THE KING OF COOL
MILES DAVIS 1926/1991
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«Prince of Darkness», «King of Cool», «A musical Picasso», «a Jazz Milestone» MILES DAVIS (1926/1991) foi tudo isso e muito mais. Um verdadeiro ícone do Sec. XX. Recordo incessantemente o meu primeiro encontro com o «som» de Miles. À data era eu ainda um neófito nos sons do Jazz quando descobri Miles Davis por interposta pessoa, neste caso também ele um mestre venerável e que dá pelo nome de Julian Cannonball Adderley. Este, com Miles Davis, liderou em 1958 uma gravação histórica para a editora Blue Note que justamente mereceu o título «Something Else». Ter como rito de iniciação ao Universo de Miles Davis a audição deste CD, em especial do standard «Autumn Leaves», não pode deixar de ser uma benção.
Miles Davis foi nado e criado numa família burguesa de Alton Illinois, crescendo em East Saint Louis, no Missouri, na outra margem de Saint Louis. Sendo filho de um dentista abastado não seguiu as pisadas do pai, mas foi um cliente deste, professor de música lá da terra, que lhe ensinou o básico do trompete e da forma das pautas de música o que, como se sabe, veio a ter pouco préstimo no futuro. Na década de 40 ruma a Nova York para ingressar na Juilliard School of Music, mas gastou o que tinha e não tinha à procura de Charlie Parker com quem chegou a tocar nos clubes da Rua 52, com especial destaque para o mítico Birdland. Assim, iniciou a sua carreira de trompetista ao integrar o quinteto bebop de Charlie Parker, sendo sideman deste mito do Jazz que foi amplamente superado pelo seu discípulo.
O enfadonho e conservador background do jovem Miles não fazia prever o génio do mesmo, mas talvez explique porque Davis sempre se recusou, mesmo no apogeu do Black Power, a circunscrever a sua música num gueto étnico; inversamente é hoje comum aceitar-se a música de Miles Davis como uma obra Universal.
Em 1959 grava para a Columbia Records o álbum «Kind of Blue», uma obra-prima da música contemporânea, inaugurando um estilo que se convencionou apelidar de modal Jazz e cuja expressão máxima foi atingida por Bill Evans. Foi com este aliás que também gravou o celebérrimo «Kind of Blue», álbum revolucionário não apenas musicalmente, mas também em termos sociais, sendo pioneiro na ruptura do apartheid vigente na indústria da música porquanto, até então, nenhuma das majors tinha gravado e editado uma obra «mista».
Miles Davis não só criou o modal Jazz como também engendrou o cool Jazz («Birth of the cool» remonta a 1957 sendo nesse ano editado pela Capitol Records) e, mais tarde, abriu caminho ao Jazz de fusão com um belo e intenso álbum que dá pelo nome de «Bitches Brew». Este álbum de 1970, editado pela Columbia, é hoje um verdadeiro case study pois foi nessa gravação que Miles inaugurou o uso de efeitos electrónicos e de inúmeros malabarismos de estúdio próprios de uma época em que o psicadelismo era o dernier cri da moda pop.
Confesso que «Bitches Brew», estando nos antípodas de «Kind of Blue», deve ser consumido com moderação, mas quando há apetite para ouvi-lo é dia de festim para os sentidos. Esse festim, que foi retomado em gravações posteriores, suspendeu-se em 1975 quando Miles resolveu colocar-se no limbo por cinco anos...até regressar para o último período da sua carreira.
Com algum consenso é possível «arrumar» a carreira e obra de Miles Davis em 7 Períodos: o primeiro que vai de 1945 a 1947 é o de tirocínio como «sideman» (especialmente de Charlie Bird Parker) ; segue-se o período das sessões de «Birth of the Cool» que vai de 1948 a 1950 e que, no essencial, traduz-se num amansar do bebop dominante; o terceiro período, de 1950 a 1953, é tido por ser o «lost period», mas de facto, a par de problemas pessoais, Miles explorava novas linhas para a sua música; entre 1953 a 1955, no quarto período da sua carreira, redefine a sua música e com John Coltrane cria o género pujante e urbano do «hard bop» ; de 1955 a 1966 é o tempo da excelência de quintetos e sextetos com Coltrane, Adderley, Herbie Hancock e Wayne Shorter; de 1969 a 1975 temos a fase da fusão ou «jazz-rock»; o último período compreende-se com o «comeback» de 1980 a 1991 e é a fase de namoro com a música pop e o «hip-hop».
Um sortido discutível de toda esta obra está disponível no CD «The Essential Miles Davis».
Mas nem tudo foram rosas nos 65 anos deste ícone do Sec. XX. À margem dos problemas pessoais prefiro sublinhar o desastre das últimas gravações, como por exemplo, «You´re Under Arrest» (de 1985) nas quais, mais do que um desvio de estilo, temos um Miles Davis abastardado e vulgar fazendo covers de «Time After Time» de Cindi Lauper e de «Human Nature» de Michael Jackson (ambas inclusas na sofrível Colectânea «Miles Davis Love Songs» da Columbia).
Para a posteridade deixou um legado de um fraseador único com uma tonalidade lisa e sem vibrato no trompete que foi sempre a sua imagem de marca. Deixa-nos ainda uma obra-prima que é intemporal pois «Kind of Blue» é daqueles discos que se ouvem sempre com renovado prazer. Com assombro podemos sempre partir em busca de novas aventuras com Miles Davis cuja discografia ronda os 143 álbuns ! Hoje, por divina coincidência, e via Amazon.com, recebi «In a Silent Way», uma obra que desconheço mas que vinha com a insuspeita recomendação de António de Sousa numa velha Edição da revista :Ilhas.
Após um acidente vascular cerebral Miles Davis faleceu em 29 de Setembro de 1991.
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JNAS na Edição de hoje do SARL do Jornal dos Açores
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