segunda-feira, junho 4

O Estado de excepção constitucional

Segundo a análise do Conselho das Finanças Públicas, os funcionários públicos são os mais penalizados pelo esforço de ajustamento orçamental que o Estado vai fazer até 2016: entre 2010 e 2016 o contributo da redução das despesas com pessoal, para a diminuição do défice orçamental, atinge 39,6%, um valor que é superior ao peso da receita fiscal. Na prática, em apenas sete anos, o salário dos trabalhadores da Administração Pública cai quase 40%.
Falta dinheiro ao Estado? Falta. Temos um problema gravíssimo de finanças públicas? Temos. Só se pode resolver o problema desta maneira? Não.
Por muito que Medina Carreira o negue, o Estado de Direito tem regras, mesmo em tempo de crise. Não se suspende a Constituição, nem a Democracia, nem o Estado de Direito.
A mim ensinaram-me que o património das pessoas só pode ser objecto de incorporação no património do Estado por vias legítimas. E elas são o imposto, a nacionalização ou a expropriação. Não é possível ao Estado dizer: vou deixar de pagar a este meu servidor, funcionário ou pensionista.

Por força de uma relação de emprego público, aquela pessoa tem um crédito em relação ao Estado, que é resultado do seu trabalho. Quando o Estado retém estas quantias, o que o Estado está a fazer é a apoderar-se do crédito daquela pessoa. Há aqui uma apropriação desse dinheiro, que configura um confisco: isso é ilegal e inconstitucional. Chamar-lhe coisas como “imposto extraordinário” é mera terminologia. Qualquer dia o Governo lembra-se de decidir que as famílias com dois carros vão ter de entregar um. A situação é a mesma. Ficar com um carro de um cidadão ou ficar com o seu dinheiro é igual.
Dir-me-iam, mas não há mesmo excepções? Não há situações em que os direitos das pessoas possam ser comprimidos ou suspensos durante algum tempo? Há. Mas eu só conheço duas: o estado de emergência e o estado de sítio. Acontece que o estado de sítio ou o estado de emergência “só podem ser declarados nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública”. Não é o caso. Mas mesmo que fosse, teria de ser declarado. Não foi. E não o tendo sido, o Estado continua sujeito ao respeito integral pelos direitos dos cidadãos.
Mas, ok. Admitamos que estamos num “estado de excepção constitucional”, não expressamente previsto: uma espécie de estado de necessidade do Estado. Acontece que em todas as situações de “estado de excepção constitucional” os poderes públicos estão, ainda assim, obrigados a parâmetros mínimos de constitucionalidade, designadamente a princípios estruturantes de um Estado de Direito, como sejam a igualdade, a proporcionalidade e a justiça. Não é, pois, mera retórica que a repartição dos sacrifícios em crise (e fora dela) tenha de ser obrigatoriamente justa e equitativa. Trata-se de um parâmetro de validade jurídica da actuação dos poderes públicos.
Acontece que nem por aqui os cortes nas remunerações dos funcionários públicos e pensionistas se salvam. Estas são remunerações a que quer uns quer outros têm contratualmente direito: uns como contra-prestação do seu trabalho e outros porque descontaram. Para que tais cortes fossem possíveis era necessário que o Estado cortasse proporcionalmente em todas as remunerações de toda e qualquer relação contratual que tivesse. Não obstante, este Governo apenas corta nas remunerações contratuais dos funcionários públicos e pensionistas e nem pensar em cortar nas remunerações contratuais, por exemplo, das PPPs. Ora, o Governo usa uma medida para trabalhadores – o saque; e outra para os grandes grupos económicos com quem contrata – a cabeça na areia. Uma espécie de Robin Hood ao contrário: tira dos pobres para dar aos ricos. Mas se isto fosse apenas reprovável do ponto de vista político tínhamos nós de nos amanhar, porque a democracia gera Governos destes. Mas não é só isto. Se se opta por cortar apenas nuns e nunca noutros, o problema não é meramente político é também JURÍDICO, pela simples razão que não trata todas as remunerações contratuais com o Estado da mesma forma (qualquer pessoa percebe isto… até o ex-deputado do PSD e eminente constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia).
E isto é tão mais grave quando o Governo para proceder a cortes nas remunerações contratuais dos funcionários públicos e pensionistas teve de lançar mão de uma alteração legislativa (de muito duvidosa constitucionalidade como atrás se demonstrou) e para alterar contratos como os das PPPs nem teria de o fazer. Na verdade, para proceder a cortes nas remunerações contratuais das PPPs bastaria aplicar o mecanismo da “modificação unilateral do contrato por razões de interesse público e/ou alteração das circunstâncias” expressamente previsto na lei para este tipo de situações, possibilidade que o contraente privado conhecia no momento da contratação e que, naturalmente, fez repercutir o risco inerente na sua proposta inicial de preço (esta é, aliás, uma das razões pelas quais os preços praticados para as entidades públicas são mais onerosos que os praticados entre entidades privadas, pois há um conjunto de prerrogativas unilaterais que o contraente público tem que na contratação entre privados não se verificam).
Não tenho dúvidas que um Estado de bem tem a obrigação de pagar a todos os seus credores. Mas… Se não tiver possibilidade de pagar tudo, também não tem o direito de dizer que paga a uns e não paga a outros. Esta é a questão. O Estado não tem direito de dizer que paga aos seus credores internacionais, aos seus credores das parcerias público-privadas, aos credores que defraudaram os depositantes no BPN e no BPP, mas não paga às pessoas que trabalham no sector público.

Por isso não me venham com o discurso da inevitabilidade… Não tem de ser assim nem técnica, nem politicamente. Não deve ser assim. Pode e deve ser de outra maneira.

25 comentários:

acmoscatel disse...

Claro, explícito e elucidativo. Belíssimo texto que nos explica legalmente o que ilegalmente se faz. Gostei de ler.

Carlos Rodrigues disse...

Caro José Couto,
Seja bem-vindo ao :ilhas
Cumpts,

José Couto disse...

Obrigado, Ana Cristina.
Eu é que agradeço por me receberem nesta casa, Carlos Rodrigues.
Abraços aos dois

José Couto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Caro José Couto

Se o estado não pagar aos seus credores internacionais não terá à sua disposição fundos para pagar aos funcionários públicos. É tão simples quanto isto.

Ou seja, estamos a falar de prioridades completamente distintas. Faz todo o sentido que o estado tenha como prioritários os pagamentos aos credores internacionais.

Este seu argumento é mais político do que económico e não faz qualquer sentido porque assenta numa premissa manifestamente falsa: de que existem fundos para tratar todos por igual (PPP's, funcionários públicos e credores internacionais)

Cumprimentos

Anónimo disse...

Quanto ao estado de excepção, não tenha a menor dúvida: é precisamente isto que estamos a viver.

Anónimo disse...

Os últimos dois comentários foram da minha autoria.
Z=Ezequiel

Anónimo disse...

Perdoe-me a ironia:

Já tentou pagar uma dívida com um parecer jurídico??? lol

Z

Anónimo disse...

Só + 1 nota, caro José Couto:

seguindo a sua lógica:

quando o estado dispôs de fundos para tratar todos por igual (socrates) não o fez (favoreceu, por exemplo, as administrações das PPP's com salários exorbitantes)

deverá Socrates ser juridicamente punido por não ter aplicado este seu sacrossanto principio constitucional da igualdade????

ezequiel

Anónimo disse...

Para que tais cortes fossem possíveis (era) SERIA necessário que o Estado cortasse proporcionalmente em todas as remunerações de toda e qualquer relação contratual que tivesse.

---
uuufa

Vitor,

retiro o que disse.

não foi em celorico de bastos que esta malta aprendeu a escrever.


como é que é possível?????????????

Anónimo disse...

Estas cabeças chocas ainda não perceberam que esta é um guerra promovida pela banca americana e alemão, que pagam juros aos seus clientes inferiores a 1,5% e cobram aos países em desgraça, 7%, 8; e até 12%.

Eu, se fosse banqueiro alemão, para além de levar Merkel num andor, dava fogo à festa, para aumentar os lucros.

Anónimo disse...

cobram juros altos porque os nossos governantes iluminados contraíram dívidas de alto risco.

além de as contraírem, nem sequer se preocuparam em aplicar de forma rigoroso os fundos que obtiveram.

foi derrapagem em cima de derrapagem (de dezenas e centenas de milhão, por projecto)

não nutro especial simpatia pela merkel ou pelos banqueiros mas a verdade fomos nós que nós colocamos a jeito, como se diz em celorico.


já ninguém se recorda dos inúmeros avisos de bagone felix e de manuela "laca" ferreira leite? será a memória histórica do povo português assim tão selectiva e curta?

já não se recordam de como ferreira leite foi ridicularizada pela oposição e até por membros do seu próprio partido????

Anónimo disse...

errata:

de forma rigorosA...

Anónimo disse...

"Pode e deve ser de outra maneira."

---

Explique lá! Qual é a "outra maneira"?

Anónimo disse...

Caro José Couto
Antes de mais, quero felicita-lo por estar no ilhas, mostrando toda a sua qualidade e partilhando connosco.
O seu Post é uma pedrada no charco no Ilhas e na realidade Nacional.
Já muitas vezes tinha comentado(sem a sua qualidade)no mesmo sentido que este belíssimo e acertado post.
Palavras para que esta tudo dito e não vale a pena comentários(a medo) a considerar que não há nada a fazer, mas não esta politica serve para pagar, por duas ou mais vezes aquilo que nos impuseram(mesmo que digam que não, são submarinos e PPPs a contento dos interesses capitalistas internacionais, são Aviões para servir a Nato, são muito mais compromissos, que o comum dos Mortais não observa mas que existem( sem falar nas responsabilidades politico criminais de muitos políticos , como Sócrates e não só),basta ver que esta trance de 4 mil milhões de euros é só para pagar juros.
Tanto havia que dizer, mas o autor diz diz de forma mais acertada.
Parabéns por esta lufada de ar fresco no Ilhas, seja bem vindo.
Saudações
Açor

Anónimo disse...

Este Açor está a caminho da liderança do PDA.

O seu futuro é glorioso, tal como o das galinhas do Benfica-

Anónimo disse...

Eu, se fosse banqueiro Aleman, começava a rezar....

MILHAFRE disse...

No fundamental concordamos com o teor do post da autoria do novo colaborador do :Ilhas, Sr. José Couto.

O estado de excepção à Lei Constitucional é muito mais vasto do que o referido no post.

Portugal hoje, não é um estado de direito e falar em justiça e igualdade dos cidadãos perante a lei, é uma autêntica anedota.

A tudo isto o PR está calado e bem calado, ele que «jurou» defender a CRP!

Se fosse qualquer ousadia legislativa e política vinda dos Açores e dos seus Orgãos de Governo Próprio, imediatamente o vigor da Constituição cairia sobre nós e alguém arranjaria algum pintelho constitucional para nos tramar.

De facto vivemos num país onde a miséria moral campeia (Balsemão dixit) e onde a Lei é mais torta do que um rabo duma porca!

Saudações Açorianas,

Milhafre

Anónimo disse...

tá lá, é o inimigo!?!!?!?


http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=TfsS3kQzk3U&NR=1

PS: concordamis em quê, V. Sumidade???

você está a precisar de óculos, ó Açor.(já os tem, mas precisa de um upgrade)

Anónimo disse...

emme isso é um estade de excezan

Anónimo disse...

Açor

se você se atrever a citar aquela persona indiscritível que dá pelo nome de Pinto Balsemão...

não sei

não sei

acho que lhe atiro para um poço sem fundo!! sem óculos!!

o homme que se diz indignado com o escândalo das "secretas" é um grande mago lui meme...

é um fasciszoide de primeira.

Anónimo disse...

Caros anónimos
Reparo que perante o apagar dos comentários "indesejáveis" escolheram outra estratégica, estão no seu direito, mas não pensem que esta ou outra, táctica, me farão ser quem não sou!
Dito isto, não tenho nem nunca tive simpatia por Pinto Balsemão, isto não me impede por um lado, de não reconhecer(seja a quem for)de me condicionar sobre aquilo que digo ou não digo, ou de atacar as atitudes erradas e ilegais seja contra quem forem, seja como for o texto não fala nas secretas, a seu devido tempo, direi o que penso sobre isso...
Limito-me a concordar com o Post do autor, que é bem vindo e coloca de forma brilhante um tema actual e essencial na vida de todos nós.
Quanto à vossa necessidade de terem e verem "país" em tudo, é um problema freudiano que eu não posso resolver, mas aceitem que existe pessoas que não vêm nos partidos as muletas para tudo e sabem pensar e agir pela sua cabeça,(não tendo contudo nada contra a existência dos partidos)
e não esperam as subvenções destes para terem posição quer seja do PS/PSD ou CDS.
Sejam felizes e resolvem os vossos problemas mentais da melhor forma possível.
Açor

Anónimo disse...

A estratégiCa da selecção é tentar conseguir uma derrota no primeiro jogo e assim estimular e inspirar os jogadores do Bento para as vitórias consecutivas que virão, certamente.

É uma estratégiCa bem ponderada e acertada.

Açor,

Isto não é um consultório de psicanalista, embora o conceito seja interessante. Ninguém quer fazer com que V Exa deixe de ser quem é. Salve seja. Take a chill pill. Relax. Isso não é o fim do munde.

Be Happy e, acima de tudo, cultive um salutar sentido de humor :)

Anónimo disse...

Eu sei que o Exa sabe escrever estratégia

Just kidding. Achei piada.

Só isso.

Não me interprete mal.

Cumps

Anónimo disse...

Caros anónimos
Tenho sentido de humor quanto basta e não sou nem tenho a mania de ser infalível, se tivesse esta mania a realidade diria o seu contrário, sou daqueles que concordo mais com Sócrates,"...só sei que nada sei..."tenho até a impressão de que se calhar, não chego a este grau de conhecimento...
Dito isto é claro que tem razão em relação ao erro apontado é erro e pronto( de nada vale dizer que a rapidez, produz erros e que estes são insignificantes face ao conteúdo)quanto ao ser o que sou, você sabe que eu sei que sabe, que esta questão tem a ver com a loucura que varreu os comentários do Ilhas em querer confundir(intencionalmente)como se vários(igualmente validos) comentadores fossem um e o mesmo personagem...
Se não foi o seu caso, as minhas sinceras desculpas, tenho a dizer que comento para participar de forma construtiva e aprender igualmente com os contributos de cada um e não para fazer jogos(que não sei classificar)o resultado foi que foram apagados comentários o que sendo uma atitude última, foi resultado daquele devaneio inútil...
Não lhe levo a mal e até lhe agradeço o reparo, que foi neste caso ocasional, mas que reconheço não ser a técnica ortográfica o meu forte.
Saudações
Açor