terça-feira, julho 18

Um valor Micaelense

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Cumprindo o calendário habitual desta época, no passado Domingo, teve lugar na Vila Franca do Campo a XVII Exposição Canina onde, como vem sendo já moda, a maioria dos canídeos inscritos pertencia à nobre estirpe do Cão de Fila de São Miguel. Contudo, se, por um lado, vem sendo notória a popularidade desta raça autóctone, por outro lado, não deixa de causar assomo a tendência para a diminuição de público e também de participantes nestes "certames". Quanto ao público é manifesto que a organização destes eventos deve ponderar a sua centralidade. Remeter, como sucedeu este ano, a exposição canina para um desterrado parque de máquinas municipal equivale a ter como público apenas os aficionados donos dos cães inscritos no concurso! Quanto aos participantes o recorrente predomínio no podium de um "cartel" de criadores de filas de São Miguel tem arredado muitos amadores pois, mesmo quando possuem exemplares notáveis, frequentemente com linhagem reportada aos canis dos ditos criadores, não escapam a serem inelutavelmente remetidos para o fim da tabela das classificações. Em parte esta realidade justifica-se pelo facto de os amadores não possuírem a "alta escola" dos criadores, nomeadamente, encartados nas artes de volteio e nos maneirismos de apresentação cinológica. O certo é que por estas e por outras circunstâncias, entre as quais o convívio de comissários de prova, que tantas vezes também são criadores, com os Juízes de prova, os amadores, que não alinham nesses areópagos de profissionais do melhor amigo do homem, acabam por participar cada vez menos. Com efeito, a dita "profissionalização" neste sector é de tal ordem que hoje é até possível contratar um "expert" em desfiles canídeos para passar o cão, deixando os embevecidos donos fora do ringue! Pessoalmente não partilho deste espírito e, no caso do Cão de Fila de São Miguel, lamento o absentismo daqueles proprietários que fazem do fila um indispensável companheiro de trabalho.

Na verdade, o "habitat" natural do fila de São Miguel não são as passerelles das exposições caninas, mas sim os serrados da nossa ilha onde labutam diariamente. A propósito recorde-se que a Fédération Cynologique Internationale classificou o vulgarmente denominado "cão de vacas" na "secção boieiros com prova de trabalho"...o que corresponde efectivamente ao carácter rústico desta nossa raça.

Com efeito importa nunca esquecer que o nosso Cão de Fila é um animal rústico e um cão de gado por excelência, o que não invalida que seja também um excelente guarda de propriedade e um temerário instrumento de defesa pessoal. Ademais, são por norma animais robustos capazes de permanecer ao relento durante todo o ano, cujo domínio territorial asseguram com indómita fidelidade. Ora irascíveis, ora dóceis, são animais que exigem pulso firme. Dotados de grande "inteligência" são facilmente adestrados evidenciando facilidade de aprendizagem na execução de diversas tarefas sempre cumprindo as ordens do seu dono. Por isso mesmo o nosso fila deverá viver junto do dono, a quem obedecerá cegamente, guardando aquilo que lhe foi confiado. Diz-se ainda que mordem normalmente baixo, num reflexo atávico da originária função de pastoreio mas, tratando-se de gado tresmalhado, mordem mais alto. Para o efeito dispõem de maxilas muito fortes, bem desenvolvidas e com boa oposição.

Com estas características os cães de fila passaram também a integrar o catálogo de picardias políticas...como se isso tivesse algo de pejorativo ! Pejorativo seria imputar a determinados "comissários" políticos o perfil de um chihuahua ou o killer instinct de um pit bull...mas isso já seria motivo para outra crónica.

Apesar de o Cão de Fila de São Miguel ser tão polivalente, que admite inclusivamente o seu uso metafórico, o que importa, para além do seu uso aburguesado, é a promoção responsável de um valor assumidamente Micaelense.

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João Nuno Almeida e Sousa, na Edição de 18 de Julho do Jornal dos Açores

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