sexta-feira, março 26

Desafios de futuro e outras utopias *

«Os verdadeiros artistas criam produtos»
Steve Jobs, citado por António Câmara

«(...) O nosso ambiente é favorável à experimentação de ideias novas.
Sendo as ideias um elemento determinante da economia do conhecimento,
nada nos impede assim de realmente competir.»
António Câmara, Expresso

Nos Açores, passados 30 anos de poder autonómico, mantém-se a luta por fazer diminuir as dificuldades contidas na descontinuidade territorial e, nessa medida, pelo garante das acessibilidades primárias.

Apesar do muito que já foi feito, persistem diversos constrangimentos.

Antes batíamo-nos por necessidades essenciais; hoje, as lutas estão na busca continuada pela elevação dos padrões de conforto. Ainda bem que assim é. Desde a entrada de Portugal na União Europeia, foi trilhado um longo caminho na justa aplicação dos incentivos financeiros, sendo que, nos Açores, estes foram e têm sido canalizados para a edificação de necessidades básicas inerentes a um território descontinuado, cujo investimento nem sempre é mensurável.

Os desafios do futuro desenvolvem-se com as pessoas de hoje.

Nesta medida, o incremento da qualificação da sociedade açoriana, seja por via do ensino regular, do ensino profissional ou pela certificação de competências, é a base para o desenvolvimento futuro. Combater a iliteracia e o abandono escolar são prioridades. Nunca como agora se batalhou tanto nesta luta, por vezes inglória, em torno da educação. E não podemos ignorar que o ponto de partida nos é desfavorável, com valores baixos e desiguais. Os dados estatísticos respondem por si.

Persistem comportamentos marginais em determinados sectores da sociedade açoriana. Os mais precários são, por regra, aqueles que resistem à mudança. Há melhorias, mas a marcha não é, ainda, a melhor. O progresso operado tem recuperado alguns indivíduos dados como “perdidos”. Existem, obviamente, casos de sucesso, mas temos de trabalhar para que a escola seja, naturalmente, parte integrante do projecto de vida de parte importante da população, pelo que o combate ao abandono escolar em detrimento de uma empregabilidade juvenil, pouco especializada, mal paga e com uma reduzida perspectiva de futuro, será uma das lutas importantes a travar neste tempo de futuro.

A par deste desiderato, somos habitualmente confrontados com o facto de os Açores serem considerados um laboratório natural pelas condições naturais que os assistem, quer em terra, quer no oceano, quer pela inconstância dos fenómenos naturais que os distinguem - factores que podem e devem ser potenciados junto das comunidades científicas. Neste campo, a Universidade dos Açores deverá desempenhar o papel principal, quiçá mais expedito, procurando parceiros conceituados e de renome, aliando a pesquisa e a investigação a factores endógenos, à medicina e às alterações climáticas, explorando desafios e posicionando-se no mercado global; escolhendo a especialização por áreas científicas e tecnológicas associadas às energias renováveis, nomeadamente à geotermia, em detrimento de áreas com menos expressão laboral e cujos constrangimentos se têm feito sentir. Com isto não pretendo dizer que a Universidade deva abandonar as suas áreas “tradicionais”, mas tem de assumir algum carácter pragmático com vista à sua “viabilização” e dos seus três pólos, transformando-os em domínios dinamizadores, que sirvam a Região e a façam posicionar-se internacionalmente como um veículo de conhecimento e, localmente, como um factor de impulso ao desenvolvimento. Este parece-me ser o grande desafio da própria universidade e da resposta que for dada dependerá a sua subsistência futura.

Temos ao nosso dispor características endógenas propícias à produção de energia renovável, seja ela de natureza hídrica, eólica, das ondas ou geotérmica. Em 2009, a produção de energia eléctrica com base em renováveis atingiu os 26% do total produzido nos Açores. O Projecto “Green Islands” promovido MIT Portugal tem como objectivo transformar o arquipélago numa região "mais sustentável" e que tenha pelo menos 75% a 80% da sua electricidade fornecida por recursos renováveis, até 2018, de modo a torná-lo num "alvo de atenção internacional".

Este objectivo é, a meu ver, substantivo. O exemplo, desta mudança energética em curso, são as ilhas das Flores e de São Miguel, cujo peso na produção de renováveis atingiu, em 2007, os 54% e os 47%, respectivamente, sendo que, em 2009, a ilha das Flores conseguiu obter 12 dias de energias 100% verdes.

O desafio energético é um dos maiores em termos globais e em locais dispersos e remotos, como os Açores, é quase inevitável e é algo para o qual devemos focalizar as nossas atenções, com claros benefícios económicos e ambientais, para além de viabilizar a “autonomia” de determinadas ilhas, que são vítimas de contingências circunstanciais, que, por vezes, diminuem a qualidade de vida de quem as habita.

Para além da importância estratégica, da auto-sustentabilidade energética, a par das classificações recentes da UNESCO, como reservas da biosfera e património da humanidade, devemos cultivar a preservação da biodiversidade e “explorar” as mais-valias turísticas que daí possam advir e usufruir da notoriedade de um local exclusivo e ímpar.

Numa economia global há que competir de igual para igual, por isso temos de compreender onde nos inserimos, olhar muito para além da linha do horizonte, retirar de nós próprios aquilo que melhor produzimos, de modo a não nos deixarmos cair na tentação de cobiçarmos o que é mais óbvio e aquilo que não nos diferencia.

Estes são, na minha modesta perspectiva, alguns dos maiores desafios que se colocam aos Açores no limiar deste novo século. E que passam, também, por examinarmos as idiossincrasias que nos distanciam, mas que são elas próprias a nossa melhor riqueza. Por medir os critérios de desenvolvimento, não pelo número de obras a concurso, mas sim por aquelas que são fundamentais. Para que equívocos do passado não se repitam.

O futuro destas ilhas passará, acredito, inexoravelmente pela competitividade, por critérios de qualidade e pela diferenciação – e, sempre, pela riqueza da herança cultural do seu património edificado e pessoal, mantido pela valorização continuada dos açorianos e dos que escolhem os Açores para viver.

Alexandre Pascoal, Fevereiro 2010


* Contributo publicado na edição comemorativa dos 20 anos do Jornal 'Expresso das Nove'

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