terça-feira, junho 26

Leis Laborais: O não pedido de fiscalização

Fez ontem uma semana que o Presidente da República se decidiu por não pedir a fiscalização preventiva das alterações à legislação laboral. Na mensagem de promulgação do diploma, Cavaco Silva diz que na análise realizada “não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade que justificassem a intervenção do Tribunal Constitucional” e realça ter tido “presente os compromissos assumidos por Portugal junto das instituições internacionais”, bem como o apoio de “larga maioria parlamentar”.
Não se percebe esta atitude e muito menos os argumentos aduzidos.

Comecemos pelo fim. O argumento da aprovação por larga maioria parlamentar não é de todo suficiente e muito menos coerente. De facto, noutras circunstâncias, perante diplomas aprovados por unanimidade – como foi o caso do Estatuto Político-Administrativo dos Açores – o PR não se eximiu de pedir a respectiva fiscalização preventiva. Não pode, pois, vir agora invocar este argumento que contraria a sua própria posição noutras situações. Haja o mínimo de congruência…

Em segundo lugar, o próprio memorando da Troika, que hoje serve de desculpa para tudo, na parte respeitante à legislação do trabalho refere explicitamente: “Serão implementadas reformas na legislação do trabalho e de segurança social (…), tendo em consideração as possíveis implicações constitucionais (…).” Era o que faltava que não fosse assim… Mas mesmo assim o próprio memorando quis dizer o que é pressuposto num Estado Constitucional. Constitui, pois, directriz genérica para toda a faina legislativa imposta pelo memorando o cuidado com “possíveis” desconformidades entre os diplomas a publicar e a Constituição da República Portuguesa. É este, ao contrário do que diz o PR, o compromisso que Portugal assumiu junto das instituições internacionais e não qualquer outro. O Memorando é aquele e não o que está na cabeça do Senhor Presidente.

Mas o que mais importa – e como se isto não bastasse – é que o PR jurou defender a Constituição. E a Constituição também é aquela, não é outra.

Quem tenha seguido, mesmo que pela rama, o que a este propósito escreveram os mais destacados especialistas da matéria, alguns deles próximos da área ideológica do Governo, e alguns dos quais terão decerto sido ouvidos pela Presidência da República, sentirá sérias dificuldades em entender a afirmação de que “não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade”.

Pois, na verdade, existem na lei promulgada vários “indícios claros” de inconstitucionalidade material. E apenas por escrúpulo é que digo “indícios” e não “evidências”, notando que “indícios” bastam para que se torne politicamente imperiosa a “apreciação preventiva”.

Que “indícios claros” são esses? Aponto sucintamente os que têm sido mais propalados (a jeito de nota para não nos perdermos em juridiquês):
a) O banco de horas é potencialmente incompatível com a “conciliação da actividade profissional com a vida familiar” (art. 59º da Constituição), sobretudo se baseado em acordo individual (que pode ser tácito), o que condiciona fortemente a possibilidade de oposição eficaz do trabalhador.
b) A eliminação de feriados e a redução das férias para os trabalhadores mais assíduos têm como consequência, para a generalidade dos trabalhadores, um acréscimo de sete dias de trabalho efectivo por ano sem contrapartida remuneratória – o que se confronta com o direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade” (ainda no art. 59º).
c) A suspensão de cláusulas das convenções colectivas que tratam das contrapartidas do trabalho suplementar, com a posterior retoma de eficácia mas com conteúdo modificado pela lei, confronta-se com o “direito de contratação colectiva” (art. 56º, nº 3).
d) A eliminação do ónus, que a lei actual impõe ao empregador, de verificar se há posto de trabalho alternativo para um trabalhador em risco de despedimento tem que ser contrastada com a proibição dos despedimentos sem justa causa estabelecida pelo art. 53º da Constituição.
e) A reformulação do processo de cálculo das compensações por despedimento visa reduzir drasticamente os seus montantes, embaratecendo a destruição de emprego e desvalorizando a perda do emprego como facto socialmente negativo, sendo minimizada a “garantia da segurança do emprego” constante do art. 53º da Constituição — “garantia” cujo sentido preceptivo se dirige, justamente, ao legislador ordinário.

Não se grita daqui que a lei é totalmente inconstitucional, nem que os pontos referidos são indiscutíveis. Apenas se afirma que se trata de dúvidas legítimas, razoáveis e bastantes para que a questão da inconstitucionalidade fosse suscitada em termos preventivos — sabendo-se, como se sabe, que, não sendo assim, virá a colocar-se em moldes sucessivos, com efeitos nefastos para a segurança jurídica.

O que me parece é que, com esta opção, o PR não impede a declaração de inconstitucionalidade, que certamente ocorrerá em relação a algumas destas normas em sede de fiscalização sucessiva. O que o Presidente verdadeiramente impede é o “enrascanso” de Seguro. Se o PR enviasse o diploma para o TC e o TC se deparasse com alguma inconstitucionalidade, o diploma voltaria à Assembleia, tendo de ser aprovado por maioria de 2/3. Isto significa que a simples "abstenção violenta" deixaria de valer, pois sem os votos a favor do PS o diploma não passaria. Seguro teria de se definir…

À parte disto, para mim a batalha é sempre a mesma… Não aceito que a Constituição possa ser vista como um obstáculo a superar. Num Estado de Direito não é assim. Se a Constituição não serve para nos proteger do poder político e executivo em tempos de crise, então serve para quê? Para nos proteger em tempos normais?! É sobretudo em tempos de crise que se atropelam direitos fundamentais… Olhe-se para a História! É em tempo de crise que precisamos de Estado de Direito e de Constituição. E é esta batalha que pessoalmente não posso prescindir...

5 comentários:

Anónimo disse...

Douto Couto

Eu gosto da constituição Portuguesa. Mas esta minha grande admiração por este fantástico doc não me impede de aceitar um facto elementar: a política é, entre outras coisas, a redefinição permanente do possível e do permitido. Nada na política é eterno, incluindo as constituições.

Quanto ao caso especifico, diria o seguinte: SE a constituição foi violada, cabe às partes interessadas, partidos políticos/sociedade civil, CONTESTAR a constitucionalidade das politicas a implementar ou já implementadas.

O meu profundo respeito pela constituição portuguesa tb não me impede de perceber que este documento não é perfeito. É através da política que se altera a realidade (incluindo os regimes juridicos). Nada é para sempre.

O governo PSD pretende alterar a constituição.
Acerca disso não tenho qualquer dúvida.
Deveria mudar a constituição ANTES de implementar as medidas. Assim asseguraria um "minimo de coerência", como diz V Exa, e muito bem.

Parabens pelo post.
Muito bem pensado e escrito.

Anónimo disse...

"Seguro teria de se definir…"

LOL

isto é pedir muito
o homem é incapaz de tal coisa

quando o Costa chegar ao topo, aí o PS muda...e talvez ganhe!! gosto do Costa. Directo, pragmático, honesto e muito trabalhador. Gosto muito dele. :)

Anónimo disse...

Caro José Couto
Parabéns pelo post e pela frescura que tem trazido ao Ilhas com temas capazes de sacudir um certo marasmo...
Independentemente da estrema justeza e clarificação do texto, tenho a dizer que o problema da Constitucionalidade, começa logo na composição do Tribunal Constitucional ser de escolha Partidária, já no caso do imposto extraordinário de 80(2.8%)imposto por Mário Soares quando da Vinda da Troika, foi claramente inconstitucional, mas a composição do tribunal era justaposta ao bloco Central, e o imposto passou, sendo mais tarde, considerado inconstitucional, mas sem ser reposto os montantes, erradamente arrecadados pelo fisco.
Agora a situação se não fosse resolvida pelo Presidente, seria aprovada no tribunal.
Tudo isto me faz lembrar(mal comparado) a entrevista de António Oliveira, antigo seleccionador que disse que o futebol é todo resolvido pela Olivo Desportos.
Infelizmente a nossa democracia esta cheia de casos desses (Cavaco)desde logo um presidente que antes de se apresentar como Candidato já era tido como presidente por (quase toda a imprensa)como o impedimento de tempo de campanha a um candidato(Garcia Pereira)etc,etc.
Ao fim e ao cabo temos uma legislação insuficiente muitas vezes e perfeitamente permissiva aos interesses sempre.
A Democracia muitas vezes não passa dum slogan sem condições para se fazer fazer na prática, se calhar estes governos continuadamente bi- polares PS/PSD, serão causa e resultado disso.
Açor

Anónimo disse...

VEM AÍ A DUPLA TROICA- a que já está em Lisboa e negociada por Sócrates. Agora é o acordo com o governo central.

César, depois de estar sempre A CRITICAR O GOVERNO DE LISBOA SEM NUNCA MUDAR A LEGISLAÇÃO REGIONAL, VAI PEDIR 137 MILHÕES.


As condições do empréstimo é que só sabemos depois das eleições. Ou seja, os açorianos ficam impedidos de votar com conhecimento de causa.

Já sabemos que, os chuchialistas voltarão a dizer que este empréstimo não irá agravar as contas regionais!

Bem faz Vasco Cordeiro que fala, fala com palavras caras, mas sumo é quase zero. Para um político que já esteve em 2 secretarias regionais , numa vice- presidência e como deputado, estamos bem entregues!

CONCLUINDO, O ÚLTIMO A SAIR QUE FECHE A PORTA!

Anónimo disse...

Afinal não é só Noé Rodrigues mais a qustão das ajudas de custo com a alteração de residência!

Tudo para bemsrvir o povo!