experiência em operação e equipamentos.
E, afinal, como é que funciona este projeto?
O papel das baterias é o de guardar energia sempre que o sol e o vento produzam mais eletricidade do que a que é consumida nas vilas. Por outro lado, pretende-se também que libertem energia sempre que o consumo exceda a produção renovável. Para além disso, através dos inversores inteligentes das baterias é possível compensar, a curto prazo, a flutuação de energia renovável e controlar a tensão e a frequência.
Há diferentes tipos de baterias disponíveis que diferem em termos de propriedades elétricas, tamanho e maturidade. Escolhemos as baterias NaS porque, neste tipo de projeto, é muito raro que a produção seja exatamente igual à necessária pelos consumidores e estas baterias estão sempre a carregar e a descarregar energia. Consequentemente, uma bateria tem de aguentar grandes números de ciclos. A tecnologia NaS pode fazer até 4.500 ciclos completos ou a respetiva quantidade de ciclos mais pequenos, podendo ainda aguentar micro-ciclos.
Este projeto não é uma investigação, é uma aplicação que tem de alcançar os mesmos padrões de abastecimento de energia dos atuais sistemas, tendo ainda que satisfazer critérios de financiamento. Por isso precisámos de um sistema maduro e de confiança. Com mais de 300 MW instalados por todo o mundo e uma experiência de 13 anos, a NaS pareceu-nos apropriada. Todos os sistemas que utilizam baterias têm perdas, mas quanto menores melhor.
Há ainda obstáculos que têm de ultrapassar para alcançarem o objetivo de fazer da Graciosa a primeira ilha sem emissões de CO2?
Em poucas palavras, o grande desafio técnico é o de conseguir desligar todos os geradores de energia convencionais e oferecer uma rede estável apenas e só através de fontes renováveis e imprevisíveis, e de baterias. Depois de resolvido este problema, temos o caminho aberto para fornecer energia 100% renovável, já que nunca mais será necessária uma carga de base ou equilibrar com o fornecimento de energia gerada por diesel.
Seguindo o plano passo a passo, o nosso primeiro objetivo é alcançar 75% de abastecimento de renováveis, o que é razoável do ponto de vista económico, ao mesmo tempo que vai de encontro às metas políticas. Para além disso, é possível lá chegar através das tecnologias disponíveis. O restante abastecimento pode chegar através de bio-combustíveis ou de armazenamento sazonal, tal como o hidrogénio, que ainda existe só em protótipo. No entanto, este é o segundo passo, a alcançar assim que o primeiro seja implementado com sucesso.
Do ponto de vista económico, este projeto também está a desbravar novos caminhos. De acordo com a legislação atual, as energias solar e eólica recebem uma tarifa fixa por cada kWh que produzam. Estes custos são normalmente agrupados aos custos da eletricidade em geral. Se as energias renováveis deixam de ter um papel menor e passam a ser a maior fonte de eletricidade, então diferentes sistemas de remuneração terão de ser desenvolvidos.
Isso poderá querer dizer que esta pode ser uma energia mais pesada para os bolsos dos consumidores? Que impactos terá na vida das pessoas?
Uma das características mais importantes deste projeto é o facto de, ao longo da sua duração (20 anos) conseguirmos poupar dinheiro em comparação com o sistema de abastecimento por diesel. Assim, contribuiremos para um sistema de abastecimento de energia economicamente mais eficiente nas ilhas. Uma vez que o preço da eletricidade nos Açores é regulado pela ERSE, não haverá qualquer impacto nas contas dos habitantes da Graciosa. Por outro lado, a eletricidade vai sair das tomadas com a mesma qualidade, pelo que nada vai mudar. Para além disso, se o projeto for bem acolhido pelas pessoas, teremos então todas as potencialidades para que a ilha seja uma plataforma para outras inovações. Para dar um exemplo, haverá dias em que as turbinas de vento e os sistemas fotovoltaicos vão produzir mais eletricidade que a consumida. Primeiro, a energia restante será guardada nas baterias e quando as baterias estiverem cheias, parte das instalações terão de ser desligadas. Podemos equacionar que um dia, as pessoas que queiram fazer parte do jogo poderão receber um sinal a indicar a disponibilidade de energia renovável. Depois, vão poder programar as suas máquinas de lavar para que funcionem a menores custos, sempre que haja um excedente de energia. Gestão da procura e da eficiência energética são algumas palavras-chave neste contexto. Podemos pensar ainda em em veículos elétricos, que podem ser carregado com esse excedente. De qualquer forma, tudo isto é um segundo passo, a concretizar assim que comprovemos que o sistema de abastecimento de energia renovável corresponde às expectativas de todos.
* Publicada na edição de 22 Mai'11 do Diário Insular
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