domingo, outubro 16

A soberania da opinião

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A inevitável redução de parte dos rendimentos de 2012, num País que alimenta as "finanças" sem uma "economia" que produza para o que gasta, é a crónica de uma morte anunciada que tarde em se consumar. Cavando mais fundo o fosso do buraco de um Estado insepulto, mas moribundo, o recente corte orçamental para 2012 é o toque de finados que faltava para a quebra de confiança no "contrato social" e uma verdadeira amputação das expectativas dos trabalhadores, dos empresários, e da classe média em geral. Com uma nova vaga de aumento de impostos, reforço da canga fiscal sobre todos nós, e o corte prometido dos subsídios de férias e de Natal para todos os trabalhadores do sector público, é legítimo perguntar-se se este ainda é um governo Social Democrata ?

O que falta cortar a seguir ? Será que o governo da República depois de ensaiar um corte natalício em 2011, qual "Grinch" em versão real e para adultos, além de querer "roubar" o Natal também teve a tentação de "furtar" o réveillon e deixar-nos suspensos na míngua de 2011 ? Infelizmente essa fantasia foi superada pela realidade com a revelação de que 2012 será ainda pior. Na senda da diabolização dos trabalhadores da função pública o governo de Pedro Passos Coelho sentenciou cortes para todos em geral, e em particular para aqueles milionários que auferem mais de € 1000 mensais - (uma escandalosa fortuna) - decretou a perda do dispensável subsídio de férias e de Natal.

Conhecendo a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, convenientemente invocada como arma de arremesso contra o anterior governo Socialista, o actual executivo afiança que os valores em causa não estão "perdidos", mas apenas "retidos", pelo menos durante dois anos, e transitoriamente até que Portugal saia da crise que herdou. Retidos onde? Nos "buracos" que se foram cavando com uma gestão danosa e que agora somos todos convocados a pagar? Mas agora à boleia da mais recente Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que validou a excepcional redução de salários em 2011, não a considerando inconstitucional por se justificar com a "conjuntura excepcional do país", o Governo decidiu ir mais além. Caucionou-se com a decisão do Tribunal Constitucional, que agora inflectiu de rumo, e afirmou que desde que seja transitória a redução de salários não é inconstitucional ou ilegal porquanto "a prevalência do interesse público na correcção do desequilíbrio orçamental, de acordo com os compromissos firmes do Estado Português, justifica a afectação das expectativas das remunerações". Bem pode o Tribunal Constitucional lavrar doutas "sentenças", para emoldurar nos corredores do poder, mas na rua, e na voz popular, as pessoas sabem, e têm razão, em dizer que estas medidas podem ser de imaculada legalidade mas são perfidamente injustas. Não é verdade que sejam iguais para todos! Veja-se prova dessa desigualdade, por exemplo, em relação aos cortes nos direitos sociais dos trabalhadores do Estado. Por um lado, ferem o princípio da igualdade - (que ainda consta da Constituição não revista) – ao onerar mais, e de forma desmedida e desproporcional, os trabalhadores da Administração Pública a quem se "pediu" um esforço maior do que aos restantes trabalhadores em geral para a recuperação dos défices e da dívida nacional. Por outro lado, penalizam por igual e cegamente, violando o sentido de Justiça, quem sempre trabalhou e deu o seu melhor à causa pública por contraste com aqueles calaceiros profissionais da função pública que são um verdadeiro lastro que se carrega como um pesado fardo. No mesmo "serviço" a "formiga e a cigarra" serão penalizados por igual, sendo que, a quem trabalha vai-se continuar a exigir tudo e a dar-se cada vez menos. Os sacrifícios têm de ser para todos e esse lugar comum devia ser uma matriz para um governo que se afirma Social Democrata. Nem para tal vale dizer, como consolo, que os prémios dos gestores públicos serão congelados até 2014 (!) e que se pondera, à margem de um draconiano Orçamento do Estado, a criação de tectos salariais aos vencimentos dos mesmos (!!). Se é para cortar rente então que o façam de uma vez, "a eito" e para todos, pois este é um País a caminho da Brasileirização social com o handicap de, ao contrário dessa perdida possessão ultramarina, não sabermos por onde fazer crescer a nossa economia. Esse é o grande drama deste ataúde à beira do Atlântico mas agenciado por Bruxelas.

De resto podem tirar o natal, enlutecer a passagem de ano, fechar a fronteira ao subsidio de férias, - previsto tantas vezes para pagar os passivos que sempre se atiram para essa data -, fazerem-nos reféns do défice, e súbditos da "troika", mas nunca deixem que nos tirem a soberania da opinião. Não somos todos "carneiros", nem "coelhos" da mesma cartola, e por isso no meu PSD nem todos pensamos pela mesma "cartilha". Não somos todos iguais e quando assim for é sinal de que a deriva para uma autocracia do capital resvalou para uma ditadura da opinião que apenas consente vozes afinadas por um acéfalo pensamento único.

Um país à mercê das "finanças" e do défice, sem projecto para uma economia nacional, aliás em parte destruída com o patrocínio e subsídio de um europeísmo que tratou de modo igual aquilo que era diferente, é um país que sobrevive a si próprio. A receita para esse mal não passa apenas por um orçamento de "deve" e "haver", mas por uma economia que produza, nem que seja para o mercado interno.

João Nuno Almeida e Sousa na edição de 17 de Outubro do Açoriano Oriental.

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