segunda-feira, outubro 22

"Dura lex, sed lex"… também é assim para o MP

As investigações ao caso Monte Branco levaram o Ministério Público a proceder a escutas ao presidente do BESI, José Maria Ricciardi, e acabaram por o apanhar numa conversa com Pedro Passos Coelho.
Qualquer escuta que seja feita ao Primeiro-Ministro tem de ser validada pelo Supremo Tribunal de Justiça. O Procurador-Geral manda a escuta para o Supremo. Ainda não se percebeu a relevância que aquela conversa especificamente tem para o processo, mas tudo bem… digamos que o Procurador fez o que tinha a fazer.  
O problema é que tudo isto acaba em mais uma vergonhosa violação do segredo de justiça e a mais um julgamento inadmissível fora dos tribunais. A suspeita está instalada novamente e o julgamento na praça pública em curso. As notícias são parcelares e a conta-gotas e coze-se em lume brando mesmo quem aparentemente nada tem que ver com a questão.
Nunca seria bom defensor de Passos Coelho, mas a defesa do Estado de Direito obriga quem tenha bom senso a exigir que este tipo de coisa acabe de uma vez por todas. Pena é que o Primeiro-Ministro não faça esta defesa do Estado de Direito e prefira apenas defender-se a sí próprio. Foi o que fez ao pedir a divulgação das escutas, não se importando com a correlativa violação de direitos dos eventuais arguidos escutados em conversa com ele (e eu estou longe de morrer de amores por aquele tipo de magnatas…), patrocinando assim também ele a descredibilização do processo e da justiça em geral. Acho (humanamente) compreensível que Passos Coelho o faça, mas não posso aceitar (institucionalmente) que o Primeiro Ministro não cumpra o seu papel.  
Paula Teixeira da Cruz anunciou o “fim da impunidade dos poderes instalados”. E a impunidade da Justiça? Esta é que lhe incumbe em primeira linha, porque é pressuposto da sua autoridade! Uma Justiça que não consegue evitar que os seus operadores violem o segredo de justiça, a lei e a Constituição, que nunca apanha os responsáveis e que nunca consegue minorar os danos comunicacionais que se vão paulatinamente produzindo, não é uma Justiça na qual se possa confiar.
Do lado dos visados, mesmo que tudo se venha esclarecer processualmente, ficam entretanto sujeitos às fontes anónimas da justiça, sem qualquer protecção, nem direitos e à mercê das eventuais selecções informativas da comunicação social. Do lado da acusação, descredibiliza-se mais um importante processo de corrupção e lavagem de dinheiros e com ele – mais uma vez – o próprio sistema de Justiça.
Isto não pode ser. Isto não pode continuar.
Joana Marques Vidal – a nova Procuradora Geral da República - tem ai a sua prova de fogo: Comporta-se como os seus antecessores ou faz diferente? E a fazer diferente, como é que faz? Deixa continuar a impunidade no Ministério Público ou protege os cidadãos de uma Justiça impune? Credibiliza o sistema ou deixa que olhemos para ele como uma brincadeira de rapazes?

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Couto
Estou totalmente de acordo consigo e penso que, como até aqui, as fugas de informações têm beneficiados os prevaricadores e putativos arguidos...
Mas duma realidade não nos podemos livrar é que em Portugal ninguém importante vai preso, mesmo que seja condenado(excluindo as ínfimas, excepções que confirmam a regra) ...
Mas pior do que isto é usar-se e abusar-se das escutas telefónicas, como se não houvessem outros meios e instrumentos(e se não, deviam se criar)de prova mais de acordo com a legalidade democrática.
Faço saber por exemplo que se a declaração de rendimentos dos políticos fosse mais efectiva e controlada, outro conhecimento se teria, é Paulo Morais que diz que a assembleia da Republica é lugar de traficância e corrupção, se assim é(e se não for, que se puna por falsas declarações)porque não há um controle destas atitudes que lesam o Estado?
A justiça está conformada a condenar o pequeno delito(há casos de furtos de alimentos insignificantes)e deixar de fora quase todos os casos significativos relativos a crimes de "colarinho branco".
Uma verdadeira reforma na justiça, não interessa aos poderes politico e económico deste País, a única coisa que se tem feito é gerir as contradições e os interesses dos diferentes grupos de poderosos no sentido de se servirem as suas pretensões do momento.
Parabéns pelo post, saudações
Açor

José Couto disse...

Concordo em absoluto com o que disse sobre o "usar-se e abusar-se das escutas...", Açor. A verdade é que a falta de outros meios leva ao uso de meios mais agressivos aos direitos fundamentais... E isto é um perigo!
Notícia recente: http://www.publico.pt/Pol%c3%adtica/pgr-abre-inquerito-a-violacao-do-segredo-de-justica-no-caso-monte-branco-1568321 A julgar por aqui, temos Procuradora!!! Foi expedita a abrir o inquérito (nota muito positiva)... espero seja eficaz a encerrá-lo.

Anónimo disse...

Sejamos honestos:

Se o PM não tivesse solicitado a divulgação das escutas teria sido certamente confrontado com a acusação de ocultação (à lá Socrates). Este é um risco político que o PM não pode correr.

Convém recordar que o PM não violou o segredo de justiça.

Tudo isto parece indicar que neste nosso país o segredo de justiça é uma miragem e que o estado está completamente partidarizado. Ou seja, o estado parece ser pouco mais do que um instrumento nas mãos de interesses partidários que se digladiam no seu interior, destituindo o estado de direito de credibilidade e autoridade.

Passos envolvido num drama Sócretino seria uma verdadeira benesse para o PS.

Há que ler entre as linhas.

Um outro caso curioso.

Na GB, um apresentador televisivo famoso da BBC, foi acusado de inúmeros actos de violação e abuso de jovens candidatas aos programas da BBC. Aparentemente, outros altos cargos da BBC também se envolveram no vergonhoso forobodó libidinoso. Durante anos, alguns altos funcionários encobriram o sucedido. Um dos mais prestigiados programas de jornalismo de investigação da BBC (News Night, Jeremy Paxman) iniciou uma investigação deste complicado caso (BBC a investigar a BBC). A investigação foi suspensa e não se sabe quem a suspendeu. Algum tempo depois, a equipa de investigação de outro prestigiado programa, Panorama, investigou a suspensão da investigação pelo prog News Night (mais uma vez, a BBC a investigar a BBC). Um doc da bbc sobre um outro doc da bbc. Remarkable, sem dúvida. Vejam as notícias de hoje na BBC!! Um belo exemplo de integridade!!

O New York Times foi o único outro media a investigar-se a si próprio até aos dias de hoje (tanto quanto sei).

O que falta em Portugal são bons jornalistas de investigação (até estes foram partidarizados????) e um público exigente.





Carlos Rodrigues disse...

Caro José Couto,
A verdade, com PM ou sem ele, é que a "Justiça à Portuguesa" é uma sequela muito melhor do que a casa dos segredos.
Compreendo o desencanto dos jovens que, de uma forma ou de outra, com ela se vêm a braços, todos os dias.
Abraço.

José Couto disse...

Caro Anónimo

A primeira coisa que lhe quero dizer é que a mim não me interessa – sinceramente, com a honestidade que o meu caro pede – se o visado se chama Passos Coelho, José Sócrates, Roger Rabit ou Carochinha… Não contarão comigo, aqui no :ilhas ou em qualquer outro lado, para partidarites agudas ou sectarismos, que só enviesam as discussões que se pretendem fazer. A mim interessa-me discutir assuntos, princípios e comportamentos… não pessoas em concreto e muito menos julgá-las pelo seu posicionamento no espectro partidário.

Não tenho dúvidas que o PM não violou o segredo de justiça. O que disse foi que ao pedir a divulgação da escuta que lhe foi feita (coisa que eu humanamente compreendo – repito!) implicaria a divulgação de matéria da investigação que se encontra em segredo de justiça. E encontra-se em segredo de justiça pra proteção da investigação e do próprio suspeito/arguido com quem ele conversava na dita escuta – é assim num Estado de Direito que o PM também está constitucionalmente mandatado a defender (pelo menos teoricamente). Foi só isto que quis dizer relativamente a esta matéria…

Mas o problema fundamental é justamente o que o meu caro apontou: a escutas não chegam para condenar ninguém, mas chegam para fazer política partidária através de meios policiais! Deixar que a investigação criminal fique ao serviço de intentos político-partidários é pernicioso, perigoso e eu tenho medo de viver num país assim.
E tem sido, de facto, este o lamentável cancro da investigação criminal nestas situações… Se o MP não põe cobro a esta situação temo muito pelo futuro.
Cumprimentos

José Couto disse...

Caro Carlos Rodrigues,
É VERDADE!lol Imagine o que seria ter o Marinho Pinto, o Noronha do Nascimento, o Pinto Monteiro e, já agora, a Paula Teixeira da Cruz todos na mesma casa… um mês… ia ser giro. Lol
Agora a sério… A verdade é que a quantidade de escutas que se praticam em Portugal a propósito da investigação criminal mais simples é assustadora (isto não acontece só na chamada criminalidade complexa… como deveria acontecer) e faz com que de facto vivamos todos num país que não é mais que uma grande “casa dos segredos”
As escutas passaram a ser uma forma banal de investigar. E não são! Estamos a falar de um meio de prova extremo e absolutamente excepcional, justamente por ser demasiado agressivo para os direitos fundamentais.
A prova da trivialidade com que tudo isto acontece é a facilidade com que "acidentalmente" se apanham conversas com primeiros-ministros… Das duas uma: Ou os Primeiros-Ministros portugueses só têm conversas com tudo o que é marginal de topo no país, ou então fazer recurso deste meio de escuta é o pão-nosso-de-cada-dia da nossa investigação criminal. Quero, por todas as razões (e também, já agora, da minha curta experiência na matéria), inclinar-me para a segunda hipótese…
Colocando tudo e todos sob escuta (políticos ainda por cima, que é gente que gosta de se proteger), sem especial critério ou cuidado, e ainda por cima deixando que elas cheguem ao jornais, só dará lugar ao seguinte argumento: Se o Ministério Público e a Polícia Judiciária não conseguem manter em segredo as escutas que fazem, então tem de se lhe retirar o poder de as fazer, ou, pior, de as fazer a algumas pessoas.
E eu, que sou um garantista convicto, sou obrigado a colocar-me do lado dos que já defendem esta solução, mesmo consciente que nunca mais nenhuma criminalidade complexa (crimes de colarinho branco, tráfico, terrorismo…) serão investigados neste país…
Por isto é tão importante que o MP se ponha a pau e responsabilize, de uma vez por todas, quem tiver de responsabilizar. Antes que se resolva por decreto a incúria que os operadores judiciais e os seus dirigentes tiveram até aqui.
Abraço,

Anónimo disse...

Caro José Couto

Explicar e compreender é uma coisa.

Justificar é outra.

Eu não pertenço a partidos e jamais procuraria pessoalizar a crítica. Apenas tentei compreender o que fez o PM.

O facto é que a política/estado em Portugal É PESSOALIZADA. Toda a política é inevitavelmente pessoalizada. S

Compreender a pessoalização da política e defende-la são coisas distintas, como certamente perceberá.




José Couto disse...

Percebi, como é óbvio. Tentei foi explicitar o que achei que eu próprio podia não ter deixado claro. ;-)

Anónimo disse...

Ah, ok, afinal foi um exercício de auto-clarificação através de outrem. Muito interessante. :)