sexta-feira, agosto 31

O perigo do "amarelo"

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Correu célere o boato de que um infame chinês, traficante de bugigangas como os demais, havia raptado em Ponta Delgada uma criancinha para ulterior comércio de órgãos do infante. O relato de tal vilania reportava o pérfido hominídeo como locatário de uma "loja de chineses" no Centro Comercial Solmar. Sito o boato nas cercanias de um local cuja mitologia urbana referencia como um dos hot spots dos pedófilos locais não tardou que o boato derivasse do tráfico de órgãos para um cenário negro de abuso sexual de menores. Aliás, como se sabe, a referida loja de quinquilharia é o anverso de uma sexshop - very light, é certo, mas ainda assim uma loja de adereços sexuais - o que até poderia ter acicatado o animus perverso da criatura oriunda de um lugarejo inominável das lonjuras da China.
Afinal de contas o boato esboroou-se tão rápido que nem chegará a servir de argamassa para um ulterior mito urbano. Contudo, o rumor teve os seus 15 minutos de fama em alguns órgãos de comunicação social que não resistiram a resvalar para formato tablóide. Com efeito, era difícil resistir à imagem do lojista chinês, com fácies similar ao Fu Manchú, cravando as suas afiadas e crudelíssimas manápulas num inocente destinado a ser desmembrado e empacotado para o mercado negro de órgãos. Mas, na sombra deste ridículo episódio está a sinofobia recrudescente que evoca o mito do "perigo amarelo" antevendo em cada chinês um atávico inimigo da civilização Ocidental e um potencial conspirador de hordas bárbaras que um dia tomarão de assalto o Velho e o Novo Mundo !
Este temor irracional é risível mas não deixa de se ancorar na real e efectiva apreensão pela frandulagem chinesa que vai tomando conta do comércio. Este imperialismo mercantil made in China, exportado com o beneplácito dos Estados Unidos, ao invés das mitomanias folclóricas oferece um perigo real para o comércio justo e equitativo. Além de potencialmente inquinar a saúde financeira dos comerciantes autóctones o "franchising" de "lojas de chineses" contribui para a miséria humana nos antípodas da nossa terra. Efectivamente, creio que a maioria das pechinchas que se vendem nas "lojas de chineses" são manufacturadas por escravos, presos políticos, mão-de-obra infantil e um inesgotável rol de atrocidades que me recuso a financiar. Note-se que não reside aqui qualquer sinofobia mas apenas o asco por um regime ditatorial que nem tão cedo saberá o que é o humanismo e com o qual o Ocidente deveria ter cortado relações depois dos massacres de Tiananmen. Mas a distância e a avareza são quanto basta para aliviar a consciência. Seja como for entre o mito do "perigo amarelo" e a realidade de um comércio reles estribado na exploração do homem pelo homem tenhamos consciência para resistir aos pechisbeques chineses e aos dislates que, no extremo, levam a excruciantes boatos de inexistentes descendentes do temível Fu Manchú.

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