sábado, outubro 1

múltiplos desabafos

"(...) Estas ilhas, vistas por quem vem de fora, fazem um figurão. Temos por cá várias palavras mágicas, quase sacralizadas. As de invocação mais corrente são turismo e autonomia. Uma justifica todos os gastos, a outra justifica todas as exigências.
Dos gastos em questão, pode dizer-se que os turistas chegam praticamente comprados. Com a agravante de que quase nunca serão os que se tenta comprar que realmente vêm. Ou crês, por exemplo, que umas vacas continentais, postas nas principais praças de Lisboa a fingirem que eram açorianas, fizeram com que alguém ficasse perdido de amores por estas ilhas? Teria tido muito melhor resultado pagar a viagem a um milhar de lisboetas. Que depois correriam o risco de serem mal recebidos. Não por falta de simpatia, que é fácil até haver excesso dela, mas por falta de jeito. (...)"

Daniel de Sá

Com réplica de Valdemar Oliveira

Chamou a minha atenção para este escrito um amigo. Um amigo, pessoa que valorizo e alguém que no anonimato e muitas vezes sozinho, como eu, vai procurando, na torpeza dos dias que correm, insurgir-se contra a letargia daqueles que advogam que é preciso fazer mas, nada fazem.

Não procuro fazer qualquer apologia ao seu autor (até porque não tenho arcabouço) mas, não posso deixar de me apoiar na forma como o mesmo se refere ao, em certa medida, desaire do desenvolvimento turístico dos Açores.

Não é apenas mais um texto a culpar este ou aquele sector da economia, este ou aquele departamento, esta ou aquela pessoa. Não! Isto seria chover no molhado, e nós sabemos que o resultado acaba por ser, quase inevitavelmente, a inundação, que antecede sempre a constatação da desoladora destruição.

No texto, para além das metafóricas comparações entre príncipes e reis desnudados, julgo ter identificado ainda a preocupação com uma outra dimensão do Turismo, enquanto actividade que, sobretudo, envolve as pessoas – as de lá e as de cá – numa relação que, neste momento, é, entre nós e em muitos casos, decepcionante. Para todos, arrisco dizer.

Esta dimensão deriva da valorização e entrega da comunidade e de cada um dos seus indivíduos e constitui-se, para muitos, como a cereja no topo do bolo, marcando o desejo de regressar quando se é recebido, não necessariamente de braços abertos mas antes, com atenção e carinho. Atenção para não irmos além do que nos deixam algumas nacionalidades e carinho porque somos todos humanos. Esta é a dimensão social do turismo.

Qualquer coisa que se deseja interiorizada hoje: o respeito pelo envelhecimento; a necessidade de evitar as drogas; o exercício activo e consciente da cidadania; o respeito pelos géneros; enfim, o que puderem lembrar-se, atira-se com ela para os bancos das escolas, como se as crianças fossem os únicos seres humanos à face da terra a ter que apreender tais noções.

Claro que desta forma, todos os nossos problemas de hoje continuarão ser – muito facilmente - considerados como questões geracionais, agravadas com o problema que deriva da falta do exemplo que, melhor ou pior, devia ser sempre passado por aqueles que se constituem no modelo para os demais: em casa; na empresa; nas mais diversas instituições; na política (porque não?); etc.

Há muita gente a falar de turismo. É verdade. E disso já se orgulham algumas pessoas a quem devíamos perguntar que pontes desejaram construir? Que modelos defendiam? E por que causas vale agora a pena morrer?

Este texto mostra que a problemática turística não se resume às questões económicas, mais ou menos próximas do sector. Este texto mostra que todos nós temos estado desatentos e que, afinal, estamos a cometer os mesmos erros que outros destinos turísticos, outrora em processo de afirmação.

Será porque, tal como o adolescente inconsequente que confortavelmente culpa o “generation gap” das suas desventuras, também nós queremos dar as nossas próprias cabeçadas, insistindo aprender só com os nossos erros, em vez de aprendermos com os dos outros?

Apesar de não pertencer a nenhum movimento cívico (se calhar cobardemente), mantenho bem presente duas máximas do fundador do escutismo mundial – Robert Baden Powell – “Não existe ensino que se compare ao exemplo” e “Deixe o mundo um pouco melhor do que encontrou”, não declinando por isso a responsabilidade de lutar – ainda que sozinho – por aquilo e por aqueles que precisam, tal como senti ter feito o autor dos múltiplos desabafos contidos em artigo de opinião.

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