domingo, julho 23

NA BOTICA DA HISTÓRIA #2

Quando hoje voltei do Pópulo pequeno,com a pele ressequida do sol a prumo, deixei a filhota a ver o Panda e fui para a televisão do outro quarto espreitar o Euronews. Calhou ver a praia de Tiro e de imediato experimentei o desconforto moral que todos os Ocidentais se deviam obrigar a sentir neste momento, onde quer que estejam. Não me considero um escuteiro de esquerda, como aquele rapaz do Bloco que foi passar férias para a Síria, mas a consciência civilizacional não é monopólio de ninguém e, portanto, houve qualquer coisa no fundo de mim que se foi abaixo quando olhei para o litoral da velha Fenícia pontuado por volutas de fumo no ecrã da televisão. Afastei para o lado o prato de meloa com presunto. Não me iria saber bem. Veio-me à cabeça a frase de Rabin que ontem li no jornal: Israel está em guerra desde 1948. Não há dúvida que sim. Quer isto dizer que quando o Estado de Israel foi criado já se sabia que o estado de sítio faria parte, por assim dizer, da sua própria condição orgânica. Quer isto dizer que os responsáveis pela sua criação não fizeram caso do preceito de Emanuel Kant no seu Projecto de Paz Perpétua (1795), que muitos dizem ser o texto inspirador da Carta das Nações Unidas: Nenhum tratado de paz vale enquanto tal se aquando da sua conclusão nele for reservado tacitamente matéria para uma guerra futura.

Sou um homem do Al Gharb, do Ocidente, mas o cordão umbilical prende-me ainda ao Levante mediterrânico e acho que todos nós nos deviamos lembrar disso a cada Dry Martini bebido nestes dias de Verão quando, chegados ao fundo da taça, dessemos de caras com a azeitona. Já nem falo das pessoas, mas das oliveiras bombardeadas. Já nem falo do que dizem os oráculos das relações internacionais nas páginas da imprensa neo-iluminista dos nossos dias, mas do que escreveu há muito tempo T.S. Eliot num dos melhores poemas do século XX, A Terra sem Vida:

Morte na Água

Phlebas, o Fenício, há quinze dias morto,
esqueceu o grito das gaivotas, a ressaca,
os ganhos e as perdas.
Uma corrente sob o mar
separou os seus ossos num murmúrio. Enquanto se elevava e descia,
passou as fases de adulto e de jovem,
entrando no remoinho.
Gentio ou Judeu,
ó tu que voltas o leme e olhas na direcção do vento,
pensa em Phlebas, que foi em tempos alto e belo como tu.

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