Há dias assim.
Há coisas que acontecem e nos fazem pensar que são boas demais para ser verdade.
Recebi estas "notas" e confesso que não me foi possível lê-las até ao fim sem me emocionar (como, aliás, aconteceu com a grande maioria das impressões recebidas sobre a apresentação da nova carta Outono|Inverno no TN).
Tinha que as partilhar e pedi a devida anuência.
"Notas de um sonho…
O dia acordou em tons de outono, com nuvens altas no céu e o magnífico cheiro das manhãs que agora começam frias. Como pano de fundo as árvores do inigualável Parque. A caminho do aeroporto vejo uma lagoa por entre um vale verdejante, pouco depois deixo-me levar pela beleza das montanhas e do mar, ainda a dormir…
Estou a caminho do avião e sinto que ainda não acordei do meu sonho. Penso que dormi cerca de doze horas.
Não demorei muito a adormecer. O ambiente estava quente. As cores, o conforto e deixo-me levar pelas palavras… adormeci a beber um Gin Garden!
E comecei a sonhar…
Dom Perignon Vintage 1996!
A temperatura da sala a subir como a fineza das bolhas do néctar. Quase acordo com os primeiros aromas e com a complexidade, textura e profundidade de sabores.
O quê? Isto é um sonho! Fecho os olhos e deixo-me levar novamente pelos aromas e sabores que sobressaem da idade e do saber de gerações geniais da Região de Champagne.
Et voilá! A primeira surpresa da noite. É um carpaccio? Mas não consta do menu. São boletos do Parque, com azeite virgem extra e flor de sal. Perfeito! Simples, pleno de sabor e frescura, com total respeito pela natureza que ali ao lado cuidou desta preciosidade de outono.
Deseja mais um pouco de D. Perignon?
Pois claro! Estou a sonhar…
A harmonização com os boletos é perfeita, as notas de terra encaixam na perfeição.
Um brinde ao anfitrião e à sua renovada casa.
E volta um cheiro familiar. Estou na velha padaria próxima da casa de férias do meu avô. Não te faz lembrar nada Carlos?
Os sabores a terra e o azeite encaixam na perfeição com as notas vegetais e de gordura do champanhe.
A conversa vai animada, e o Parque é naturalmente o foco das atenções.
Começa então o desfile de sabores que o Chef escreveu e que têm correspondência em frases soltas escritas noutro papel e que para todos nós têm um significado ainda enigmático.
Carpaccio de Beterraba, Puré de Grão e Vinagrete de Avelãs.
Quase perfeito. A frescura dos ingredientes é ligeiramente tocada por um pouco de vinagre que poderia ser substituído por mais quantidade do citrino local.
Para harmonizar continuamos com D. Perignon. As notas cruas ligam com a beterraba... E com todos os restantes elementos do prato. Afinal com que é que champanhe não liga?
Segue-se um ceviche com rúcula. Uma travagem a fundo. Quase acordava do meu sonho. Apresentação a destoar (ou talvez não diz o Henrique...). E para além disso, o excesso de rúcula a seguir a um prato com... rúcula.
E continuamos no néctar francês. Afinal champanhe liga com tudo! Mas nem tudo liga com champanhe... Ou pelo menos com este vintage... Demasiada complexidade e textura para um prato tão simples e fresco.
Aqui um branco, fresco e mineral, funcionava na perfeição. Difícil voltar atrás depois de começar num registo tão alto!
Vamos passar agora para o vinho branco. Continuamos em França?
Não. Montevalle Branco 2009. É um vinho do Douro à base de Viosinho e com um pouco de Rabigato. Não chegava lá... Não muito aromático mas com boa textura e untuosidade.
Partimos agora para um clássico da casa: A omelete. Veio guarnecida com boletos. Novamente? O prato estava fabuloso. Mas a ligação com o vinho nem por isso. Não é problema nem do vinho nem do prato. Simplesmente não se dão... Felizmente ainda tenho um pouco se champanhe no flute. Agora sim! Harmonização perfeita!! A gordura do ovo e o agora familiar sabor dos boletos do Parque são envolvidos pelas bolhas finas e pelo final longo do D. Perignon. Concordas Luís?
O prato seguinte é um regresso às tradições. Caldo azedo com Toucinho Crocante. Uma belíssima surpresa. Prato muito bem reinterpretado, pleno de sabores de outono. Agora sim percebo a escolha do vinho branco. A untuosidade do vinho consegue aguentar-se muito bem com a subtileza do feijão e faz a ponte com o vinagre que refresca o caldo.
E continuo a sonhar... Diga?!
Manuel Campolargo faz grandes vinhos. Extraordinário vinho branco de 2008. Com notas de uma evolução certa, complexo, frutado com um final longo a exigir um peixe forte e com alguma gordura.
E o lírio transformou-se em veja... Que pena! Vamos ver como se comporta o prato com o vinho. Batata e abóbora muito boas, e pimentos um pouco em exagero. Dispostos lindamente num prato fundo, regados já à mesa por um caldo menos bem conseguido. Aguado, pouco sabor a peixe e com falta de sal. Apesar de a veja estar muito bem confecionada, o prato era de intensidade menor do que o vinho e perdeu-se um pouco.
Mas o jantar já é memorável, pelo que os pontos menos positivos não ficam na memória por muito tempo.
E nem podiam!
Entramos já na carne. E que tal um tinto com mais de 40 anos?
Quase que acordava do sonho, tal era o exagero do exercício mental a que estava a ser submetido.
E que linda garrafa magnum... Romeira era o desafio da noite para o prato de carne.
Velhos são os trapos! Uf... finalmente a respirar oxigénio após tanto tempo dentro de uma garrafa. As notas de idade estão lá, no aroma e no sabor. Mas é pouco expectável um comportamento tão cheio de força e personalidade.
Para um vinho com esta história o prato tinha mesmo que ficar para a História. Um entrecosto a baixa temperatura extraordinariamente bem confecionado. Estaladiço por fora e tenro por dentro. Pleno de sabor com notas a alecrim
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Entrecosto assado com crocante de pezinhos e cogumelos,
tarte de cebolas e puré de batata com alecrim |
e acompanhado por um magnífico puré de batata,um croquete de pezinhos e boletos. Em excesso eventualmente a cebola caramelizada. Mas nada que retire ao prato a categoria de melhor da noite, ao nível de um restaurante com estrela Michelin!
A partir deste momento a refeição já é épica, o que quer que de menos bom pudesse acontecer a seguir. Mas tal não era previsível depois do patamar já alcançado.
E os 12 comensais continuam a aventura.
E como sonhar não custa, que tal abrir um Porto Vintage? Pode ser um Ferreira Vintage 1999?
Só não surpreende porque já estava à espera que fosse muito bom. Pleno de fruta madura, boa acidez... De encher a boca!
Agora passamos para os queijos. 3 Santos guardaram bem a tarefa de harmonizar com o Magnifico Vintage. Um prato simples que soube muito bem!
Estamos a chegar ao fim da refeição. Já se anunciam as sobremesas.
Primeiro um Pudim de Queijo Velho S. Miguel com Sorbet de Tomarilho. Este par funciona muito bem. A frescura de um para limpar o palato do excesso do outro elemento do prato. Execução correta num prato que só pecou por não harmonizar com o vinho. Não pelo pudim, mas pelo sorbet que tinha demasiada frescura e acidez para poder equilibrar com a doçura e intensidade do Vintage.
E por fim, a homenagem da noite, ao mestre que ensinou o Chef. Crepe rechedo e flamejado com ananás e gelado. Muito bem conseguido. Pena ser uma sobremesa tão pesada para terminar a noite. A retirar uma, seria a sobremesa anterior. Embora seja natural não harmonizar com um Porto Vintage, a escolha de um vinho licoroso local, que por ser mais seco perde numa boca já com bastante açúcar. Percebe-se se intenção foi cortar precisamente o excesso de açúcar. Resulta o efeito, mas o vinho não sobressai.
E depois desta refeição mítica, vou dormir…
E o dia acordou em tons de outono, com nuvens altas no céu e o magnífico cheiro das manhãs que agora começam frias. Como pano de fundo o vapor da água quente a subir por entre as árvores do inigualável Parque Terra Nostra. Vou a caminho do aeroporto e vejo uma lagoa por entre um vale verdejante, e pouco depois deixo-me levar pela beleza das montanhas e do mar, ainda a dormir… Acabo de sair do Terra Nostra Garden Hotel, no idílico vale das Furnas, na ilha de S. Miguel. Estou orgulhoso e com uma satisfação incontida, por saber que nos Açores já é possível viver uma experiência gastronómica de altíssimo nível, que valoriza os produtos locais e coloca a Região no mapa do que de melhor que se faz no país.
Obrigado ao Carlos Rodrigues ao Chef e a toda a sua equipa! Foi um jantar de sonho…
Filipe Rocha
Novembro de 2013"
Julgo que, naturalmente, o "sonho" do Filipe não se esgota na degustação desta carta Outono|inverno. Aliás, tenho a absoluta certeza que as suas "notas" transbordam esta experiência no idílico vale por, metaforicamente, configurarem a sua visão para o sector.