segunda-feira, julho 10

Turistas Acidentais versus Turistas Nacionais

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Segue imparável a faraónica obra de regime que oficialmente mereceu o nome Projecto do Terminal Marítimo e Reestruturação da Avenida Marginal de Ponta Delgada e que a propaganda tende a perpetuar com a encantatória promessa de Portas do Mar. Subliminarmente fica a sugestão de que abrimos as portas do nosso mar a valorosos navegantes, predominantemente de origem Viking, no culminar de um ciclo político que viu no turismo o combustível capaz de alimentar a nossa economia. Contra isto nem vale a pena contra argumentar que há vida para além da economia! Na verdade, está instalada entre nós a absoluta insensibilidade com a betonização marítima da nossa Avenida Marginal cuja obra é, como se sabe, capitaneada pela Secretaria Regional da Economia. Esta obra é apenas mais um passo na caminhada para a extinção de um património que, não sendo de ninguém em particular, é de nós todos em geral. Contudo, não há património paisagístico que resista à sanha do progresso e do desenvolvimento. Para quem legitimamente discorda desta opção resta-lhe o libelo acusatório de estar ao lado daqueles que teimam em "falar mal", reafirmando uma vontade de não estar ao lado das pessoas, ao lado da mudança, ao lado da modernidade, ao lado do desenvolvimento?em suma: ao lado do governo, em geral, e ao lado da portentosa Secretaria da Economia em particular. Com efeito o dono da obra assevera que às "Portas do Mar" irão aportar, junto do "Cais Inter-Ilhas" e do "Cais de Cruzeiros", as naus do nosso desenvolvimento, pelo que, qualquer oposição reaccionária a esta onda progressista só pode estar ao lado do obscuro conservadorismo. Porém, continuamos a navegar em águas com preocupantes sinais e escolhos quanto ao êxito da dimensão marítima do nosso turismo.

Desde logo, atentas as recentes vicissitudes da "frota" inter-ilhas efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao futuro da mesma constitui um passe de temerária futurologia. Na verdade, depois do enguiço do "Ilha Azul" parece que o folhetim desta novela, produzida pela Transmaçor em parceria com o Governo Regional, irá continuar com a duvidosa navegabilidade do "Baía de Málaga". Assim, ao invés da promessa de desenvolvimento e da esperança de dinamismo económico no sector, a realidade mostra uma caseira novela trágico marítima cujos cronistas de serviço se esforçam por atenuar com laudatória prosa em louvor do armador, da marinha mercante, e claro está, do Governo Regional.

Quanto ao resto ficamos a cismar expectantes com termo das "Portas do Mar" enquanto terminal de "Cais de Cruzeiros" para luxuosos paquetes recheados de turistas. Contudo, mais uma vez a realidade encarrega-se de assombrar tão resplandecente esperança. Para tal basta observarmos com desassombro o roteiro turístico que, além de uma paragem nos ananases do costume a caminho do pitoresco e recorrente cozido das Furnas, pouco mais acrescenta à nossa economia local?sendo certo que, no final do dia, os nossos turistas acidentais zarpam rumo a outras paragens. Logo, não creio que este turismo seja o maná que nos prometem. Seja como for, e aceitando a inevitabilidade da aposta no sector económico do turismo, importa reforçar a qualidade dos nossos serviços e da nossa oferta especialmente direccionada para o mercado interno. Esta estratégia nada tem de paradoxal se tivermos presente que a grande massa de turismo, que nada deve à forretice e, por vezes, roça o perdulário, está afinal entre os nossos conterrâneos. São estes que por vontade própria, e não por mero acidente de escala técnica ou de roteiro Atlântico, se deslocam aos Açores despendendo para o efeito quantias muito superiores às que deixariam por terras do velho continente Europeu.
Na realidade qualquer cidadão Português que faça a viagem LX/PDL/LX desembolsa cerca de 260 Euros, desde que, na respectiva estada inclua um fim-de-semana, pois, caso contrário, a tarifa sobe para os cerca de 390 Euros ! Acresce que, se adicionarmos a diária de aproximadamente 100 Euros num Hotel mediano e mais cerca de 300 Euros para o rent a car básico, já nem falando dos custos de restauração sobremaneira elevados em relação ao continente, é caso para dizermos que, para qualquer Português, os Açores são um destino de sonho, mas também de luxo! Se ainda assim, cada vez mais, são os nossos conterrâneos continentais que nos visitam, que se aposte no retorno desse turismo Português?nem que seja a bem de instrumentalizar estas ilhas a favor da coesão Nacional.
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João Nuno Almeida e Sousa na Edição de 11 de Julho do Jornal dos Açores

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