Tudo
começou com uma nota. Uma nota supostamente falsa usada por George Floyd para
pagar um maço de cigarros. Uma mera nota de vinte dólares americanos que gerou
desconfiança num funcionário de um supermercado em Minneapolis e valeu um
telefonema para o 911. Cumprimento das regras, excesso de zelo, policiamento de
costumes (Floyd estava alcoolizado) ou comportamento racista, que importa agora? A
queixa nunca deveria ter sido feita, desculpou-se Mahmoud “Mike” Abumayyaleh,
dono da Cup Foods, quando o caos rebentou. Too late. Não há como
não pensar na enorme disparidade entre causa e consequência. Não há como não
pensar na estranheza desta história e na longa fita que tem por desenrolar. Sem
desculpas ou atenuantes para Derek Chauvin, expulso da polícia, detido para
julgamento, acusado (e bem) de homicídio, podemos questionar coincidências e
desenvolver teorias. Padecerá o infame polícia de chauvinismo, honrando assim o
seu apelido? Se assim for, como enquadrar o casamento com Kellie May, nascida
no Laos e refugiada na América, que sobre ele disse “Under all that uniform,
he’s just a softie,” quando ganhou o título de Mrs. Minnesota em 2018? Existirão
antecedentes de conflito laboral no trabalho extra partilhado por Chauvin e
Floyd durante quase 20 anos no El Nuevo Rodeo Club, um espaço de
animação nocturna especializado em Música Latina? Parece um argumento de
Hollywood, mas é o background bizarro destas personagens no olho do
furacão. Seja qual for o enredo, nada justifica o assassinato de George Floyd.
Nada justifica também a sua reprodução ao vivo e a cores nas televisões de todo
o mundo e nas redes sociais. A morte em directo tornou-se uma banalidade. Um
incentivo à indiferença ou ao ódio, mais do que à consciência social. Anestesiados
e deprimidos por tanta (des)informação, manipulados até à exaustão, perdemos o
foco do essencial: «all men are created equal». Foi preciso um hashtag
na net para nos lembrarmos disso.
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